Segundo o digníssimo senhor, Portugal está a viver um momento espetacular. “Um país que cresce e investe no Estado Social, o único verdadeiro garante no combate às desigualdade sociais”, disse ele. “As exportações representam mais de 50% do PIB, a dívida pública ficará abaixo dos 100% em 2024, reforçamos os rendimentos e os direitos do trabalho”, assegurou orgulhoso. A verdade anda muito distante disso. Começando pelo fantástico crescimento das exportações, o que o senhor Brilhante Dias esqueceu de dizer é que isso se deu às custas do turismo, uma atividade económica assente nos baixos salários e na precariedade laboral. O turismo é também o grande responsável pelo aumento incomportável das rendas e das prestações dos imóveis, que estão a transformar trabalhadores em pessoas em situação de sem-abrigo.
Quanto à dívida pública abaixo dos 100%, a pergunta é uma só: o que ganham os trabalhadores com isso, além de cortes na saúde, no apoio social, no investimento público e nos salários?
Salários mais baixos
O líder parlamentar do PS quer fazer-nos acreditar que os salários aumentaram, mas a verdade é que o salário médio português manteve-se entre 57 a 59% do salário médio da União Europeia (UE) e, na sua proporção com o PIB, ainda está muito longe dos 60% do início do Euro, em 1999. Atualmente, segundo o próprio Eurico Brilhante Dias, os salários representam apenas 46,6% do PIB. E pior: segundo o Barómetro Europeu sobre Pobreza e Precariedade, o salário de metade dos portugueses não é suficiente para cobrir todas as suas despesas.
Além do disparar da inflação nos preços dos bens essenciais, há o item habitação. Entre 2012 e 2022, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística, o preço das casas subiu 120%, enquanto o rendimento médio das famílias cresceu apenas 27%.
Emprego e precariedade
Outro dado que o senhor Brilhante aponta como um mérito da governação PS dos últimos oito anos refere-se à redução do desemprego de 13% para 6,5% e da taxa de precariedade. Há dois problemas aí: o primeiro, já citado, são os baixos salários. Apesar de ter emprego, o trabalhador não consegue sobreviver nem garantir uma casa para morar. Em segundo lugar, a precariedade continua altíssima: o Gabinete de Estatísticas da União Europeia (Eurostat) coloca Portugal no segundo lugar entre os países com maior taxa de precariedade da União Europeia.
Pobreza
O resultado é – ao contrário do que afirma Brilhante Dias – o aumento da pobreza no país. O cálculo do Instituto Nacional de Estatística revela que, no ano passado, 17% das pessoas em Portugal corriam risco de pobreza e havia 2,1 milhões de pessoas em situação de pobreza ou de exclusão social. Só na Área Metropolitana de Lisboa a pobreza aumentou 4,3%. Por outro lado, cresceu também a desigualdade de rendimentos. Jovens, trabalhadores, reformas e pensionistas mais pobres, em contraste com os cada vez maiores lucros dos grandes empresários.
Crise do regime
É com esse pano de fundo, ao qual devemos acrescentar o contínuo desinvestimento na saúde pública – o Orçamento do Estado de 2024 corta mais de metade do orçamento do SNS em benefício do setor privado – e o desprezo para com os direitos dos funcionários públicos, cujo exemplo mais categórico é a recusa em recuperar o tempo de serviço roubado dos professores, que devemos entender a atual crise do regime. Uma crise que Brilhante Dias alegremente ignorou. Apesar de o governo PS ter caído em meio a suspeitas de favorecimento e corrupção e – isso ele ainda não sabia quando discursou – o próprio presidente da República ter-se metido num imbróglio, no caso das gémeas brasileiras, ainda sem conclusão.
Uma crise que, entre outras causas, tem origem na dependência cada vez maior do Estado frente ao setor privado. Citando o economista Vicente Ferreira,“Portugal é hoje o 2.º país europeu com menor peso das empresas públicas na economia. O Estado, que sempre desempenhou um papel central no processo de inovação, perdeu boa parte das competências e estruturas necessárias para o planeamento económico. Com níveis historicamente baixos de investimento público e pouca vontade política para o recapacitar, os governos ficaram mais dependentes dos investimentos privados e mais permeáveis aos interesses de quem os promove. Depois de seguirmos à risca as recomendações do consenso liberal, aquilo com que ficámos foi um Estado demasiado vulnerável a interesses privados”.
É por tudo isso que a classe trabalhadora e a população mais pobre já não aguentam a propaganda do PS, que divulga uma realidade paralela que não corresponde à vida da maioria do país.

