Nacional Raça & Classe

Ascensão da extrema-direita: O regresso dos que nunca foram embora

As novas eleições, que ditaram uma inesperada maioria absoluta do PS, trouxeram o reforço da direita radical no Parlamento.

O Chega, de André Ventura, tornou-se a terceira força política no Parlamento, passando de 1 para 12 deputados, embora com menor votação do que nas eleições presidenciais (385.000 vs. 496.000 votos).

A Iniciativa Liberal passou de 1 para 8 deputados e é agora a quarta força política, demonstrando que se dá uma reconfiguração política que pretende responder à crise da direita tradicional, reforçada pela saída de cena do CDS.

O partido de André Ventura dá corpo ao fenómeno internacional de ascenso da extrema-direita. Defendia-se que, em Portugal, isto não aconteceria devido aos anticorpos do 25 de Abril. Porém, o que observamos é bem diferente.

Revolução incompleta

A revolução de Abril foi uma revolução incompleta. As principais direções, PS e PCP, conformaram com os patrões um acordo de regime para uma democracia dos ricos, e não dos trabalhadores e explorados, dando o poder à burguesia nacional – e depois europeia – para decidir os rumos do país.

A nova democracia esvaziava as lições da revolução. As expropriações e ocupações que colocavam a democracia operária e popular na ordem do dia, o reconhecimento do papel fulcral das lutas anticoloniais de independência nacional para a revolução, foram sendo deixados para trás, em prol da “liberdade”, consagração das instituições democráticas e da abertura à CEE.

Em consequência direta, o racismo e o chauvinismo nunca foram verdadeiramente erradicados, num país Imperialista que explorou e oprimiu  durante séculos povos inteiros

Nada do que apontamos constitui um fenómeno unicamente nacional. Por toda a parte, os balanços das descolonizações são atravessados por enormes concessões da esquerda europeia (PC’s e PS’s) às suas burguesias, traindo a luta dos povos oprimidos e minando a superação da consciência racista das classes exploradas europeias, o que joga diretamente com a ruína social causado pela destruição constante de setores produtivos que o sistema capitalista em decadência promove.

A modernidade

Não é por acaso que somente 15-20 anos depois da Revolução grupos de extrema-direita tenham tido liberdade e capacidade para perseguir e matar em praça pública pessoas negras, imigrantes e também militantes de extrema-esquerda, como nos casos de Alcindo Monteiro e José Carvalho. No PREC já haviam morto o Padre Max.

O isolamento social e a sobre-exploração com que foram brindadas as comunidades negras imigrantes dos PALOP, bem como o desmontar do perfil produtivo português, eram duas faces do mesmo projeto racista e de submissão a Bruxelas para trazer Portugal à modernidade. E ao mesmo tempo, o manto sob o qual as narrativas saudosistas e reacionárias persistiam no imaginário.

“Há mais skinheads na PSP do que no PNR” são letras do MC Valete que caracterizavam a questão racial de um país onde, antes do surgimento do Chega, gestavam as razões estruturais para a consolidação política da extrema-direita. Por um lado, a necessidade de alternativa de amplos setores arruinados pela crise de 2008 e a austeridade da Troika e, por outro, o tal sentimento chauvinista sobrevivente autorizado da ditadura.

Lutar contra o Governo e enfrentar Ventura

Hoje sabemos que a Geringonça chamuscou a esquerda. Foi mais um governo para os ricos que aumentou a precariedade. O apoio parlamentar e contra as lutas de BE e PCP deu ao Chega a possibilidade de se afirmar como principal partido de protesto e oposição ao regime, apesar do seu programa ultra-liberal de ataque a conquistas de Abril como o SNS e a educação pública universal.

O programa do Chega aponta a receita que os patrões querem ouvir, é preciso tornar o Estado mais enxuto, entregar todos os serviços essenciais ao mercado e aumentar a repressão ao movimento de massas, enquanto cavalga o descontentamento, face à falta de alternativas, numa verborreia patriota que não faz por esconder a sua referência no Estado Novo, amigo do povo português, da ordem e dos “bons velhos tempos”.

Mais do que uma anomalia, a extrema-direita é, como vimos, uma consequência direta da decadência capitalista, do processo de semicolonização e das traições históricas das direções de massas, da Revolução à Geringonça.

Enfrentar a extrema-direita hoje significa organização independente do Parlamento, enfrentando o governo lutando com as classes exploradas contra o rebaixamento das condições de vida. Significa também enfrentar nas ruas e na discussão política a propaganda reacionária de André Ventura, dando combate sem tréguas ao Racismo e à Xenofobia, bem como a todas as opressões! Significa construir nas lutas uma alternativa dos trabalhadores e dos explorados e oprimidos!

Por António Tonga