A NOSSA CLASSE AVIAÇÃO Nacional

TAP: A novela de uma classe e de um Estado corruptos e submissos ao liberalismo europeu

A companhia aérea TAP continua a abrir e a alimentar a imprensa com casos que se vão sucedendo. Ora é a indemnização de Alexandra Reis, ora são as demissões de ministros e funcionários do Governo, ora são as indeminizações a administradores e ex-administradores. Há casos que incluem supostas agressões e até agentes secretos, tudo o que uma boa imprensa deseja e se regozija para distrair as atenções do que é central e fazer o jogo a que alguns chamam “política”.

É assim que se vai passando o tempo em Portugal, e a anunciada privatização da TAP para julho e novos planos de reestruturação em empresas do Grupo, como a abandonada por todos Groundforce, deixam de ter a importância que deviam.

Temporada Galamba

A esta altura, o último episódio da novela TAP a que se pode garantir assistir é a temporada Galamba. Esta tem a ver com a exoneração de Federico Pinheiro do cargo de adjunto do Ministro dos Transportes e Infraestruturas, que resultou numa tentativa de demissão do próprio Ministro João Galamba, que acabaria por ser rejeitada, em minutos, pelo Primeiro-ministro António Costa. Grosso modo, ao que parece, entre computadores portáteis, bicicletas a voar e agentes da secreta portuguesa, o adjunto do ministro – por ter tirado notas nas reuniões “preparatórias” para a participação da ex-CEO da TAP Christine Ourmières-Widener na Comissão de Inquérito Parlamentar (CIP), onde foi abordado também o episódio Alexandra Reis – acabou também ele próprio demitido. O caso, até à data, ainda se arrasta, pois meteu SIS e tem piorado um já frágil Governo. Marcelo Rebelo de Sousa, o Presidente da Républica que volta e meia aparece na novela, quer seja por supostas alterações de horários de voo quer, seja a sugerir que estes “temas particularmente sensíveis devem ser tratados discretamente “, tenta o mais que pode, na TAP, não se misturar com o Governo.

Nestes últimos episódios, que decorreram da segunda quinzena de abril até agora, podemos ver CIPs que cheguem e os mais altos advogados da praça com os seus visados clientes. Contudo, o mais importante vai passando: a 27 de abril, após um conselho de ministros, Fernando Medina anuncia que a partir de julho o processo de reprivatização da TAP vai avançar e daí, com certeza, novos ataques aos trabalhadores.

O episódio Alexandra Reis e mais recompensas

No passado recente, em 2018 e 2019, em anos de prejuízos para a TAP (ainda em gestão privada, mas com o Estado com 50% do capital social da companhia), a distribuição de prémios já tinha dado polémica, com os administradores indigitados pela Parpública. A título de exemplo, em 2019, dois administradores receberam 110 mil euros cada um. Os administradores representantes da parte do Estado encolhiam os ombros a dizer que foram apanhados de surpresa, e o ministro Pedro Nuno Santos dizia que era inadmissível e que havia uma “quebra de confiança”. O caso ficou entre amigos.

Também através das últimas audições parlamentares, especificamente a efetuada ao administrador financeiro da TAP, Gonçalo Pires, tomámos conhecimento de mais um caso de chorudas indemnizações, desta feita para o antigo administrador Maximilian Otto Urbahn no marco da sua pré-reforma executada em 2018 que ascendia a 1,35 milhões de euros. Ficou-se ainda a saber que existe um contrato de consultoria de Fernando Pinto – conhecido ex-administrador – com a TAP, o qual ascende a 1,6 milhões de euros pagos mensalmente – 60 mil euros.

Há dias atrás, no dia 31 de maio de 2023, Alexandra Reis, dos 500.000 euros que recebeu de indemnização, devolveu 266.412,76 euros à TAP. Contas feitas, entre outubro de 2020 a fevereiro de 2022 a Inspeção Geral de Finanças reconheceu somente 56.500 euros de indeminização e o salário devido de fevereiro de 2022 no valor de 17.500 euros. Este caso levou Pedro Nuno a juntar-se a Alexandra Reis no desemprego após uma crise de amnésia sobre a então secretária de Estado que mais tarde recordou por Whatsapp, Alexandra Reis viria também a demitir-se. A engenheira trabalha hoje como consultora para a Barraqueiro, empresa da família Pedrosa que a colocou na TAP em 2017, na altura para um cargo diferente.

