Internacional

Israel mata e prende jornalistas para impedir a divulgação do genocídio em Gaza

Em 25 de janeiro de 2024, o Comité para a Proteção dos Jornalistas (CPJ) revelou que pelo menos 83 jornalistas e trabalhadores da media estavam entre os mais de 25 mil mortos por Israel em Gaza e na Cisjordânia desde o 7 de outubro de 2023. Israel é agora também o sexto pior carcereiro de jornalistas, empatado com o Irão.

Muitos de nós, que estamos ao lado dos palestinianos contra o genocídio executado por Israel, reclamamos do papel que a imprensa, em geral, tem cumprido em sua cobertura dos acontecimentos no pós-7 de outubro. Desumaniza o povo palestiniano, denomina as forças de resistência, como o Hamas, de terrorista, credibiliza acriticamente as informações prestadas por Israel e o seu incondicional aliado, os EUA, e não mostra a verdadeira dimensão da tragédia que se instalou na pequena Faixa de Gaza e na Cisjordânia ocupada.

Esta realmente é uma parte da verdade. Uma parte considerável, pois sabemos que os interesses da chamada grande imprensa estão ao lado dos grandes capitalistas e das suas potências imperialistas. Mas, felizmente, há meios de comunicação e jornalistas que não alinham nesse diapasão. É sobre estes últimos que queremos falar.

O conflito mais mortal

Jornalistas como Issam Abdallah, cinegrafista da Reuters, que morreu devido a bombardeios de Israel no sul do Líbano. Ele cobria os combates fronteiriços entre Israel e o Hezbollah desde o 7 de outubro. Ele é um dos quase 83 jornalistas e trabalhadores da media que foram mortos desde então, vítimas principalmente dos ataques aéreos israelitas. O Comité para a Proteção dos Jornalistas (CPJ) (https://cpj.org/) afirma que este tem sido o conflito mais mortal para os trabalhadores da comunicação social desde que começou a manter registos, há mais de 30 anos.

Em seu artigo no New York Times (https://www.nytimes.com/…/journalists-killed-israel…), uma amiga de Issam Abdallah, a jornalista Lama Al-Arian, ganhadora de vários prémios Emmy e moradora de Beirute, conta que uma investigação realizada pelos Repórteres Sem Fronteiras concluiu que Issam e os jornalistas que o acompanhavam foram “explicitamente visados” no ataque, que veio da direção de Israel. Essa conclusão, escreve a jornalista, teria sido “consistente com relatos de testemunhas oculares de outros jornalistas feridos no ataque, que, tal como Issam, usavam equipamento de proteção que os identificava claramente como jornalistas e estavam a quilómetros de distância do combate ativo”.

Dor e pesadelo

Destino semelhante teve uma correspondente palestiniana-americana da Al Jazeera. Shireen Abu Akleh foi baleada na cabeça quando fazia uma reportagem em Sheikh Jarrah, um bairro em Jerusalém Oriental.  Assim como Issam Abdallah, Shireen estava longe de qualquer confronto direto quando foi baleada, usava um capacete e um colete azul com a inscrição “Press” em gigantescas letras brancas. O Exército israelita negou inicialmente responsabilidade sobre o ocorrido, mas, sob pressão e provas dos meios de comunicação social e de organizações de direitos humanos, acabou por reconhecer que havia uma “grande possibilidade” de um soldado israelita a ter matado. Mas nada foi feito para apurar o que tinha acontecido ou punir o soldado responsável pelo assassinato.

O CPJ não tem dúvidas: a morte de jornalistas na linha de fogo das Forças de Defesa de Israel faz parte de um “padrão mortal que dura décadas”, pelo qual ninguém foi responsabilizado em mais de 22 anos.

“Sei que a dor de perder o meu amigo não é nada comparada ao pesadelo que as pessoas em Gaza vivem todos os dias”, escreveu a jornalista Lama Al-Arian no artigo do New York Times referindo-se a Issam Abdallah. “Famílias inteiras não têm sobreviventes, enquanto aqueles que têm são deixados a recolher os restos dos seus entes queridos em sacos de plástico. Conhecemos estas cenas apenas por causa da coragem dos jornalistas. Todas as manhãs, verifico as suas contas nas redes sociais para ver quem sobreviveu à noite.”

 Al Jazeera apela ao TPI

Esse não foi o caso de dois outros jornalistas palestinianos, Hamza Dahdouh e Mustafa Thuraya, ambos da Al Jazeera, mortos num ataque aéreo israelita que explodiu o carro em que viajavam, ao norte de Rafah, em 6 de janeiro último. Hamza Dahdouh era filho de Wael Dahdouh, chefe da sucursal da Al Jazeera em Gaza, uma vítima dos dramas familiares a que se referiu Lama Al-Arian. Ele já tinha perdido quatro outros familiares, entre eles a sua esposa, dois filhos, de 15 e 7 anos, e um neto, de 1 ano e meio, num ataque aéreo israelita em 26 de outubro.

