A lei proíbe a divulgação de conteúdos que “mostrem ou promovam a sexualidade, a mudança de sexo ou a homossexualidade” a menores de 18 anos. Orbán e a extrema-direita húngara defendem a lei com um discurso preconceituoso e hipócrita, que associa a homossexualidade à pedofilia. A lei criminaliza a população LGBTI e nada faz para combater efetivamente a pedofilia.
Em repúdio à lei, 16 estados-membros da União Europeia assinaram uma carta dirigida à Hungria. Portugal, entretanto, disse que não a iria subscrever, alegando que, da posição da presidência do Conselho Europeu deveria guardar “neutralidade”. Após a má repercussão, anunciou que afinal a assinará a 1 de julho, quando deixar a presidência.
A resposta do Estado português, e a do Conselho Europeu por ele presidida, revela, em primeiro lugar, o quanto há ainda um duro caminho de luta pela frente em Portugal, apesar das conquistas da comunidade LGBTI no país, que hoje permitem exercer direitos como o casamento e a retificação do registro civil das pessoas trans.
Em segundo lugar, revela também a razão de ser da própria União Europeia. Portugal bateu o pé para manter a “neutralidade” da Comissão Europeia porque esta União Europeia, longe de ser uma unificação da Europa em torno da afirmação e proteção de direitos, tem como fundamento os interesses económicos, que se sobrepõem a qualquer defesa de direitos. Mostra mais uma vez, a verdadeira face da Europa dos ricos, contra os povos pobres e os setores oprimidos; a mesma Europa que deixa mortos no Mediterrâneo hesita em defender os direitos LGBTIs.
A “neutralidade” na UE é a conivência com a violência também em Portugal
Costa é “neutro” não só com Orbán, pois cá em Portugal nada faz sobre o facto de a polícia abordar casais homossexuais como se a sua presença num espaço público fosse um delito, como vimos acontecer recentemente a um jovem casal de mulheres, que foi abordado por 9 agentes da PSP em Lisboa.
Se é fundamental posicionarmo-nos contra os ataques a direitos LGBTIs que têm ocorrido na Hungria, ou na Polónia, é importantíssimo saber que também em Portugal as pessoas LGBTIs continuam a sofrer perseguição e discriminação. No último ano, a ILGA-Europa contabilizou 48 casos de crimes de ódio contra LGBTIs em Portugal. Uma em cada 5 pessoas trans em Portugal reporta ter passado por ataques físicos ou sexuais.
O recado que fica para Costa é que não basta, quando convém, dizer que é contra discriminações. A hesitação e a impunidade tornam este Governo cúmplice da violência que continua a existir contra a população LGBTI também cá em Portugal, e conivente com os discursos que incentivam essa violência. Que o diga o Chega, que, enquanto Costa e Marcelo se ocupavam-se em defender a “neutralidade” de Portugal na presidência da Comissão Europeia, apresentou à Assembleia da República a proposta de “congratular” a Hungria pela sua “defesa da instituição família”.
A luta por direitos LGBTIs é parte da luta por direitos da classe trabalhadora
Em meio ao contexto de crise social e económica que hoje vivemos, se o conjunto dos trabalhadores sofre as consequências do desemprego, da perda de rendimentos e da precariedade, a população LGBTI está entre os setores mais atingidos. Apesar da escassez de dados sobre o tema (pela qual é também responsável o Governo), sabemos que, mesmo antes da pandemia e da crise económica, enorme parcela da população LGBTI ocupava postos de trabalho precários ou já se encontrava completamente apartada do mercado de trabalho formal – particularmente, parte dela já tinha como sua única forma de sustento a prostituição, setor que foi ainda mais brutalmente afetado pela pandemia.
Os setores conservadores e a extrema-direita, que em tempos de crise procuram bodes expiatórios a quem culpar por tudo o que vai mal, fazem parecer que os direitos LGBTIs são opostos aos interesses do resto da população. Não poderiam estar mais longe da realidade: defender os direitos LGBTIs é, além de lutar contra a discriminação, lutar por trabalho, saúde, habitação digna. Para garantir o acesso à saúde da população trans e LGBTI no geral. Por exemplo, é preciso reverter o quadro de falta de investimento no SNS, que já vinha dos anteriores governos, e que o Governo Costa manteve, mesmo em plena pandemia, porque priorizou destinar os recursos públicos à Banca e às grandes empresas. A luta por direitos da população LGBTI é parte da luta que hoje o conjunto dos trabalhadores precisam de travar contra a gestão capitalista da pandemia e da crise económica.
Lutar pelos direitos LGBTIs em tempos de crise do capitalismo
Vivemos hoje uma crise económica do capitalismo de dimensões históricas. Nessa sociedade, em que vale a máxima “dividir para reinar” e os grandes patrões sempre se beneficiaram da opressão e dos preconceitos que servem para dividir a classe trabalhadora, a população LGBTI sempre se viu marginalizada e sem acesso a direitos. Em tempos de crise, fica ainda mais evidente que não há outro caminho para a defesa dos direitos LGBTIs: é preciso enfrentar radicalmente esse sistema que nos explora e oprime.
A nossa luta no próximo período passará por combater o discurso LGBTIfóbico da extrema-direita, mas também a inação e conivência do Governo e da esquerda institucional. O Bloco de Esquerda, apesar das críticas à “neutralidade” do Governo, limita-se a opor a “neutralidade” à defesa dos direitos humanos, sem dizer que não é possível garantir esses direitos dentro da União Europeia.
A luta pelos direitos dos trabalhadores LGBTIs passará por lutar contra a gestão capitalista da pandemia e os ataques aos direitos sociais, contra os quais precisaremos de resistir em unidade com o conjunto da classe trabalhadora.
Não é possível garantir os nossos direitos por dentro deste sistema! Só numa sociedade socialista, que rompa com a lógica da exploração, será possível garantir plenamente os direitos LGBTIs.