Será que colocar um sinal de igual em todos os partidos, equivalente à esquerda, à direita e à extrema-direita, é acertado? Será que num momento político em que vemos a extrema-direita a crescer exponencialmente, com a possibilidade de passar a ter à volta de 40 deputados no parlamento, é sério dizer que a esquerda é tão “negacionista” quanto a direita e a extrema-direita? Será que o discurso da esquerda, que é insuficiente, é igual ao do ex-líder da Iniciativa Liberal, João Cotrim Figueiredo, que disse que o termo “emergência climática” é errado porque “faz parte de uma agenda”?
Acho que este momento é muito importante para reflectirmos e pensarmos para onde queremos seguir. Que tipo de acção teremos e com quem queremos dialogar. Dialogar não é fácil, isso é certo. E também não é fácil apercebermo-nos que nem sempre os partidos de esquerda têm uma atitude de diálogo com os movimentos sociais. Sei perfeitamente o que é remar contra a maré e toda a gente que se movimenta nos movimentos o sabe. A questão é: sabemos olhar para o panorama e pensar mais além do que acções isoladas? Ou continuaremos a fazer apenas acção a acção, e a ignorar um panorama mais geral, de que podemos estar a dias de um governo de direita em coligação com a extrema-direita? Será que é igual o resultado eleitoral? Será que é igual a ilegalização do aborto ou o fim do financiamento para programas de combate à violência doméstica, bem como a organizações LGBTQIA+? Parece-me que não.
Assim sendo, acho que é importante pensarmos: para onde queremos que o “movimento por justiça climática” vá? Será que nós, que lutamos por justiça climática, queremos isolar-nos do diálogo com as pessoas? De que forma vamos dialogar com quem mora nas periferias das cidades, com quem é agricultor, com quem trabalha na Autoeuropa, no Aeroporto de Lisboa, e em sectores poluentes? É preciso ouvir as pessoas e dar espaço para se construir um programa que faça sentido para esses sectores e para essas regiões em específico. É preciso ir muito além da Campanha Empregos para o Clima. É preciso democracia energética. É preciso democracia territorial. É preciso lutar contra a mineração, não só contra os combustíveis fósseis. É preciso ouvir o interior do país.
Para mim é claro que, infelizmente, o caminho que tem sido seguido é o do isolamento político e de utilização de ferramentas de um certo populismo de esquerda: “Há pessoas a morrer! Nós queremos travar isso!”, “Queremos travar esta guerra!”. Frases como estas, são bastante populistas. É certo que partem duma urgência, mas com quem é que estas frases têm o intuito de dialogar? Ou será que estas frases dialogam de todo?
Este tipo de discurso, em meu entender, tende a ter o efeito de lançar o caos e fazer com que as pessoas sintam a obrigação de se juntarem à luta. Mas será essa a melhor maneira? Será que o populismo de esquerda é melhor porque é de esquerda? Será que ter um André Ventura de esquerda é progressivo porque “é dos nossos”? Não tenho dúvidas que não.
Acho que nós, enquanto activistas, organizações de esquerda e movimento social no geral, precisamos de pensar que luta queremos travar nos próximos meses e anos. Se queremos um caminho que nos leve a ir mais além e a combater (efectivamente) a extrema-direita, não podemos achar que não existem pessoas aliadas. Porque por mais que pareça que nunca existem, existem, mas é normal que uma pessoa aliada não tenha o mesmo programa que nós. Significa que são pessoas com quem temos acordos pontuais e com quem podemos trabalhar, mesmo que pontualmente, tal como para convocar uma manifestação ou uma acção. Por exemplo, na luta anti-mineração, não existe nenhum partido da esquerda parlamentar que diga categoricamente que é contra qualquer tipo de mineração, mas isso não significa que não seja possível trabalharmos em conjunto nesta luta, apesar de até ao momento não haver praticamente solidariedade de organizações de esquerda com esta causa. Por último, sabemos bem, que se não formos a fundo na luta por justiça climática, e se não colocarmos em causa o sistema capitalista, nunca estaremos a ir ao fundo da questão, e aí que é importante que é importante que as organizações de esquerda dêem mais foco.
Agora, uma coisa é certa, e faço o mea culpa aqui, se toda a gente continuar de costas voltadas, e a achar que todos os grupos são inimigos, não tenho dúvidas que a luta por justiça climática vai falhar, e não conseguiremos construir aquilo que tanto queremos: um outro tipo de sociedade, que tenha a vida no centro e tudo o que está intrínseco a ela – a água, as montanhas e o bem-estar de toda a gente.