A Al Jazeera condenou o ataque que vitimou os seus dois jornalistas e ainda feriu gravemente um outro que integrava a equipa. Os últimos assassinatos – escreveu a rede em seu site – comprovam “a determinação das forças israelitas em continuar estes ataques brutais contra jornalistas e suas famílias, com o objetivo de desencorajá-los de cumprir a sua missão, violando os princípios da liberdade de imprensa”. A Al Jazeera apelou ao Tribunal Penal Internacional (TPI), aos governos, às organizações de direitos humanos e às Nações Unidas para responsabilizarem Israel pelos seus crimes hediondos e exigiu o fim da perseguição e morte de jornalistas.

Cárcere de jornalistas

Israel não se limita a matar os jornalistas. Também o encarcera. O censo prisional de 2023 do Comité para a Proteção dos Jornalista concluiu que Israel é um dos principais carcereiros de jornalistas do mundo. Em outubro, depois que a resistência palestiniana desafiou Israel penetrando no território ocupado através da muralha que o separa de Gaza, 17 jornalistas palestinianos, todos eles a viver na Cisjordânia, foram presos. É o maior número de detenções nos territórios palestinianos desde que o CPJ começou a monitorizar as detenções, em 1992.

Os jornalistas constituem um pequeno número dos milhares de palestinianos que foram detidos em operações massivas desde 7 de Outubro. “Eles estão a prender antigos prisioneiros, líderes políticos, ativistas, estudantes universitários e jornalistas”, disse Tala Nasir, advogada do grupo de apoio aos prisioneiros palestinianos Addameer.

Gaza, onde Israel mantém um bloqueio militar estrito desde 2007, é de longe o local mais perigoso para se ser jornalista, afirma o CPJ. “É uma forma de silenciá-los, violando o seu direito à expressão, à participação política e ao trabalho jornalístico”, disse “Eles não querem que os palestinianos, os jornalistas, mostrem ao mundo todos estes crimes.” Segundo Nasir, as famílias de todos os detidos – e não apenas os jornalistas – recebem atualmente pouca informação, e alguns só ficam a saber que os seus familiares foram presos dias depois do facto.

Detenção administrativa (1)

Um dos 17 jornalistas presos é Alaa al-Rimawi. Ele cobria os acontecimentos em Gaza e na Cisjordânia para a agência de notícias que dirige com sede na Cisjordânia, a J-Media, para o TikTok e Facebook até que, duas semanas após o início do bombardeamento de Gaza, Israel proibiu a sua agência de funcionar e prendeu al-Rimawi e dois funcionários. Soldados israelitas invadiram a sua casa, em Ramallah e prenderam o seu filho para pressioná-lo a se entregar. “Como sabem, a ocupação, em tempo de guerra em Gaza, quer agora que a voz jornalística e mediática esteja ausente”, disse al-Rimawi aos seus mais de 229.000 seguidores do TikTok antes de se apresentar na prisão. “Peço desculpas, peço desculpas porque posso não estar com vocês nesta cobertura e transmitir a sua dor, as suas feridas e a sua vitória, com a ajuda de Deus.”

Al-Rimawi não foi acusado, mas está, conforme expressão utilizada por Israel, em detenção administrativa, como a maioria dos presos palestinianos, Ao contrário dos civis israelitas, que são julgados no sistema judicial civil do país, os palestinianos da Cisjordânia estão sujeitos a tribunais militares. Na detenção administrativa, um comandante militar pode deter um indivíduo sem acusação formal e retê-lo por um período de seis meses, prorrogável por um número ilimitado de vezes.

“Glorificar mártires”

Outro jornalista preso foi Tarek el-Sharif, apresentador de um popular programa de TV na Cisjordânia. Depois de 7 de outubro, ele passou a fornecer atualizações diárias aos seus telespectadores sobre as ações militares de Israel, discutindo os ataques aéreos em Gaza e o número de mortos. A segurança de Israel não teve dúvidas em acusá-lo de “glorificar mártires” e terroristas.

Um representante da Addameer que o visitou na prisão de Ofer, nos arredores de Ramallah, descreveu as péssimas condições em que se encontra. Ele e os seus companheiros de cela só têm permissão para ficarem 15 minutos no pátio em dias alternados. Um frasco de xampu é tudo que os presos recebem para se lavarem e às suas roupas.

(1) Informações baseadas no artigo publicado em https://cpj.org/2024/01/palestinian-journalists-are-being-imprisoned-by-israel-in-record-numbers/