“Estado de sítio”: é com força policial e sem testemunhas que se fazem as demolições
Não basta o facto de a Câmara não notificar por escrito os moradores das datas das demolições – prática antiga das autarquias para dificultar que haja resistência. Nos dias das demolições, a Polícia fecha todos os acessos ao bairro: só entra e sai quem for autorizado pela Câmara.
Assim, enquanto amigos, familiares, advogados, jornalistas e ativistas são proibidos de entrar no bairro, os funcionários da Câmara, com retroescavadoras à porta, tentam convencer os moradores que resistem aos despejos a desocuparem as casas – mesmo que não tenham para onde ir.
“Dividir para reinar” e represálias contra quem resiste
No último dia 17 de outubro, data em que a Câmara pretendia efetuar as demolições dos lotes 7 e 8, após uma decisão provisória do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que determinou a suspensão da demolição das habitações de quatro famílias que vivem no lote 8 enquanto não tenham alternativa, a Câmara, em resposta à resistência dessas famílias, anunciou que iria suspender o realojamento de todas as famílias que vivem nesse lote – que são mais de vinte.
A resposta da Câmara – uma violenta e desumana represália que tenta jogar os moradores uns contra os outros – criou uma verdadeira catástrofe social no bairro. A Câmara diz aos moradores excluídos do realojamento que estes têm que aceitar ir para a rua e que, se não o fizerem, por causa deles os demais serão prejudicados. E diz aos demais moradores que a culpa de não terem sido até este momento realojados é dos que resistem. Cruelmente, a Câmara tenta que sejam os próprios moradores a pressionar os seus vizinhos a aceitarem ir para a rua. São quase trinta famílias que desde o dia 17 de outubro vivem imensa aflição, sem saber do seu futuro.
A Câmara diz aos moradores que, se não pode demolir o prédio inteiro, não fará o realojamento de ninguém. Na sua prática, a Câmara Municipal do Seixal, dirigida pelo PCP, em nada se diferencia da política de Inês de Medeiros (PS), à frente da Câmara de Almada, com relação ao bairro do 2.º Torrão: o objetivo não é garantir moradia digna para todos, o objetivo é “o fim” do bairro.
Esta política é ainda mais grave num momento em que as rendas nas periferias de Lisboa ultrapassam o valor do salário mínimo. Não basta que o Governo se recuse a pôr um travão às rendas e ao mercado imobiliário, e não garanta habitação pública. As autarquias, ao invés de reabilitarem os parques habitacionais públicos e apoiarem o direito à habitação nos municípios, ainda promovem demolições e despejos de famílias que não têm alternativa.
Não existem direitos e garantias no bairro?
A pergunta que nos resta é porque o PCP, à frente do Executivo e que tem também o pelouro da habitação, acredita que no bairro da Jamaika não se deve o respeito aos mais básicos direitos e garantias.
E não existe outra explicação para a naturalização desta violência e para o absoluto desprezo pelos direitos destes moradores senão o racismo com que a Câmara – e todo o Estado português – os encara. A verdade é que os direitos, no capitalismo, não são os mesmos para todos. Nos bairros negros, pobres e de imigrantes, não há Constituição ou lei que os garanta.
Por isso mesmo, é urgente cercar de solidariedade os moradores do bairro da Jamaika que neste momento lutam pelo seu direito à habitação. E lembrar que, assim como os realojamentos até hoje realizados foram fruto da luta coletiva, é a resistência e a organização dos moradores que hoje pode fazer valer os direitos de todos.
É urgente que a Câmara Municipal do Seixal reveja a sua política e garanta o realojamento de todos os moradores, já. Basta de demolições e despejos sem alternativa! Basta de racismo e cerco policial aos bairros! Basta de represálias aos que lutam!

