HISTÓRIA Partido TEORIA

5 anos do Em Luta… Vimos de longe…

No próximo dia 18 de dezembro completar-se-ão 5 anos após a conferência de fundação do Em Luta em 2016. Os meses anteriores àquela data foram de intenso debate no interior do MAS e na Liga Internacional dos Trabalhadores (LIT) e de maturação entre a nossa militância, com particular destaque para a reunião plenária de 21 de setembro daquele ano de 2016 que apontou para a separação e conferência de fundação de uma nova organização em Portugal, o Em Luta. Pretendemos neste artigo, ainda que de forma reduzida, expor e refletir sobre os fundamentos para a necessidade de construção de uma organização marxista revolucionária em Portugal no mundo e por fim apelar a que nos acompanhes nesta tarefa inadiável.

Vimos de longe, de muito longe…

Quando dizemos que vimos de longe não estamos apenas a referirmo-nos aos tempos e acontecimentos por que a nossa militância concreta passou. Geralmente essa experiência militante concreta é sempre reduzida quando comparada à “experiência histórica” que é exigida à militância revolucionária e à tarefa a que nos propomos de construir uma organização revolucionária nacional e internacional…
A decisão de fundar na altura uma nova organização revolucionária associou não só a experiência concreta e política dos militantes do Em Luta nas décadas anteriores em Portugal como ainda a sua compreensão e balanço – mesmo que limitados e sempre sujeitos a novas reapreciações e correções… – da larga trajetória do marxismo revolucionário, particularmente sintetizado na nossa organização internacional, a LIT. É por tudo isto que hoje continuamos a dizer que ‘vimos de longe, de muito longe…’.
Particular peso – um peso fundacional… – teve a Revolução em Portugal do ’25 de Abril de 1974′, não a ‘vitória da democracia burguesa sobre a ditadura fascista’ mas a Revolução Operária e Socialista que irrompeu por entre a crise económica e política terminais do regime colonial fascista e do seu exército às mãos dos povos das ex-colónias e em clara alternativa e confronto com as soluções reformistas e burguesas que acabaram por a derrotar e cujos protagonistas de então e herdeiros colocam um cravo ao peito nos momentos convenientes. De facto, e tal como a generalidade das revoluções, ainda por cima num país imperialista como Portugal, a Revolução Operária e Popular dos anos 1974-1975 teve um impacte internacional e originou um exigente e intenso debate e confronto político-teórico entre toda a esquerda, a revolucionária e não só, e em particular entre a militância ‘trotskista’ (1). Dizemos mesmo que, novamente recusando quaisquer cristalizações eternas, aquele foi um debate e confronto fundacionais cujos estudo e crítica deve prosseguir mesmo à beira do seu cinquentenário e atrair os novos militantes e ativistas.

O PRT e a Revolução e Contrarrevolução em Portugal de Nahuel Moreno


Exemplo decisivo daquele debate e confronto fundacionais foi o documento publicado em julho de 1975 Revolução e Contrarrevolução em Portugal de Nahuel Moreno, um dos principais dirigentes trotskistas latino-americanos e da Fração Bolchevique (FB) que antecedeu a LIT (2), e impulsionador da construção do partido mundial revolucionário, a IV Internacional. Reconhecendo o seu caráter fundacional e atualidade, aquele documento viria a ser editado pela primeira vez em livro pelo Em Luta em Abril de 2019 (3). Pelas consequências políticas pode-se dizer que, em pleno ‘Verão quente’, significou uma segunda fundação do jovem e valoroso Partido Revolucionário dos Trabalhadores (PRT), apoiado pela FB (LIT) e criado em janeiro de 1975 com alguns jovens que tinham dado os seus primeiros passos na militância política nos últimos anos da ditadura marcelista.
Como se referiu, não só na introdução em Abril de 2019 àquele documento de 1975 (4), como se destacava no próprio, e já mesmo nos textos do próprio PRT que então dava os seus primeiros passos no marxismo revolucionário, o que estava em causa era então o avanço para uma revolução operária e socialista, colocando na ordem do dia da revolução de 74-75 a tomada do poder pela classe trabalhadora com os seus organismos de classe e o socialismo. A alternativa seria a queda do país na órbita nos países imperialistas mais fortes, a decadência social e económica, a pauperização da classe trabalhadora, que a realidade dos últimos 45 anos expôs. Esta decadência teve a sua expressiva prova na ofensiva levada a cabo nos anos da Troika durante o governo de Passos Coelho – a 3ª ofensiva desde que a Revolução foi paralisada -, e que ainda não foi revertida totalmente até hoje pelo PS-Geringonça. Bem merecidas foram pois as extraordinárias mobilizações populares, juvenis e operárias que ocorreram naqueles anos de 2011-2013 algumas delas impulsionadas por fora das organizações reformistas e apenas comparáveis, até os dias de hoje, às grandes mobilizações da Revolução: a da ‘Geração à Rasca’ em Março de 2011, a do ’15 de Outubro’ do mesmo ano, 15 de Setembro de 2012 (300 a 400 mil pessoas nas ruas, 2 greves gerais em 2012 e 2013… O governo de Passos Coelho viria a retirar a sua proposta de aumento da TSU (Taxa Social Única) para os trabalhadores (e de redução para o patronato…).

