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SNS: filho da revolução, hoje mais necessário que nunca! 

Durante o Estado Novo existia um sistema social e de saúde desigual e discriminatório. O Serviço Nacional Saúde nasce em 1979, mas as bases da sua fundação são produto da revolução que se iniciou a 25 de abril de 1974. Hoje, perante a pandemia do coronavírus, vemos mais que nunca a importância desta conquista da revolução, tão maltratada por sucessivos governos “democráticos”.

O SNS nasceu da revolução

A revolução é um momento excecional em que as pessoas tomam os destinos nas suas mãos. Essa foi a realidade em várias áreas da sociedade portuguesa: nas fábricas, nas escolas e universidades, nos campos. Foi assim também na saúde. Como refere a historiadora Raquel Varela, no seu livro a História do SNS, “fruto da revolução de 1974, os cuidados de saúde organizaram-se de acordo com a dinâmica desse momento, onde as formas democráticas de participação, sobretudo dos trabalhadores da saúde pública, definiriam essa organização.” (pg. 127).

É durante este período que são nacionalizados os hospitais das misericórdias (através de decretos-lei que legalizam as iniciativas e ocupações que se iam dando no concreto), que permitiram ao Estado dispor de uma rede de equipamentos para administrar a saúde a nível nacional. Por outro lado, a criação da Segurança Social, a que passa a ter acesso toda a população (financiada através de descontos, agora possíveis pelos importantes aumentos de salários alcançados pela revolução), abrangendo não apenas as reformas/pensões, mas também doença, desemprego, invalidez, apoio na pobreza, entre outras situações.

A criação do SNS é, assim, produto da força da revolução, que impôs a universalidade dos cuidados de saúde. Como refere a Constituição aprovada em abril de 1976 (artigo 64º): “ 1. Todos têm direito à proteção da saúde e o dever de a defender e promover;   2. O direito à proteção da saúde é realizado pela criação de um serviço nacional de saúde universal, geral e gratuito (…)”.

O processo de desmontagem do SNS como serviço universal

A criação do SNS permitiu um salto de qualidade no acesso da população aos cuidados de saúde (colocar gráfico número dos profissionais de saúde), tendo impacto direto nos indicadores de saúde no país, de que a queda da taxa de mortalidade infantil é apenas dos mais expressivos (colocar gráfico).

No entanto, o final dos anos 80 e, centralmente, a partir dos anos 90, a dinâmica foi de desmontagem do conceito de saúde adquirido na revolução. Na alteração constitucional de 1989, foi eliminado o princípio de gratuitidade do SNS. Em 1990, durante o Governo de Cavaco Silva, foi aprovada uma Lei de Bases da Saúde que veio alterar a filosofia do sistema, diferenciando quem financia (Estado) de quem presta os cuidados de saúde, ao inserir os privados como parte dos prestadores de saúde, em concorrência direta com o SNS.

É este processo que veio possibilitar a criação das parcerias público privadas em vários hospitais e permitir, acima de tudo, uma fuga de fundos do Estado para financiar diretamente a saúde privada. Se a revolução moldou a característica de gestão democrática do SNS, é neste período que esta será substituída pela gestão empresarial, sob critérios económicos e excluindo delas os trabalhadores da saúde.

A troika e a Geringonça atacaram o SNS para abrirem as portas aos privados

Nos anos da Troika, os brutais cortes na saúde e a consequente deterioração da capacidade de resposta do SNS levaram a um crescimento brutal do mercado dos seguros de saúde e ao florescer dos hospitais privados.

Costa, que agora tanto elogia os profissionais de saúde, estava até há pouco tempo à frente do Governo da Geringonça, responsável por manter os cortes na saúde; esteve à frente da requisição civil contra enfermeiros quando apenas lutavam por condições mais dignas de carreira; em nome do défice, bloqueou o melhoramento das carreiras de médicos, enfermeiros, auxiliares de ação médica. A Geringonça não reverteu o favorecimento aos grandes grupos para quem a saúde é um negócio e não um direito universal. A consequência é que hoje mais de 40% do Orçamento do Estado para a saúde é para pagar a privados.

Saúde privada mostra todo o seu parasitismo perante a pandemia

Em tempos de crise, as verdades vêm ao de cima. Esta pandemia demonstra o quanto é necessário e precioso o nosso SNS. Os profissionais de saúde – apesar da campanha que contra eles foi movida nos anos anteriores e das miseráveis condições de trabalho que têm – reorganizaram serviços, mobilizaram recursos, trabalhando horas a fio. São eles que fazem o SNS e permitem que, apesar dos Governos, hoje ele esteja cá para todos.

Já os privados mostram que não servem a saúde pública e que apenas têm por objetivo fazer lucro para uns poucos e parasitar o dinheiro que é de todos. As seguradoras não cobrem pandemias e os hospitais privados querem aproveitar-se da pandemia para ganharem dinheiro do Estado quando têm perdas de cerca de 80%. Já a Ministra da Saúde diz que só pagará aos privados os doentes para lá encaminhados pelo SNS. O pormenor é que um doente internado no privado que precise de um ventilador mais de 4 dias custará mais de 13 mil euros ao SNS.

É preciso uma nova revolução para verdadeiramente defender o SNS!

Fica claro que a única possibilidade é requisitar os privados, já. Mas fica também claro que enquanto o Estado continuar a financiar a saúde privada, estará a destruir o SNS e a sua universalidade, que é a única garantia para a saúde de todos! Por isso, a requisição dos privados durante a pandemia não basta. É preciso um plano para nacionalizar os hospitais privados, aliado a um plano para voltar a fortalecer o SNS, numa perspetiva universal, gratuita e de qualidade.

Esta pandemia mostrou ainda quem são os verdadeiros imprescindíveis – os trabalhadores da saúde – e não os gestores burocráticos e empresariais. Isso mostra que para fortalecer o SNS é preciso não só fortalecer os seus recursos, mas acima de tudo dar condições de trabalho dignas (salários e horários) aos seus profissionais e garantir a autoorganização dos trabalhadores da saúde nos serviços (gestão democrática, por oposição à gestão empresarial).

Finalmente, tudo isto é impossível dentro de um sistema capitalista que utiliza a saúde – um bem essencial – como fonte de lucro; de uma União Europeia que estrangula os países com as políticas do défice para salvar bancos e banqueiros; e de um país governado pelos que defendem os interesses dos patrões e não os interesses dos trabalhadores e da maioria da população pobre. Se a pandemia mostrou que o SNS é fundamental, mostrou também que é preciso subverter a lógica capitalista para devolver o SNS às mãos dos seus trabalhadores ao serviço de toda a população.

Maria Silva