É necessário voltar um pouco no tempo e retomar alguns momentos políticos importantes que nos trouxeram até aqui.
Da luta contra a Troika ao Governo da Geringonça
A 12 de março de 2011, ocorre a grande manifestação da Geração à Rasca, com cerca de 200 mil pessoas em Lisboa e mais 100 mil pelo resto do país. A crise política aberta levou à demissão de José Sócrates (PS), que foi substituído pelo Governo de Passos Coelho (PSD) e de Paulo Portas (CDS).
À Geração à Rasca seguiram-se várias outras manifestações e greves contra a política de jogar nas costas dos trabalhadores e da juventude a conta da crise económica. As mobilizações abriram uma crise política do governo de Passos Coelho, que teve de recuar na diminuição da TSU para as empresas. A disputa pelos rumos do país passava pelas mobilizações urbanas e populares, com a juventude trabalhadora precária como vanguarda em luta contra a alternância dos governos do PS e PSD, que submissos à UE, visavam colocar sobre as costas da classe trabalhadora e da juventude os custos da crise económica.
Apesar da radicalização e das fortes lutas que havia, BE e PCP conduziram a indignação para o voto, impedindo que o governo de Passos Coelho caísse nas ruas. E, após as eleições de 2015, afirmaram que a devolução do que nos foi roubado passava pelo apoio ao governo do PS, dando vida à famosa Geringonça. As grandes mobilizações, que nunca mais voltaram com tal força, foram substituídas pelas pressões ao PS por migalhas nos Orçamentos do Estado.
A Geringonça não virou a página da austeridade
A Geringonça foi um bom aluno da UE e do FMI: pagamento da dívida adiantada, obsessão e rigoroso cumprimento do défice, relação estreita com instituições europeias e FMI e manteve todas as medidas centrais da Troika [BCE, FMI e CE]. Foi ainda o governo de submissão aos interesses das grandes multinacionais a atuar em Portugal.
A não reversão da política dos anos da Troika trouxe-nos à situação atual. A crise na habitação, na educação, na saúde, os baixos salários e a precariedade são o que marca a vida da maior parte da população portuguesa.
Assim, o apoio ao governo do PS, longe de reverter os rumos que o país vinha tomando, aprofundou a submissão de Portugal e a venda do país. BE e PCP optaram por sustentar o PS, ao invés de reforçar as lutas e afirmar uma solução política alternativa aos partidos da burguesia. Acabaram por reforçar o PS que, após derrotas eleitorais, conquistou uma maioria absoluta.
A extrema-direita cresce
Antes de mais, somamo-nos àqueles que não vêm com bons olhos o crescimento eleitoral do Chega. Se olharmos para Itália, Brasil e Argentina, é normal que preocupe aos ativistas de esquerda a possibilidade de uma Geringonça de direita em Portugal.
O Chega organiza ao seu redor uma base de organizações protofascistas e fortalece o sentimento de xenofobia e racismo que vem crescendo no país. André Ventura sabe que o descontentamento e radicalização crescente nas camadas médias portuguesas e de parte dos trabalhadores é um terreno fértil para o seu discurso populista e busca canalizar este sentimento para a construção do seu partido.
André Ventura, partindo de um discurso aparentemente antissistema capitaliza um setor descontente com os anos de PS/PSD, cansados da corrupção sistémica e, principalmente, fartos da degradação das condições de vida no país.
Combater partidos como o de André Ventura passa, sim, pela condenação veemente do seu programa e de qualquer demonstração de discurso de ódio que possam proferir. No entanto, não podemos acreditar que exigindo um “cordão sanitário” à volta do Chega em conjunto com a burguesia é que vamos conseguir combatê-lo. O principal desafio colocado é disputar a base que torna o crescimento do Chega possível e, por isso, voltamos ao balanço do Governo da Geringonça.
Quando as principais direções do movimento que polarizaram o país entre 2011 e 2013 colocaram como saída o apoio a um Governo que aprofundou a crise social do país, acabou por comprometer um capital político crucial, o da independência de classe. Deixando espaço ao diálogo com o descontentamento e o discurso de combate à corrupção à André Ventura.