Uma coisa concluímos: administradores executivos têm tratamento diferenciado, e o fosso entre os salários e os extras de quem manda e de quem trabalha tem vindo a aumentar nas últimas décadas. Para uns, prémios e adiposas indeminizações; para outros, austeridade, cortes e despedimentos.

A história que se seguiu a Alexandra foi a demissão, a 6 de março, da CEO Christine Ourmières-Widener e de Manuel Beja, ambos escolhidos pelo partido de governo, que entre reuniões secretas para combinar perguntas para a Comissão de Inquérito Parlamentar relativa ao despedimento de Alexandra Reis, resultou também no despedimento dos dois gestores. Mas a novela ainda não acabou e ainda irá passar pelo recurso dos despedimentos e de uma possível indemnização ou mesmo prémio se o plano de reestruturação da TAP tiver sucesso!

À parte a novela vem aí mais austeridade. Aos trabalhadores resta lutar

Desta rocambolesca novela, poderíamos continuar a entreter-nos com as influências partidárias e políticas na TAP e até fazer uma árvore genealógica para lá encontrar familiares de governantes, situações condenáveis e que devem ser averiguadas e julgadas.

Contudo, o fundamental é saber o que está e vai acontecer ao Grupo TAP. Como já dissemos, em abril, no meio do pandemónio, o ministro das finanças Fernando Medina anunciou para julho o início do processo de reprivatização da TAP, como mandou há anos a União Europeia.

No plano de reestruturação da Companhia estava a venda dos restos do Grupo TAP, onde está a Groundforce, que, entretanto, se tornou insolvente. Agora, a empresa de handling, já com comprador, será também ela vítima de um processo de reestruturação. Existindo já propostas de mais perdas no Acordo de Empresa, como divulgado no dia 1 de junho pelos sindicatos representantes do setor (ver caixa) após reunião com o comprador Menzies. A empresa de assistência em terra do Grupo TAP vai passar novamente as passas do Algarve, restando aos trabalhadores reagir através da mobilização com plenários e greves para rejeitar a planeada “recuperação”.

Groundforce: a novos ataques, responder com novas lutas

Após a insolvência decretada fará em agosto dois anos, o Governo conseguiu amarrar os trabalhadores da Groundforce, que se depararam sem qualquer reação por parte das direções das organizações dos trabalhadores. Algumas das propostas feitas pela compradora da Groundforce Menzies no dia 1 de junho aos sindicatos do setor são:

• Suspensão das evoluções de carreira até final de 2025
• Atualização salarial só a partir de 1 de janeiro de 2024 e a metade da inflação
• Fim das anuidades
• Fim do refeitório com aumento de subsídio de refeição em cartão para 8,70 euros
• Redução de pagamento do trabalho suplementar a 50% até às primeiras 100 horas trabalhadas.
• Fim do pagamento pelo trabalho noturno para quem tem subsídio de turno
• Fim do subsídio de transporte passando a uma mensalidade de 64€ por mês
• Fim do infantário e de vários outros subsídios de apoio às famílias constantes no AE
• Flexibilizar, ainda mais, os horários.

Este duríssimo ataque não pode ser encarado como inevitável. Não há que ter medo, pois a Groundforce tem muito poder ao colocar por dia 65% dos turistas em Portugal. Basta recordar a greve de julho de há dois anos. Quanto mais unidade essa luta tiver com os outros trabalhadores do Grupo TAP, da aviação e de outros setores em luta, mais consequente será para lutar contra os cortes nos direitos e nos salários em perda que toda a classe trabalhadora tem em comum.

Carlos Ordaz

Texto originalmente publicado no jornal Em Luta, n.º 11