HISTÓRIA

De Stonewall a Minneapolis: um grito contra a opressão e a exploração capitalistas

A 28 de junho, o movimento LGBTI por todo o mundo recorda a “Revolta de Stonewall”, uma verdadeira rebelião que ocorreu em 1969, em Nova Iorque, contra a forte repressão policial que sofriam as LGBTIs e que se tornou símbolo dessa luta. Na época, nos Estados Unidos, comportamentos associados à homossexualidade eram criminalizados em quase todo o país.

A Revolta iniciou-se num bar chamado Stonewall Inn que era conhecido por ser frequentado pelos setores mais marginalizados da comunidade LGBTI e que era sempre alvo de rusgas policiais. Naquela noite, no entanto, as pessoas reagiram à brutalidade policial: enfrentaram-na, armaram barricadas nas ruas e iniciaram uma verdadeira rebelião, que durou quatro dias.

Esta revolta, organizada por lésbicas, bissexuais, travestis, transsexuais e drags negras e latinas, liderada por figuras como Marsha P. Johnson, trans e negra, e Sylvia Rivera, trans e latina, levou a um enorme avanço na organização do movimento LGBTI e, no ano seguinte, à criação das primeiras marchas de orgulho LGBTI. Vale lembrar que fora nos anos anteriores, ao longo da década de 60, que a explosão da luta pelos direitos civis para os negros havia derrotado as leis segregacionistas nos Estados Unidos.

Crise, pandemia e brutalidade policial: revolta contra o racismo escancarado

Hoje, 51 anos depois da Revolta de Stonewall, os olhos do mundo estão voltados para uma nova rebelião que acontece nos Estados Unidos, também contra a repressão e a violência policial racista, que assassinou George Floyd e que continua a tirar a vida de negras e negros, hispânicos e imigrantes no país que o capitalismo toma como modelo de democracia para o mundo todo.

Num momento de profunda crise social e económica, a indignação com o assassinato descarado de mais um homem negro pela polícia desencadeou um processo revolucionário no coração do capitalismo e impulsionou manifestações por todo o mundo – em solidariedade a George Floyd, mas também porque por todo o mundo as populações racializadas e os setores mais explorados e oprimidos entre os trabalhadores sentem na pele a mesma brutalidade policial racista.

Nos E.U.A., país com a maior população carcerária do mundo, embora apenas cerca de 13% da população seja negra, 38,1% dos presos são negros[1]. Os hispânicos compõem à volta de 18% da população, mas 31,1% dos presos[2]. Homens negros de 18 a 19 anos têm 12,7 vezes maior probabilidade de serem presos do que homens brancos da mesma idade[3].  O racismo do sistema carcerário e da brutalidade policial no país é gritante.

E, neste momento, como noutros países, estes são os trabalhadores e trabalhadoras que, com a crise e a pandemia, se viram obrigados a continuar a trabalhar, arriscando as suas vidas, ou se viram logo atirados para o desemprego.

Quando o número de afetados pela COVID-19 explodiu nos EUA, logo se viu que a letalidade era muito maior entre os negros[4]. Em Chicago, por exemplo, 70% das mortes em abril eram de negros, embora estes componham apenas 30% da população. Em Wisconsin, 81% das mortes eram de negros – que compõem apenas 26% da população. No estado do Louisiana, também mais de 70% das mortes eram de negros, que entretanto são 32% da população. Estes são apenas alguns exemplos.

Ao mesmo tempo, o desemprego, que também disparou nos Estados Unidos no último período, também é ainda pior entre os negros e latinos[5]. Entre janeiro e abril, a taxa de desemprego entre brancos subiu de 3,1% para 14,2%. Entre os negros, a taxa de desemprego já era de 6% e subiu para 16,7%. Em maio, o desemprego entre os brancos caiu para 12,4%, enquanto entre os negros subiu para 16,8%. Entre os latinos, houve uma ligeira queda em maio, mas ainda assim o desemprego continua em 17,2%.

Em abril, 38% dos trabalhadores brancos declaravam ter perdido o emprego ou os rendimentos; entre os trabalhadores negros 44% e entre os latinos 61%.[6] O impacto violento da pandemia e da crise social e económica sobre as populações racializadas é evidente. E o Estado, ao invés de garantir apoio aos negros e negras, responde com a brutalidade policial.

