Incertezas económicas
A recuperação anémica do PIB mundial nos dois primeiros trimestres de 2021 foi impulsionada pelas economias dos EUA e da China, sendo que noutros polos centrais, como na Europa e no Japão, o processo tem sido mais lento e difícil. Estes dois motores da economia capitalista mundial estiveram ameaçados pela quebra da imobiliária Evergrande na China e pela dificuldade de Biden em garantir o pagamento da dívida pública.
A esta instabilidade, soma-se o crescimento da inflação a nível mundial, que pode chegar a 5% em 2022, e a escassez de matérias primas, que já levou à paragem de produção em várias fábricas do país.
A política de boa parte dos governos pelo mundo tem sido de mais injeção de dinheiro público na economia, como é o caso do Plano Biden e da Bazuca Europeia, mas não se sabe se essa política será suficiente para uma recuperação significativa em 2022. O Governo português prevê um aumento de 5,5% do PIB para 2022, mas ainda assim mantém o défice do Orçamento em 3,2%, seguindo a cartilha da União Europeia. As incertezas económicas a nível mundial contrastam com o suposto otimismo do Governo em relação às perspetivas nacionais.
País arrasado pela pandemia
Enquanto isso, na vida real, os que vivem do trabalho estão esgotados. Há uma acumulação de carga de trabalho, perda de rendimentos e incerteza no futuro. Ainda que o desemprego não tenha crescido, cresceu o duplo emprego, impulsionado pela perda de rendimentos na pandemia. A liberalização dos trabalhos por turnos e noturnos, somado à acumulação de trabalho, tem levado a que uma parcela importante da classe trabalhadora esteja física e emocionalmente esgotada.
Isso demonstra-se pela situação no SNS, que está a beira de uma rutura causada não pelo aumento dos casos de COVID-19, como se podia esperar, mas pela sobrecarga dos seus funcionários: médicos, enfermeiros, auxiliares, etc. O pedido de demissão em massa de médicos do Hospital de Setúbal, seguido do Hospital do Porto, é um sinal de alerta para o problema que já se via: a pandemia foi a gota d´agua após anos de desinvestimentos no SNS.
Há ainda sectores que veem o seu emprego ameaçado, como os trabalhadores da TAP, da Groundforce e da Banca, que olham para a Galp de Matosinhos e não veem uma luz ao fundo do túnel. Na indústria, para além do trabalho esgotante, as consecutivas paragens de produção colocam sobre os trabalhadores uma ameaça que serve perfeitamente aos patrões.
O OE mantém os apoios às empresas, mas não atende às necessidades da classe trabalhadora
Por isso, o Orçamento do Estado apresentado por António Costa simplesmente não responde às necessidades dos trabalhadores e do povo pobre.
Em primeiro lugar, o Governo mantém a cartilha da UE, que asfixia os serviços públicos e os apoios sociais e mantém o défice em 3,2%.
Em segundo lugar, o OE é voltado para o apoio ao sector privado. O grande trunfo do Governo, o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), vai permitir um aumento de 30% de investimento público na economia, lê-se, no sector privado. O Governo privilegia o apoio às grandes empresas, que lucram e têm caixa, deixando as pequenas sob forte ameaça. Em 2021 foram passados 8 mil milhões de euros para as empresas. E se comparamos este valor com o orçamento anual para a saúde, cerca de 12 mil milhões, temos noção da proporção. É também elucidativo saber que cerca de 40% do orçamento da saúde é para o sector privado. Essa desproporção é o que leva ao desfalque atual do SNS, que os 700 milhões a mais propostos pelo Governo não resolverão.
Em terceiro lugar, em relação ao apoio direto aos trabalhadores e pensionistas, o OE é ainda mais insignificante. Não há um verdadeiro alívio do IRS. O salário mínimo deve aumentar em apenas 30 euros. As pensões aumentam apenas entre 0,5% e 0,9%, o esmo aumento que se propõe dar à Função Pública, só que faseado em dois anos.
Uma situação política instável
Costa está otimista em relação à economia capitalista, mas não pode dizer o mesmo da situação política do país. A relativa derrota que o PS sofreu nas autárquicas e a indisposição que criou com altas patentes das Forças Armadas já eram sinais de que começaria a navegar em águas turvas. O enfraquecimento do PS permitiu ao PSD ver hipóteses de crescer. Por isso tem endurecido o discurso de oposição, dá a mão ao Chega e mostra que a era Rui Rio deve ficar para trás.
BE e PCP têm sofrido sucessivas derrotas eleitorais e na negociação deste orçamento dão a entender que não vão vender barato o seu voto. Não está claro até onde Costa pode aceitar as exigências e tampouco até onde estão dispostos a ir BE e PCP. Porém, estes partidos jogam numa arena que não permite verdadeiras conquistas para a classe trabalhadora. O Parlamento é onde os maiores partidos da burguesia determinam o jogo, e nesse momento, apesar do relativo enfraquecimento de Costa, o PS continua a ser o partido de eleição dos ricos em Portugal. Do Parlamento não sairão as medidas de que os trabalhos precisam para saírem do sufoco.
Se a política é negociar migalhas, como fizeram BE e PCP nos últimos 6 anos, então o jogo de sombras que estão a fazer agora pode surtir algum efeito, ainda que superficial e temporário. É só olharmos para a grande bandeira do BE para este OE, revogação das leis laborais da Troika, para nos perguntarmos: só agora se lembraram das leis gravosas do Código do Trabalho? Catarina Martins já se disponibilizou inclusivamente para um acordo político, colocando a hipótese de a Geringonça voltar. É uma boa receita para salvar Costa do sufoco, não para salvar os trabalhadores.
A aposta de BE e PCP em focarem-se na negociação via Parlamento apenas permite trazer migalhas e garante à burguesia aquilo que mais precisa em tempos de crise: manter a estabilidade do regime.
Chumbar o OE neste momento levaria a novas eleições, e há quem aponte a ameaça da volta da direita. Mas não podemos enganar-nos: o regresso da direita acontecerá cedo ou tarde, se a classe trabalhadora continuar a não ver alternativas. A construção de uma verdadeira saída para a classe trabalhadora e o povo pobre tem de ser combativa e independente do Governo de Costa.
A solução é a classe trabalhadora organizar a luta nas greves e nas ruas
A força da classe trabalhadora não está no Parlamento. Está nas ruas. É através da organização da luta da classe trabalhadora, da mobilização nas empresas e locais de trabalho e na construção de manifestações unitárias que poderemos conquistar as medidas de que a classe trabalhadora precisa e que Costa recusa.
É necessário unificar as lutas da Função Pública, dos trabalhadores da saúde, da Banca e dos transportes numa forte mobilização nacional que exija aumento geral de salários, proibição dos despedimentos e reforço no SNS. É necessário mostrar alternativas aos sectores que estão esmagados pela pandemia e pela crise social. É preciso dizer chega às agressões racistas e homofóbicas e exigir punição para todos os crimes de ódio. É inadiável exigir a diminuição e regulação dos preços das rendas e dos combustíveis e dar um basta ao desvio de verbas públicas para garantia dos lucros das grandes empresas e multinacionais.
A demonstração de forças da classe trabalhadora é nas ruas, com propostas que respondam ao conjunto dos explorados e oprimidos, com um projeto totalmente oposto ao do PS, em oposição à direita e à extrema direita.