As últimas semanas têm sido das mais mortíferas em Gaza desde o início do genocídio israelita a seguir ao 7 de outubro, segundo a UNRWA (United Nations Relief and Works Agency), a agência das Nações Unidas para os refugiados palestinianos. Israel atacou cinco escolas em apenas oito dias e matou 90 pessoas e feriu outras centenas na chamada “zona humanitária” de al-Mawasi, na costa sul, no dia 13 de julho. As vítimas são, em sua maioria, mulheres e crianças. No dia 22, outras 70 foram mortas em Khan Younis, também a sul, minutos depois de os militares israelitas terem ordenado uma evacuação que afeta mais de 400 mil pessoas. Pelo menos 39.006 pessoas foram mortas e 89.818 ficaram feridas em Gaza desde o dia 7 de outubro.
Na Cisjordânia, de acordo com a Peace Now, Israel confiscou 23,7 quilómetros quadrados de terras palestinianas este ano, mais do que a soma dos últimos 20 anos. Cerca de 700 mil colonos vivem em cerca de 300 colonatos e postos avançados espalhados pela Cisjordânia e Jerusalém Oriental. Os ataques a cidades, vilas e campos de refugiados recrudesceram e tiveram como consequência a morte de 550 pessoas.
Vitória no TIJ
Os últimos massacres em Gaza estão a acontecer no mesmo período em que os palestinianos e a sua resistência obtiveram uma importante vitória, com a decisão, por parte do Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), de que Israel deve pôr fim à sua presença ilegal no território palestiniano ocupado o mais rapidamente possível. O parecer consultivo de 19 de julho estabelece ainda que todos os muros dos colonatos israelitas têm de ser desmantelados, que os colonos lá estabelecidos devem regressar às suas casas e que Israel têm de reparar os habitantes originais pelos danos causados.
É claro que este parecer não obrigará Israel a obedecer aos seus ditames, nem aos seus aliados, como os Estados Unidos e a Inglaterra, a levarem-no em consideração, mas representa mais uma machadada na já degradada imagem de Israel perante o mundo. Quase 60 países, durante o decorrer do processo no TIJ, opinaram que a ocupação da Palestina por Israel é caracterizada por políticas e práticas ilegais; viola o direito do povo palestiniano à autodeterminação; que Israel pratica o apartheid, ou seja, ou a discriminação racial sistemática; e que “a ocupação em si é ilegal no seu todo” e deve terminar imediatamente.
O principal problema do parecer do TIJ é que este limita o seu âmbito à ocupação israelita da Palestina a partir de 1967, e não de 1948, quando a própria ONU aprovou a divisão da Palestina e a criação do estado de Israel, causando a Nakba (“catástrofe” em árabe) – a expulsão de mais de 700 mil palestinianos de suas terras.
O amigo americano
Os recentes ataques na Faixa de Gaza aconteceram quando as negociações para um cessar-fogo, em curso em Doha e no Cairo, pareciam, segundo observadores, estarem a avançar. Aumentar a carnificina é uma tradicional prática dos governos israelitas para pressionar os adversários a rebaixarem as suas exigências e a aceitarem as de Israel. Mas é mais do que isso. Benjamin Netanyahu está a tentar – e a conseguir – inviabilizar um cessar-fogo que poderia ditar o fim do seu governo. Para o primeiro-ministro israelita, a guerra não deve acabar.
Para isso, conta com o apoio incondicional do governo Biden, apesar dos seus hipócritas apelos ao cessar-fogo. O “Genocide Joe”, como está sendo chamado, foi responsável pelo envio de milhares de milhões de dólares em carregamentos de armas para Israel desde outubro, além dos 3,3 mil milhões de dólares de ajuda anual. A sua substituição por Kamala Harris não alterará nada, como sabemos, menos ainda se o vitorioso nas próximas eleições for o republicano Donald Trump.
Crise em Israel
Mas o deliberado prolongar da guerra está a ter um custo político e económico avassalador em Israel e poderá frustrar os planos do governo genocida de Tel Aviv. Protestos há meses e cada vez mais radicalizados tomam conta das principais cidades do país para exigir o retorno dos reféns, a demissão do governo de extrema-direita e o cessar-fogo.
As contradições internas do governo israelita estão cada vez mais à vista, chegando ao ponto de o porta-voz das FDI, as Forças Armadas Israelitas, ter contradito Netanyahu ao dizer que o Hamas não poderia ser destruído. “Este negócio de destruir o Hamas, de fazer desaparecer o Hamas – é simplesmente atirar areia para os olhos do público”, disse Daniel Hagari a uma estação de televisão israelita. “O Hamas é uma ideia. O Hamas é um partido. Está enraizado no coração das pessoas. Quem pensa que podemos eliminar o Hamas está enganado.”
Na sua ânsia de manter e prolongar o genocídio, Netanyahu está, na verdade, a destruir o futuro de Israel. Esta é a conclusão de Shir Hever, membro do conselho da Jewish Voice for a Just Peace in the Middle East: “À medida que se arrastam as negociações aparentemente intermináveis para acabar com a guerra genocida – enfrentando obstáculo após obstáculo colocado por Israel e pelos seus patrocinadores americanos – a resistência continua a corroer o poder militar de Israel. À medida que a guerra genocida de Israel contra Gaza continua inabalável, a economia israelita enfrenta uma catástrofe.” O mesmo artigo do Mondoweiss conta que 46 mil empresas israelitas faliram, o turismo parou, a classificação de crédito de Israel foi reduzida, os títulos israelitas são vendidos a preços quase de “junk bonds” e os investimentos estrangeiros que já caíram 60% no primeiro trimestre de 2023 não mostram perspetivas de recuperação. “A guerra” – conclui o artigo – “arruinou a vida de 2,3 milhões de pessoas na Faixa de Gaza e de milhares de pessoas na Cisjordânia ocupada. No entanto, não restam dúvidas de que os sobreviventes palestinianos do genocídio, embora traumatizados, empobrecidos e de luto pela perda de familiares e amigos, acabarão por reconstruir e recuperar, por mais tempo que isso demore. A destruição física infligida pela guerra em Israel é mínima em comparação, mas uma coisa foi destruída: o futuro do país.”
Resistência e solidariedade
A crise em Israel é provocada pela coragem do povo palestiniano e da sua resistência armada, o Hamas, a Jihad Islâmica e vários outros grupos, em Gaza e na Cisjordânia, em enfrentar a violência do fascismo sionista. Armado pelo mais forte imperialismo do mundo, os EUA, o exército de Israel não consegue dobrar a vontade de um povo em conquistar a sua liberdade, apesar da imensa desigualdade de meios militares e da covardia sionista direcionada para matar civis desarmados, especialmente crianças, jovens e mulheres.
Vídeos circularam pela Internet, apesar da censura de Israel, a mostrar que os palestinianos utilizam todos os meios ao seu dispor para enfrentarem os inimigos sionistas. Recentemente, vimos a chuva de pedras e garrafas contras os tanques que circulavam em cidades da Cisjordânia.
A crise também é provocada pela avalanche de solidariedade com os palestinianos que toma conta do mundo. A passagem do criminoso Netanyahu em Washington está a provocar protestos, entre os quais os protagonizados por judeus, que pedem o fim do financiamento militar do genocídio por parte dos EUA.
É a resistência palestiniana combinada com a imensa onda de solidariedade mundial que poderá determinar o fim do genocídio em Gaza e da ocupação da Cisjordânia, com a derrota do Estado de Israel e a conquista de uma Palestina laica, livre, democrática e não racista do rio ao mar.

