A responsabilidade da crise económica e da crise na saúde pública causadas pela pandemia do coronavírus tem nome: os grandes capitalistas mundiais, o imperialismo.
São eles os responsáveis pelos desequilíbrios na Natureza, porque priorizaram os grandes lucros das suas empresas à custa de poluírem o mundo e degradarem o planeta. E são eles os que não investiram na saúde pública para garantir a vida humana, porque priorizaram os investimentos em áreas mais lucrativas, realizando privatizações que beneficiaram a comercialização da saúde e os centros de saúde privados.
A situação de congestionamento da saúde pública e a sua má qualidade já vinham a ser denunciadas. Porta-vozes da OMS (Organização Mundial da Saúde) afirmaram que já desde maio de 2018 anunciavam os perigos de uma infeção viral destas proporções e colocavam a necessidade de investimentos em investigação e no fortalecimento do sistema público de saúde, mas foram completamente ignorados pelos governos dos países imperialistas. Agora há uma situação de colapso e de congestionamento.
Portanto, a causa da crise não são os “fatores naturais”, mas o resultado das políticas capitalistas aplicadas, que reduziram estes serviços.
Como chegamos a esta situação de catástrofe política, o que estes mesmos governantes propõem para combater a pandemia e a crise que causaram é punir ainda mais os trabalhadores através do desemprego, do aumento da fome e da miséria do povo e da superexploração da classe operária.
Para garantir a implementação destas medidas, aumentam a repressão e o autoritarismo do Estado com a diminuição de direitos democráticos conquistados a duras penas pela classe trabalhadora.
A crise económica capitalista mundial já estava a fazer com que muitos governos aumentassem a repressão, na medida em que necessitam de mais “diques” para conterem e repelirem a intensificação das lutas da classe operária. Com a crise do coronavírus, avançam no desenvolvimento de mecanismos preventivos para novas revoltas.
Ditaduras escondem notícias e reprimem opositores
Ao tomar medidas drásticas e draconianas, com um alto custo social e em vidas, a China, aparentemente, desacelerou o coronavírus. Este resultado fez com que muitos governos começassem a fazer propaganda e apologia da necessidade de regimes mais autoritários para controlar as situações de crise.
O que se esconde é que, na China, o Governo não divulgou as notícias do vírus durante semanas, permitindo que este se espalhasse pelo país, ao mesmo tempo que punia os médicos e jornalistas que tinham dado o alarme. Depois censuraram as informações, o que não é uma novidade, porque em 2003 levaram 4 meses para alertarem sobre a SARS. A morte do médico Li Wenliang, apontado como um dos primeiros a identificar a existência da pandemia, foi emblemática desta censura, a tal ponto que provocou uma onda de revolta na população e obrigou a ditadura a anunciar a abertura de uma investigação. Obviamente, não vai dar em nada.
Aproveitaram o combate ao vírus para aumentarem as medidas de restrição às liberdades, bloquearam combinações de palavras-chave na Internet que incluíam críticas ao presidente Xi Jinping e às políticas relacionadas com o vírus; obrigaram as plataformas de Internet a fornecerem os dados de quem criticava o Governo para facilitar a repressão aos dissidentes; aumentaram o controle à movimentação das pessoas, com a instalação de aplicações nos telemóveis e o monitorização com tecnologia de reconhecimento facial.
O governo do Irão aumentou a repressão contra os opositores, inclusive com execuções de presos políticos e supostos criminosos juvenis. Isso somado a castigos físicos como açoitamentos, amputações e morte por apedrejamento. A ditadura tem-se aproveitado da necessidade de aumento do controle social para realizar um número recorde de execuções: 97 pessoas num mês. Além disso, jornalistas, bloguers, ativistas dos direitos humanos e advogados foram presos, torturados e submetidos a julgamentos injustos.
Ditaduras como a da China, Irão, Venezuela e Nicarágua aproveitam-se do combate à pandemia para aumentarem a repressão contra todos os seus opositores.
Liberdade para os patrões, ditadura para os trabalhadores
Mesmo os governos dos Estados que tentam apresentar-se como democráticos e que dizem decretar medidas de combate à pandemia aumentam a repressão à classe trabalhadora e atacam as conquistas democráticas da nossa classe. Não podemos enganar-nos.
Com o decretar do isolamento obrigatório, o direito de ir e vir da classe trabalhadora é afetado. São os governos que causaram a crise que decidem, de maneira autoritária, despótica e arbitrária, quem pode ou não locomover-se e em que condições. E justificam a repressão contra os setores mais vulneráveis utilizando o falso discurso da irresponsabilidade individual. Como podem falar em irresponsabilidade quando, à frente de alguns países, a burguesia mantém governos como os de Bolsonaro e de Trump, para quem a vida humana não vale nada?!
