A Revolução Russa de outubro de 1917, o acontecimento histórico que mais marcou o mundo contemporâneo, vai completar 100 anos. Num século de guerras, crise e revoluções, pela primeira vez na história os trabalhadores tomaram o poder. Foi a primeira revolução socialista vitoriosa, cujo impacto dura até aos nossos dias.
No início do século XX, a Rússia era o maior e mais populoso país da Europa, com 150 milhões de habitantes, mais de 3 milhões em Moscovo e Petrogrado. No entanto, era um país atrasado (80% da população vivia no campo e 90% era analfabeta) e um Estado absolutista autocrático, governado pela monarquia dos czares. (…)
A Rússia e a guerra
Em 1914, a Rússia entrou na Guerra Mundial I ao lado de Inglaterra e França. No entanto, o sofrimento do povo russo foi superior ao dos outros países. O exército (mais de 10 milhões de soldados), mal armado e equipado, sofreu grandes derrotas e já contava 1 milhão e 700 mil mortos e 6 milhões de feridos. A população em geral sofria os efeitos da crise de abastecimento e da fome, especialmente os camponeses, que eram a maioria do exército.
A Revolução de fevereiro
Em fevereiro de 1917, durante as manifestações pelo Dia Internacional da Mulher Trabalhadora, milhares saíram às ruas e invadiram o Palácio Tauride, onde se reunia a Duma (o Parlamento), exigindo a renúncia do czar. Nicolau II foi forçado a abdicar. (…)
O Governo Provisório e Kerensky
Os Sovietes reorganizaram-se durante as manifestações contra o regime e poderiam ter tomado o poder, mas os partidos oportunistas, mencheviques e socialistas-revolucionários, que eram maioria, resolveram entregar o poder a um Governo Provisório burguês encabeçado pelo príncipe Lvov. Nele participava Kerensky, um ex-Trabalhista. Entre fevereiro e outubro sucederam-se diferentes gabinetes, que contaram com ministros burgueses e mencheviques e socialistas-revolucionários.
Os Bolcheviques, então liderados por Estaline e Kamenev, apoiaram inicialmente o Governo Provisório. Quando Lenine chega a Petrogrado, vindo do exílio, apresenta as Teses de Abril, que defendem a necessidade de uma mudança total nesta política. As teses de Lenine são aprovadas pelo Partido Bolchevique, que passa a fazer oposição ao Governo Provisório e a defender que os Sovietes de trabalhadores e soldados tomem o poder.
Os Sovietes e o duplo poder
Os Sovietes estavam na memória recente da classe operária pela Revolução de 1905. A partir de fevereiro, reorganiza-se o Soviete de Deputados Operários e Soldados de Petrogrado. Os trabalhadores votavam nos seus representantes por fábrica ou por distrito, elegendo um delegado a cada mil operários. Os soldados da capital também participavam com um representante por cada companhia.
A partir de Petrogrado, a organização soviética estende-se a todo o país. Os Sovietes representaram um poder paralelo/dual ao Governo Provisório, que, na verdade, dependia do apoio dos Sovietes dominados pelos mencheviques e socialistas-revolucionários. Em junho de 1917, reuniu-se o I Congresso Panrusso dos Sovietes, ainda com maioria desses partidos oportunistas.
Pão, Paz e Terra
O Governo Provisório não conseguia resolver os principais problemas das massas. O primeiro era a necessidade de acabar com a guerra, que trazia enormes sofrimentos a operários e camponeses. O Governo Provisório cedia às pressões de Inglaterra e França para que a Rússia mantivesse os seus compromissos militares e continuasse em guerra, mas o povo exigia a paz. Isso levava ao grave problema de manter e alimentar um exército de 10 milhões de soldados. O abastecimento das cidades era prejudicado e a fome rondava permanentemente os seus habitantes.
Por outro lado, o Governo Provisório conciliava com os latifundiários e atrasava a distribuição de terras exigida pelos camponeses. Por isso, o Partido Bolchevique levantava como principal reivindicação a de Pão, Paz e Terra, além da autodeterminação para as dezenas de nacionalidades oprimidas pelo antigo regime czarista.
O golpe de Kornilov
(…) Em agosto, o general Kornilov, Comandante Chefe do Exército, tenta um golpe militar contrarrevolucionário, enviando tropas da frente de guerra a Petrogrado para derrubar o governo de Kerensky, que pede apoio.
Os Bolcheviques chamaram à luta contra Kornilov e colocaram-se na vanguarda da organização militar para o derrotar. Foi formada a Guarda Vermelha com os operários de Petrogrado. Delegados dos Sovietes e dos soldados da capital conseguiram convencer as tropas sobre o caráter do golpe e a abandonarem a marcha sobre a capital. Kornilov foi derrotado e preso sem que se disparasse um tiro.
