Nacional

A Padaria do Povo como instrumento do movimento operário no início do Sec XX

Reportagem com a participação de José Zaluar - Presidente da Cooperativa “A Padaria do Povo”

A Padaria do Povo, enquanto agremiação de operários organizados e carbonários foi fundamental na vitória popular da revolta de 5 de outubro que derruba a monarquia após o regicídio. Conta-nos Zaluar, que é de lá que sai um “grupo de operários revolucionários” com a Carbonária, para se juntar a pequena comitiva militar chefiada por Machado dos Santos (figura central da 1ª República, assassinado na Noite sangrenta em 1921), que toma o regimento de infantaria 16, em Campo de Ourique, e se arma para de seguida tomar o regimento chave da artilharia 1, em Alcântara, cujos canhões serviram para respaldar os 2 cruzadores tomado pelos oficiais revoltosos da armada, sob a ordem do Almirante Cândidos dos Reis.

Fundada em 1904, a Padaria do Povo surge casando dois fins, a necessidade de garantir pão, a uma crescente e proletarizada população de Campo de Ourique, Alcântara e Campolide, que se fixava nesta zona, onde existiam bastantes unidades fabris, apesar de reunirem poucas dezenas de operários por unidade. O outro fim era manter/criar redes de solidariedade e associação, sobre as quais as vilas e aldeias, de onde eram originárias muitas das famílias operárias (na zona das beiras) assentavam para sobreviver.

O associativismo era assim uma ferramenta vital para fazer face à extrema pobreza que marcou o fim da monarquia.

José Zaluar defende que as características periféricas e atrasadas do desenvolvimento do capitalismo em Portugal mas também na península ibérica foram importantes para que os propagandistas anarquistas, conquistassem influência junto das massas operárias, sendo o predomínio das pequenas concentrações operárias bem como de um peso elevadíssimo do proletariado agrícola e o seu associativismo, contributos para a prevalência do anarco sindicalismo no movimento de massas.

Ora são estes sectores populares que formam a coluna vertebral da Padaria do Povo, que obtém o beneplácito da Rainha Dona Amélia, face à situação de escassez a que a monarquia condenava as massas trabalhadoras, que se traduz na cedência das instalações – É curioso ressaltar, como prova do êxodo rural, que marca a fase de relativa aceleração do modo de produção capitalista em Portugal, “que os padeiros e muitos outros cooperantes eram naturais de Oliveira de Azeméis, sendo que ainda hoje uma das salas da cooperativa lembra que já funcionaram ali associações de naturais dessa zona”.

A Padaria, tem um papel importante na organização da classe trabalhadora durante o período ditatorial, embora limitado pela inexistência de uma organização do conjunto da classe, (o Partido Socialista Português fundado em 1875, onde se agruparam marxistas socialistas utópicos, social democratas, como Antero de Quental, Azedo Gneco, José Fontana e Carlos da Maia, fracassou enquanto alternativa). A criação da Universidade Popular pelos cooperantes, onde se destaca a militância do matemático e notório comunista Bento de Jesus Caraça, foi um dos expoentes da organização popular nos anos 30, organizando muitos operários antifascistas.

A Padaria sofreu, mas sobreviveu à ditadura, voltou a ter dinâmica no PREC, mas já não cumpria o papel central na vida bairrista, hoje cabe aos que dinamizam a cooperativa, reinvindicar a sua história e o papel do associativismo na luta da classe operário portuguesa.

Por António Tonga