A persistente violência policial contra os negros nos Estados Unidos, e o descaso com as vidas negras e latinas, reafirma a verdade da conhecida frase de Malcom X: “não existe capitalismo sem racismo”. As grandes lutas contra a segregação racial da década de 60 conseguiram abolir as leis segregacionistas, mas o racismo continua arraigado nesse sistema, que se ergueu sobre a exploração do trabalho escravizado de negras e negros e, até hoje, utiliza a opressão para explorar ainda mais os trabalhadores e tentar dividir-nos. Os protestos que explodiram após o assassinato de George Floyd são um grito contra o doentio sistema capitalista, em que os lucros são colocados todos os dias acima das vidas negras.

Vidas negras LGBTIs importam!

Não por acaso, durante aos protestos atuais surgiu também a palavra de ordem #BlackTransLivesMatter, chamando atenção para a luta das pessoas trans negras, que enfrentam a violenta combinação do racismo e da transfobia. Uma pesquisa publicada pela UCLA (a Universidade da Califórnia, Los Angeles) em 2019 sobre as LGBTs nos Estados Unidos[7] aponta que entre as pessoas LGBTs a taxa de pobreza é de 21,6%, já muito maior do que entre as pessoas cis-hétero, cuja taxa de pobreza é de 15,7%. Quanto à população LGBT negra, a pesquisa aponta que, se 25,3% dos negros e negras cis-héteros estão em situação de pobreza nos E.U.A., entre a população negra LGBT esse número sobe para 30.8%. E, enquanto a taxa de pobreza entre homens gays brancos é de 8,1%, a taxa de pobreza entre pessoas trans negras é de 38,5%. No caso da população trans hispânica, quase metade (48,4%) estão na pobreza, mostrando como essa população é ainda mais violentamente marginalizada do que a população latina cis-hétero, entre a qual a taxa de pobreza já é alta (32,5%).

Sem dúvida, a crise económica que já se avizinhava e que se aprofundou tão rapidamente no contexto da pandemia piorou ainda mais a condição em que se encontram as LGBTIs negras, latinas e imigrantes, ao atirar quem já ocupava os trabalhos mais precários para o desemprego, ao deixar sem renda os que tinham trabalhos informais, ao agravar a violência doméstica sofrida por inúmeras mulheres e LGBTIs.

Para defender as vidas negras e LGBTIs, é preciso enfrentar o capitalismo!

No capitalismo, as opressões, como o racismo, o machismo, a LGBTfobia e a xenofobia são utilizadas para dividir a classe trabalhadora, rebaixar salários e explorar ainda mais nosso trabalho. E a repressão constante tenta conter a revolta dos setores mais marginalizados da classe trabalhadora contra esse sistema que nos oprime e explora.

As revoltas que tomaram os Estados Unidos no último mês e a memória da Revolta de Stonewall dão-nos lições importantes para pensarmos o rumo da nossa luta. Em Minneapolis, as revoltas tiveram tanta força que conseguiram pôr em xeque a polícia e colocar em discussão o desmantelamento da sua organização atual. Tudo isto mostra a força que temos. É preciso seguir este caminho e ir além, pois enquanto perdurar o capitalismo, por mais que nossa luta traga conquistas, a História mostra-nos que continuaremos a precisar de lutar para garantirmos as nossas vidas. É necessário destruirmos este sistema, onde o nosso sangue e suor são lucro para a burguesia e as nossas vidas não importam. É necessário avançarmos na organização revolucionária de negras e negros, mulheres, LGBTIs e imigrantes, lado a lado com o conjunto da classe trabalhadora, para destruirmos este sistema e construirmos uma sociedade livre de toda a forma de opressão.

Marina Peres

 

Notas:

[1] Fonte: https://www.bop.gov/about/statistics/statistics_inmate_race.jsp

[2] Fonte: https://www.bop.gov/about/statistics/statistics_inmate_ethnicity.jsp

[3] Fonte: https://www.bjs.gov/content/pub/pdf/ji18.pdf

[4] Leia mais em: https://www.pstu.org.br/covi-19-trump-e-o-coveiro-dos-estados-unidos/

[5] Fonte: https://www.bls.gov/news.release/pdf/empsit.pdf

[6] Fonte: https://www.statista.com/chart/21642/racial-inequality-covid/

[7] Disponível em: https://williamsinstitute.law.ucla.edu/wp-content/uploads/National-LGBT-Poverty-Oct-2019.pdf