A luta pela ‘Revolução Operária e Socialista’ contra a ‘Revolução Democrática Nacional’ estalinista


À proposta marxista para o país em 74-75 de ‘avanço para a revolução operária e socialista com a tomada do poder pela classe trabalhadora’, como única estratégia válida também para os dias de hoje, oponha-se não só o PCP, com todas as suas forças e meios – que incluíam o boicote frontal a algumas importantes greves – como o MFA, o PS, os governos provisórios de “esquerda” e “direita”, a esquerda maoista com a falsa e antimarxista teoria da “revolução por etapas”, onde a classe trabalhadora deveria unir-se e submeter-se à “burguesia democrática”, enquanto o governo dos trabalhadores e o socialismo ficavam para as ‘calendas gregas’. A desculpa rota que o PCP evoca de que na revolução de 74-75 ‘não havia condições para avançar para o socialismo e para o poder dos trabalhadores’ não passa de uma tentativa de justificar a participação do seu principal dirigente Álvaro Cunhal nos governos burgueses provisórios de então ao lado de Mário Soares do PS, Sá Carneiro do PPD-PSD, etc. A participação do PCP de Jerónimo de Sousa na ‘viabilização governativa’ dos governos burgueses da geringonça-PS nos últimos anos não deixa de ser, pois, uma versão menor da política do PCP na Revolução, atirando mais uma vez para as ‘calendas gregas’ a luta por uma sociedade baseada no poder da classe trabalhadora.
Mas afinal quem, que organismos, deviam tomar o poder e iniciar a construção do socialismo, na conceção do Revolução e Contrarrevolução em Portugal de Nahuel Moreno, que retoma por sua vez a experiência ‘longínqua’ de Lenine e Trotsky de 1917 que o calor da revolução de 74-75 retomou e que o Em Luta incorpora no seu programa estratégico? Eram e serão os organismos da classe trabalhadora: “Por um programa de transição que leve à revolução das comissões de trabalhadores e dos comités de soldados contra o governo do MFA-PC-PS”… “O eixo deve ser o já assinalado: desenvolver e centralizar os embriões de duplo poder para que tomem o poder”… “A grande tarefa é ganhar a classe operária, os soldados e os camponeses para o cumprimento desta palavra de ordem e para a construção do organismo que a torne efetiva: o Congresso Nacional das Comissões e Comités” (5).
Com a dispersão do poder da classe trabalhadora e a recusa da generalidade da esquerda em lutar pelo desenvolvimento e centralização dos organismos de classe – com o PCP à cabeça já que amarrado aos governos burgueses provisórios … -, a burguesia sentiu aberto o caminho para o golpe do 25 de novembro de 1975. Com os sucessivos recuos nas etapas políticas que se seguiram e a imposição e estabilização do poder da burguesia que nos governa até aos dias de hoje, a corrente marxista revolucionária ‘morenista’ teve que prosseguir nos últimos 46 anos a construção do partido revolucionário em diversas (e adversas…) situações: com a LCI (SU de Ernest Mandel), POUS/OCI, FER, Ruptura-FER, dentro do BE, MAS… Chegámos assim à fundação do Em Luta em 2019.

O Em Luta e a ‘Unidade de esquerda’