Para encobrirem a sua própria incompetência no combate à pandemia, decretam que os operários podem ser contaminados, obrigando-os a ir trabalhar nas fábricas, mesmo as que não são essenciais, enquanto os burgueses ficam protegidos nas suas casas. Proíbem os trabalhadores do setor dos transportes de realizarem paralisações e de se mobilizarem para combaterem a epidemia; impõem restrições draconianas à liberdade de circulação daqueles que não consideram essenciais com estrito controle por parte dos aparatos de repressão, muitas vezes em moradias sem saneamento básico e sem água.
Aprendizes de ditadores aproveitam a ocasião
Um exemplo de governo burguês autoritário que aproveitou a oportunidade da pandemia para ampliar os seus poderes foi o de Viktor Orban, na Hungria, que no dia 30 de março conseguiu votar no Parlamento (onde tem maioria com seu partido nacionalista Fidesz) o direito de governar por decreto, por tempo indeterminado.
Aprovando a “Lei de Combate ao Coronavírus”, que prorroga o estado de emergência no país, Orbán pode suspender sessões parlamentares e eleições e estabelecer prisão de oito anos para quem desrespeitar as regras de quarentena, e de cinco anos para quem divulgar informação considerada incorreta pelo Governo. Orban ficou conhecido, em 2015, por apresentar uma política mais dura que o conjunto da União Europeia contra os refugiados da guerra civil Síria, a quem chama “invasores muçulmanos”. Atualmente, culpa estudantes iranianos pela disseminação do patógeno na Hungria.
Na Eslováquia, o governo planeia aprovar uma lei que permite às instituições estatais aceder aos dados de operadoras de telecomunicações para rastrear os telemóveis, alegando que assim garantiria que as pessoas permanecessem isoladas enquanto durasse a quarentena.
Na Bulgária, discute-se uma lei sobre medidas de emergência que introduziria penas de prisão por disseminação de informações falsas sobre doenças infecciosas. O problema é que quem vai decidir se a notícia é verdadeira ou não é o próprio Governo.
No Brasil, Bolsonaro, apreciador de Orban, tenta criar um clima de autogolpe, na medida em que aumenta o seu isolamento político. A todo o instante faz ameaças explícitas de ruptura com o regime democrático no seu conflito com os governadores e projeta uma situação de “caos”, afirmando que “o que aconteceu no Chile vai ser fichinha perto do que pode acontecer no Brasil” e que o país poderá “sair da normalidade democrática que vocês tanto defendem”, frente à possibilidade de ocorrerem saques nos bairros mais pobres.
Os reformistas cúmplices e lacaios dos seus governos e do imperialismo
No México, Lopes Obrador não ficou a dever nada a Bolsonaro chamando os mexicanos a abraçarem-se, minimizando os efeitos da pandemia. Na Argentina, fecharam o Congresso e deixaram os poderes na mão de Fernandez. Em El Salvador, Nayib Bukele tentou apresentar algumas propostas que visam apenas adiar o pior da crise, mas para passar por progressista e justificar a sua ação de fevereiro, quando utilizou as forças armadas salvadorenhas para ocupar a Assembleia Legislativa para aprovar os seus planos económicos e políticos, como o plano de policiamento “antigangue”, que fortalece as quadrilhas, criminaliza os jovens pobres salvadorenhos.
Na Argentina, o Governo, que nas eleições se apresentou como progressista frente ao reacionário Macri, foi o primeiro a colocar a Polícia a reprimir e prender quem não cumprisse o isolamento nos bairros da periferia de Buenos Aires. Utiliza vários atos de abuso de autoridade, agressões e humilhações. Enquanto isso, o poder judiciário está de “férias judiciais”, de maneira que os trabalhadores e as trabalhadoras não podem denunciar as demissões arbitrárias, os feminicídios, os abusos das empresas e das próprias forças de repressão.
O mesmo ocorre no Paraguai, onde agentes do esquadrão chamado Grupo Lince persegue e agride jovens pobres na periferia de Assunção, e inclusivamente idosos, que são presos e maltratados pelos polícias.
O governo do PSOE-Unidas Podemos do Estado Espanhol decretou o “Estado de Alarme”, mas isso só depois de 5.500 mortos. Já foram identificados vários abusos aos direitos dos trabalhadores, como o impedimento de protestos sindicais pela paralisação de setores não essenciais e por medidas de segurança adequadas nos serviços essenciais. Muitos operários estão a ser obrigados a trabalhar em fábricas que não são essenciais e aqueles que foram mandados para casa terão que “recuperar” estas horas trabalhando de acordo como for melhor para os patrões, flexibilizando de maneira total as condições de trabalho. Isso tudo com o total acordo das centrais sindicais CCOO e UGT.