O combate à corrupção
É expressão de um grande limite da democracia burguesa que um governo de maioria absoluta seja derrubado por uma investigação inicial da Procuradoria-Geral da República. Os elementos políticos para que António Costa caísse estavam dados desde que não conseguiu resolver a crise na educação, na habitação e na saúde. Agora, após diversos casos e casinhos e 18 demissões no seu Governo, é apanhado numa teia de influências que passava por cima da proteção ambiental e social para garantir os lucros de setores da burguesia.
O grande pano de fundo da atual crise política prende-se com a disputa de alguns setores da burguesia portuguesa pelos milhões do PRR (Plano de Recuperação e Resiliência). O PS, com António Costa à frente, tem utilizado a chamada transição energética como mote para o investimento em setores que permitirão aos seus aliados lucrarem ainda mais. Os setores da burguesia ligados ao PSD, no entanto, têm disputado a sua parte no bolo e não querem ficar de fora da partilha dos milhões. A União Europeia é impulsionadora da situação, disponibilizam milhões para comprar os burgueses subservientes dos países mais subordinados, como Portugal.
Como afirmámos na nossa declaração 9 de novembro “não podemos confiar na Procuradoria Geral da República e na justiça dos ricos como uma alternativa para julgar e punir os corruptos que vendem o país. A justiça burguesa segue os interesses dos setores da burguesia e não está interessada em resolver o problema da corrupção(..). A corrupção é inerente ao sistema capitalista, no qual uma pequena minoria controla o Estado para favorecer os seus interesses em detrimento dos interesses da imensa maioria da sociedade.”
Ao mesmo tempo, não podemos deixar nas mãos de André Ventura a denúncia da corrupção capitalista. É preciso denunciar os corruptos e corruptores e exigir a punição de todos.
A solução passa pela construção de uma saída de independência de classe, revolucionária e socialista
Vamos agora para novas eleições, onde as perspetivas são de instabilidade. É pouco provável que exista nova maioria absoluta e está colocada a possibilidade de novas geringonças.
Essa instabilidade é reflexo da profunda crise que o nosso país vive, resultado da venda dos nossos direitos, dos nossos serviços públicos, dos nossos recursos naturais, dos bairros das cidades, das casas, do futuro dos jovens e próximas gerações por um projeto de país subserviente e entregue ao turismo. A relação dos homens de confiança de Costa com empresas multinacionais estrangeiras é de completa submissão. Movem-se a qualquer preço, mesmo que signifique destruição ambiental e social, para garantir os projetos milionários de alguns em troco de migalhas, como bem demonstra a extração de lítio, contestada pelas populações locais e ativistas ambientais, e grandemente ignorada pelo Governo.
O processo de destruição do país levou a uma profunda crise das instituições políticas, desde o Parlamento aos seus principais partidos. Passados 50 anos do 25 de Abril, está colocada uma forte crise de regime.
É urgente construir uma alternativa que se coloque contra o PS, submisso às multinacionais, aos patrões e à UE e duro contra os trabalhadores e o povo pobre; uma alternativa que afirme também que a direita não é alternativa, que aprofunda a destruição do país. É preciso afirmar que o Chega é o capataz da política liberal e autoritária ao serviço dos patrões, que culpa os mais pobres e oprimidos, enquanto protege os capitalistas.
Só a classe trabalhadora organizada e mobilizada, dotada de um programa alternativo para o país pode parar o crescimento da extrema-direita. A conciliação de classes e novas geringonças só reforçam projetos como o de André Ventura.
A classe trabalhadora em luta, junto do povo pobre e da juventude, pode mostrar a força de uma alternativa de independência de classe. Por isso defendemos toda a unidade para lutar. É preciso reforçar e retomar as lutas dos profissionais de educação, em defesa da educação e do SNS, organizar a luta pelo aumento geral de salários e pensões e unificar as lutas dos ativistas climáticos com a classe trabalhadora. É preciso lutar também contra os desmandos da UE.
E para tudo isso é fundamental construir uma alternativa revolucionária. Não há alternativa à perda de direitos, à destruição dos serviços públicos e à crise ambiental dentro do capitalismo.