A Revolução de Outubro
Milhões de jovens que lutam todos os dias contra as mazelas do capitalismo imperialista não conhecem as lições de outubro. Por isso, durante todo o ano de 2017, realizaremos uma campanha de divulgação dos acontecimentos e principais lições que nos deixou a Revolução Russa de 1917, para nos ajudar a encarar os desafios nos dias de hoje.
A resistência de massas ao golpe de Kornilov inclinou a balança para a esquerda. As massas voltaram a confiar nos Bolcheviques, que ganharam a maioria nas eleições para o Soviete de Petrogrado em setembro. Trotsky, libertado da prisão, foi eleito presidente do Soviete.
O Governo Provisório estava cada vez mais débil, mas ainda tentou algumas manobras. Em meados de setembro realizou a chamada “Conferência Democrática”. Critérios de representação distorcidos davam maioria aos partidos burgueses e oportunistas. Os Bolcheviques participaram para denunciá-la. No final, a Conferência declarou-se “pré-Parlamento”, um órgão legislativo que tinha o objetivo de esvaziar o Soviete, subordinando-o a esta instituição.
Polémica entre os Bolcheviques
Entre os Bolcheviques abriu-se uma polémica que refletia uma diferença estratégica. Lenine e Trotsky defendiam que o Partido Bolchevique boicotasse o pré-Parlamento e preparasse a insurreição para tomar o poder. Mas a maioria do Comité Central rejeitou o boicote, refletindo uma hesitação sobre a tomada do poder.
A partir da Finlândia, onde estava exilado, Lenine abriu uma luta interna e finalmente conseguiu que a maioria do CC aprovasse o boicote. Na abertura dos trabalhos do pré-Parlamento, Trotsky leu uma declaração de ruptura e os deputados Bolcheviques abandonaram a sala.
No início de outubro, Lenine voltou a insistir que os Bolcheviques desencadeassem a insurreição sem demora, com receio de que o momento mais favorável se perdesse. No entanto, no CC, Zinoviev e Kamenev opuseram-se. Quando o CC finalmente aprovou a insurreição, os dois dirigentes expuseram sua posição contrária na imprensa dos Sovietes, rompendo a disciplina do partido.
A tomada do poder pelos sovietes
O 2° Congresso Panrusso dos Soviets estava convocado para o dia 25 de outubro. O Governo Provisório, temendo a insurreição bolchevique, tentou enviar as tropas de Petrogrado para a frente de batalha, o que deixaria a capital desguarnecida diante das tropas alemãs.
O Soviete de Petrogrado formou então o Comité Militar Revolucionário (CMR), presidido pelo próprio Trotsky, que passou a controlar todas as ordens militares do Governo Provisório. De facto, o poder já estava na mão dos Sovietes e dos Bolcheviques que os dirigiam.
No dia 25, sob o argumento de defender a capital dos alemães e de garantir a segurança do 2° Congresso dos Soviets, as tropas do CMR ocuparam os pontos estratégicos da cidade. Na noite desse mesmo dia, as tropas revolucionárias dirigidas pelo bolchevique Antonov-Ovseenko tomaram o Palácio de Inverno e prenderam os últimos ministros do Governo Provisório. Kerensky já tinha fugido.
No 2° Congresso dos Sovietes, os delegados apoiaram por aclamação a destituição do Governo Provisório e a passagem do poder para os Sovietes. Os mencheviques e socialistas-revolucionários de direita abandonaram o Congresso. Os Bolcheviques chegaram a um acordo para compor um governo soviético com os socialistas-revolucionários de esquerda.
Lenin assumiu o Governo com um discurso que termina sob aplausos com as célebres palavras: “Passemos agora à edificação da ordem socialista”. O 2° Congresso ratificou então os primeiros decretos do governo soviético sobre a paz e a distribuição de terras aos camponeses. A Revolução de Outubro havia triunfado.
Outubro mostrou o caminho
Muita coisa mudou nestes quase 100 anos: a derrota da Revolução na Europa entre 1919 e 1923, o isolamento e o atraso da Rússia provocaram a degeneração da Revolução. Uma burocracia de funcionários privilegiados liderados por Estaline assumiu o poder e transformou o Estado soviético num regime de terror. (…) Na década de 1980, sob a direção de Gorbachev, a burocracia restaurou o capitalismo e vários dos seus funcionários transformaram-se em milionários de uma nova burguesia.
Mas nem o destino trágico da primeira revolução socialista, nem todas as mentiras da burguesia conseguiram apagar o seu exemplo. A Revolução de Outubro mostrou que os trabalhadores podem tomar o poder, derrotar a burguesia, assumir a condução da economia e construir um Estado democrático para a maioria.
Bernardo Cerdeira, PSTU-Brasil
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