Foram vários os fundamentos mais imediatos que nos levou a fundar em finais de 2016 um partido revolucionário, alguns dos quais são bem recorrentes – inclusive nos dias de hoje – nos velhos debates no interior do marxismo revolucionário e que, recorde-se o que dissemos logo no início, apenas pretendemos aflorar neste texto.
Desde logo a oportunista e desmobilizadora luta pela “unidade da esquerda”, que nos dias de hoje é defendida por várias organizações e ativistas com várias variantes, entre as quais a “luta” pela “unidade PC e BE”. Abdicando de apresentar ao conjunto da classe ‘a necessidade de construir uma alternativa revolucionária diametralmente oposta àqueles projetos’, e em nome de uma suposta descida ao seu nível de consciência e “condições concretas da situação”, aquela “luta” termina por impregnar o conjunto da prática da “esquerda alternativa” desperdiçando as oportunidades políticas – como a procura permanente da estruturação na classe operária e nas suas lutas – adiando outra vez para as calendas gregas a construção de um partido revolucionário mesmo que com caráter fundacional.
Dissemos acima que ‘vimos de longe’. Por isso, em 2016, e novamente hoje, e a este propósito, retomámos também o que Nahuel Moreno dizia da ‘unidade de esquerda, do PS e PC’ no documento que temos vindo a referir no contexto da Revolução de 1974-1975, como também na Conferência da fundação da LIT em janeiro de 1982 por altura do embate com outra organização que também se reivindicava do trotskismo (a OCI, Organização Comunista Internacionalista e com quem a nossa corrente esteve unificada inclusive em Portugal).
No contexto da revolução portuguesa e no então desenvolvimento acelerado de sindicatos e comités de base de empresa e bairros a proposta expressa no documento era então “10.5. Não à frente única com o PC e os outros partidos reformistas. Sim ao trabalho na Intersindical e, fundamentalmente, nos comités de operários e soldados!”; “A existência destas organizações, por si só, constitui um progresso histórico imenso. (…) Não é motivo de grande preocupação, em princípio, o programa ou a direção dessa forma organizativa” (5). “Frente ao perigo de Spínola tinha cabimento a fórmula da frente única, porque respondia a uma profunda necessidade e aspiração das massas e dos partidos que as representavam: enfrentá-lo [general Spínola] e derrotá-lo. Mas, uma vez derrotado Spínola, esta política deve transformar-se noutra: denúncia sistemática do PC e do MFA (…)” (6).
E sobre o mesma tema da ‘frente única operária/unidade esquerda’ na Conferência da fundação da LIT em janeiro de 1982 e de crítica à OCI:
“Se considerarmos a frente única operária como uma tática permanente e privilegiada, isso significava que a forma permanente de construir o partido, o instrumento ou meio privilegiado, é o acordo com os partidos operários traidores. A OCI está sendo coerente quando coloca, na prática, um sinal de igual entre a construção do partido e a tática de frente operária” (7). E lembrava: “Durante a revolução russa [dirigida pelo partido bolchevique de Lenine e Trotsky] essa tática foi aplicada apenas durante 15 dias”. E ainda: “Mesmo quando entramos nos partidos reformistas não o fizemos para implementar uma frente única com a direção, e sim para denunciá-la e fazer com que a esquerda socialista rompesse com ela” (7).

Construir a alternativa revolucionária


Mas como pode um núcleo fundacional como é por exemplo o Em Luta ultrapassar as suas modestas capacidades organizativas e teóricas, resistir aos “cantos de sereia” do aparelho de estado e as mil e uma benesses e ilusões no regime democrático burguês, e contribuir para a construção de um partido revolucionário independente, atuante na classe trabalhadora, que a conduza a ser uma alternativa radical de poder à burguesia e do socialismo? Como podemos resgatar o socialismo e o comunismo do estalinismo criminoso que os dirigentes estalinistas e os propagandistas burgueses, com o intuito de o desacreditar, tanto se empenham em colar? Sem dúvida que temos que estar com a nossa classe – a classe trabalhadora – e apoiarmo-nos nas suas pequenas e grandes lutas, seja qual for a etapa e desenvolvimento das mesmas. Neste sentido, o Em Luta tem desde a sua fundação dado passos que nos orgulhamos.
Mas queremos estar junto dos trabalhadores armados com o máximo de acumulação da experiência política e teórica de que somos capazes, a partir da qual propomos constantemente que constituam “uma classe para si”, quer dizer, uma classe politicamente independente da burguesia e dos seus partidos diretos e reformistas. Uma classe que, com os seus organismos de classe – a exemplo do que sucedeu na Revolução de 74-75 -, a supere e liberte as forças produtivas e sociais de 99% da sociedade do poder da burguesia e das suas amarras do lucro que têm arrastado o conjunto da sociedade para a miséria e decadência.
Pese as nossas debilidades – conscientes, repetimos – temos uma vantagem: é que procuramos construir, desde o primeiro minuto, e por isso fazemos parte de uma organização revolucionária internacional – a Liga Internacional dos Trabalhadores – com camaradas e ativistas que noutros países também lutam pela superação da burguesia e do capitalismo e que procuram fazer a acumulação e atualização críticas da larga experiencia do marxismo revolucionário internacional. Ao unir a construção de um partido revolucionário em Portugal à construção de uma organização revolucionária internacional também estamos a dizer que ‘vimos de longe’, pelo menos tanto quanto o Manifesto Comunista de Marx e Engels de 1847, que perante a então crescente internacionalização da economia capitalista e da exploração proclamava “Proletários de todos os países , uni-vos!”.

Vem construir o Em Luta!
Edu Dário

(1) – Arquivo Leon Trotsky, archivoleontrotsky.org;
(2) – Um breve esboço da história da LIT, litci.org;
(3) – Revolução e Contrarrevolução em Portugal, Nahuel Moreno, edições Em Luta, 2019;
(4) – Revolução e Contrarrevolução em Portugal, Apresentação, pgs. 10,11;
(5) – Revolução e Contrarrevolução em Portugal, Nahuel Moreno, X-Por uma política leninista-trotskista consequente;
(6) – idem;
(7) – Correio Internacional, fevereiro 1982