Em Portugal, o governo do Partido Socialista, contando com o apoio do Bloco de Esquerda e a cumplicidade do Partido Comunista Português e seus representantes sindicais, fez um dos ataques mais sérios à democracia burguesa com o decreto presidencial de “Declaração do Estado de Emergência”. O decreto limita o direito de greve, reuniões e manifestações, proibindo a aglomeração de mais de 5 pessoas; obriga os trabalhadores a aceitarem ser mudados de local de trabalho e verem o seu horário reduzido; suspende “o direito de deslocamento e de fixação dos cidadãos em qualquer parte do território nacional” assim como “o direito das associações sindicais (…) na medida em que o exercício de tal direito possa representar demora na entrada em vigor de medidas legislativas urgentes para os efeitos previstos neste decreto” e impede “qualquer ato de resistência ativa ou passiva exclusivamente dirigido às ordens legítimas emanadas pelas autoridades públicas competentes”, expandindo as atuações sujeitas a crime de desobediência. Cabe ressaltar que o direito a resistir é previsto na Constituição fruto da Revolução dos Cravos.
Seguindo os exemplos históricos, o reformismo mundial novamente se ajoelha aos patrões sobre o anúncio da bandeira da unidade nacional, por cima dos interesses e os direitos da classe. Com este objetivo trabalham juntos os reformistas parlamentares e os dirigentes sindicais burocráticos, que atuam diretamente associados com os governos que implementam estas medidas.
Para a burguesia não há direitos humanos para os trabalhadores
Lenine escreveu que a democracia burguesa era o melhor tipo de regime republicano, mas sempre ressaltando que é uma das formas da burguesia disfarçar sua ditadura de classe onde todos os seus aparatos de repressão, em tempos de crise, ou fora deles, tem como seu principal objetivo manter o controle social sobre o proletariado.
Através da luta da nossa classe, muitas vezes temos conquistas dentro deste regime que ajudam na nossa luta e organização, como a liberdade de expressão e o direito de reunião, e que os burgueses aproveitam todas as ocasiões para recortar ou suspender definitivamente. Por isso devemos denunciar estes ataques e defender estas conquistas.
O critério burguês de segurança pública é decretar a detenção para alguns não se locomoverem enquanto proíbe as greves e manifestações, punindo os trabalhadores que tentam mobilizar-se. De acordo com os próprios critérios da Amnistia Internacional, as quarentenas deveriam ser impostas de “maneira segura e respeitosa”.
Defesa da democracia para os trabalhadores e sua auto-organização
A pandemia deve aprofundar-se numa proporção que ainda não temos dimensão, e os governos pretendem enfrentá-la com ataques aos trabalhadores. Estes decretos, longe de garantirem o combate à pandemia, apenas limitam a capacidade de resposta organizada da classe trabalhadora.
Por isso, os trabalhadores devem estar na oposição a qualquer corte de qualquer direito democrático que estes governos queiram fazer e devem olhar com desconfiança todas as medidas por parte destes governos. Devemos mobilizar-nos contra o decretar de qualquer eventual Estado de sítio, de emergência ou de alarme ou qualquer medida similar.
Estados de emergência abrem o precedente para que se suspendam os direitos fundamentais e se reforce o autoritarismo. Como vamos confiar nestes governos que nos trouxeram a esta catástrofe, fruto de sua ganância por lucros e por ganharem cada vez mais dinheiro?
Não precisamos de regimes e de medidas autoritárias para dar resposta ao combate ao coronavírus, não necessitamos de ditaduras para combater as pandemias. Estados de Emergência não servem para garantir a quarentena, mas para garantir os lucros das empresas e dos patrões. Servem para limitar o nosso direito à resistência, estabelecer o abuso de poder das autoridades como uma constante em situações normais.
Devemos recusar quaisquer restrições à liberdade de organização dos trabalhadores e da nossa luta.
Necessitamos de democracia operária e de auto-organização da nossa classe, confiar nas nossas forças e nos nossos irmãos trabalhadores.
Somos nós, trabalhadores, que estamos nas ruas a limpar e a recolher o lixo, a lutar nos hospitais para salvar vidas, a trabalhar nas fábricas para garantir o fornecimento dos produtos essenciais e a garantir a circulação de pessoas e produtos. Somos nós, e não quem produziu esta catástrofe, que é capaz de dizer o que é necessário ou não para combater a pandemia, evitar o desabastecimento e a especulação dos preços dos produtos, identificar as medidas que devem ser adotadas na sua contenção e definir como deve ser o isolamento e o que pode circular.
Em bairros e favelas da periferia de São Paulo, os trabalhadores têm-se organizado para distribuir cestas básicas e remédios e para cuidar dos idosos mais necessitados.
Os patrões não estão preocupados com as vidas dos operários e dos mais pobres. Por isso temos de ser nós a organizar-nos nos nossos bairros, nas nossas comunidades, nas nossas fábricas e nos nossos locais de trabalho para organizar a verdadeira batalha contra o coronavírus. Apenas com a nossa organização através de organismos como conselhos populares ou comités de trabalhadores poderemos gerir a nossa sociedade de forma a conseguirmos um efetivo combate à pandemia e evitar a crise social que ameaça a vida de milhões de pessoas.
Asdrúbal Barboza
Revisão de texto para português europeu: Em Luta
Texto originalmente publicado aqui.