Tudo começou a 19 de janeiro último, quando entre 1 e 2 milhões de manifestantes desfilaram por toda a França para protestar contra o projeto de reforma das pensões apresentado pelo presidente Emmanuel Macron. Estava dado o sinal de que este enfrentamento seria um marco das lutas sociais no país, como o foram a mobilização contra o CPE (contrato de primeiro emprego), em 2006, que derrotou o governo do então primeiro-ministro Dominique de Villepin na presidência de Jacques Chirac, ou mesmo com o Maio de 68.
Numa das manifestações, em Paris, um estudante do secundário contou que o bloqueio iniciado em frente ao seu colégio não surtira o efeito desejado, mas por um bom motivo: “Todas as escolas secundárias tiveram de fechar, uma após outra, porque temos muitos professores em greve”. O jovem, presidente da Federação Independente e Democrática do Ensino Médio, sorriu ao explicar a razão de participar daquela manifestação: “Mostrar a nossa solidariedade com os velhos e defender o direito de nos aposentarmos com saúde”.
O auge da luta
A luta iniciada em janeiro prosseguiu com greves, bloqueios e manifestações, com mais ou menos intensidade até março, quando atingiu o seu pico. A razão forneceu-a o próprio Governo, quando resolveu enfiar a reforma das pensões goela abaixo do povo francês através do famigerado artigo 49.3 da Constituição, que permite a aplicação de uma lei sem passar por votação parlamentar.
A resposta veio célere, com protestos espontâneos, confrontos com a polícia e ataques a prédios das câmaras municipais e gabinetes de deputados da coligação de Macron, La République en Marche!
O mais importante: as greves ganharam uma intensidade nunca vista até então, muitas delas renováveis. Os setores mais combativos foram os trabalhadores das refinarias, principalmente na Normandia; do lixo de Paris; os ferroviários da SNCF (companhia ferroviária estatal); e os empregados das empresas de eletricidade e gás.
O lixo acumulou-se nas ruas de Paris; os comboios da SNCF deixaram de circular em várias regiões, principalmente na Bretanha; uma greve espontânea, isto é, iniciada sem a convocação de um sindicato, começou na manutenção do TGV, o que obrigou a remoção de 110 comboios dessa rede, num total de 136; todas as seis refinarias que refinam petróleo no país foram afetadas, direta ou indiretamente, pelo movimento grevista, sendo que na maior delas, a de Gonfreville l’Orcher, na Normandia, os trabalhadores aprovaram greve renovável a partir de 7 de março.
Momento de inflexão
No dia 23 de março, 3,5 milhões de trabalhadores, jovens e reformados vão às ruas protestar. Nesse dia ficou nítido que as direções sindicais já não canalizavam todo o processo de luta, e que a auto-organização da base dos trabalhadores e da juventude estava a avançar. A palavra de ordem “Fora Macron” generalizou-se. Macron é visto como o presidente dos banqueiros e apenas 28% dos franceses têm boa opinião sobre ele.
A tarefa daquela fabulosa luta social já não era apenas derrubar a reforma das pensões, mas também conquistar o aumento dos salários, defender os direitos democráticos de manifestação e greve, pôr fim à repressão policial e, sobretudo, derrubar o governo Macron.
Para cumprir essa tarefa, seria preciso uma direção que propusesse aos trabalhadores fazer avançar a sua luta com a organização de uma greve geral renovável. A Intersindical, até agora, não o fez e, ao não o fazer, pode comprometer o desfecho de uma luta que tinha – e ainda tem – tudo para ser vitoriosa.
Cristina Portella
Texto originalmente publicado no jornal Em Luta, N.º 10 (abril 2023)