A NOSSA CLASSE SETOR AUTOMÓVEL

Depois da pandemia, o vírus do layoff continua. Dinheiro para as empresas, crise para os trabalhadores

Os trabalhadores da VW Autoeuropa e das empresas fornecedoras do Parque Industrial estão em regime de layoff devido a uma quebra na cadeia de fornecimento de motores. Centenas, contratados temporariamente, já foram despedidos. Tudo porque, segundo a VW Autoeuropa, o Grupo VW – um dos maiores da indústria automóvel - tem um único fornecedor para uma peça necessária à produção de grande parte dos motores utlizados pelos carros que saem de Palmela. Fornecedor esse que foi apanhado pelas chuvas e inundações que ocorreram na Eslovénia em agosto.

Não nos pretendemos concentrar na veracidade da versão alegada pela empresa, mas discutir o impacto desta paragem na vida dos trabalhadores diretos, das dezenas de milhares de trabalhadores das empresas que fornecem a VW Autoeuropa com componentes e serviços e de todos os restantes trabalhadores que, não estando relacionados com a cadeia produtiva de Palmela, são afetados pelo impacto desta paragem nas contas da Segurança Social.

O layoff é um roubo

Assim que se começou a falar em paragem e depois em layoff, a preocupação instalou-se entre os trabalhadores. Diante da crise inflacionária e do aumento dos juros do crédito à habitação, que continua a fazer com que sobre mês no fim do salário, a possibilidade de quebra de rendimentos associada ao layoff tornou-se num pesadelo.

O layoff é uma ferramenta legal através da qual as empresas podem ter acesso aos cofres da Segurança Social. Os motivos para este recurso podem ser vários. A empresa não precisa de se encontrar em sério risco e nem sequer é avaliada a responsabilidade de tal situação. Cinco dias antes da entrada em vigor, desde que é informado aos representantes dos trabalhadores, ocorre um teatro de negociação. Teatro, porque não existe necessidade de acordo para que o layoff entre em vigor, e porque sequer existe um período temporal que permita aos trabalhadores lutar para melhorar as condições em que irão para layoff.

A justiça deste regime de layoff é possível resumir da seguinte forma: as empresas são por norma responsáveis pela situação em que se encontram, recebem ajudas do Estado através do pagamento de metade dos salários dos trabalhadores (46,2%) e da isenção de contribuições para a Segurança Social (23,75%); do lado daqueles que nenhuma responsabilidade têm, os trabalhadores, ocorre um corte salarial de um terço, que em algumas situações pode ser superior, sendo que não têm qualquer isenção de impostos. Ajudas para as empresas, perda de rendimentos para os trabalhadores.

A luta pela manutenção do salário integral e dos postos de trabalho

Diante deste processo, as organizações dos trabalhadores assumiram com hierarquia a defesa dos rendimentos dos trabalhadores e os postos de trabalho dos mais precários, os trabalhadores temporários. Em algumas empresas, conseguiu reduzir-se o impacto, mas isso não evitou que centenas de trabalhadores tenham o seu posto de trabalho em risco e muitos milhares tenham uma perda de rendimentos por algo em que não têm qualquer responsabilidade.

A praga da subcontratação

Todo este drama do layoff é multiplicado pela rédea solta que o Governo continua a dar à subcontratação. Ao invés de contratar trabalhadores para todas as funções necessárias ao seu funcionamento, as empresas por norma recorrem à terceirização de diversos serviços para redução de custos e para poderem descartar estes serviços em momentos mais críticos. Ao mesmo tempo, além de responder a uma necessidade de baixar os custos de produção, a subcontratação tem um impacto de dividir trabalhadores, diferenciando as condições de trabalho e compartimentando-os entre diferentes patrões.

Os sucessivos governos, seja do PSD, seja do PS, com ou sem Geringonças, submeteram-se aos desmandos da UE  e acentuaram a precariedade, já que permite reduzir salários, piorar condições de trabalho e tornar mais frágil a estabilidade dos postos de trabalho.

Nestes momentos em que as empresas clientes recorrem ao layoff, o impacto entre os trabalhadores das empresas subcontratadas é superior. Seja porque por norma as condições do layoff são inferiores, seja porque muitas vezes estes trabalhadores são mesmo despedidos. 

A quem pertence a Segurança Social?

Toda esta situação abre a discussão sobre a quem pertence a Segurança Social. Entre os patrões, reina a ideia de que os 23,75% descontados sobre os salários tornam as empresas donas deste setor do estado. Não fossem eles parte interessada nas implicações desta ideia e não passaria de pura ignorância.

Um sistema de previdência social universal, que permita atender às necessidades dos trabalhadores diante de uma sociedade desigual como é a sociedade capitalista, é o conteúdo que deu origem à Segurança Social. Na doença, no desemprego, na velhice, em situações de pobreza extrema, são estes alguns dos problemas a que deveria dar resposta este setor do Estado. 

Como conclusão de várias lutas dos trabalhadores ao longo dos tempos, chegámos no pós 25 de abril à Segurança Social que temos hoje. Um setor do Estado para o qual as empresas são obrigadas a entregar uma parte do salário dos trabalhadores. Daqui resulta que a Segurança Social é composta por salário indireto dos trabalhadores, fruto do trabalho, e não obra e graça dos patrões, por isso não pode ser um fundo para responder aos erros de gestão das empresas.

O Estado não somos todos nós

Todo este contexto remete-nos para outro tema. Repetem-nos todos os dias à exaustão que o Estado somos todos nós. No entanto, é nestes momentos em que fica claro a quem o Estado prontamente responde diante dos problemas que se colocam.

Não bastasse toda a experiência a que este layoff na VW Autoeuropa nos tem exposto, a realidade dura dos trabalhadores que por estes dias perdem o seu trabalho, ou os seus rendimentos, por um erro de gestão das empresas para as quais trabalham, não poderia demonstrar de forma mais explícita a quem pertence o Estado. Para os bombeiros de Pedrogão, para os doentes nas filas de espera dos hospitais, para os mais de cem mil estudantes sem professores na escola pública, a resposta tarda. Já para uma empresa multinacional que, como o Grupo VW, gere mal o seu negócio, ainda que lucre milhões e pertença a um gigante do setor, o Estado é rápido e paga o que for preciso.

Ao contrário do que nos contam, o Estado não é dos trabalhadores, ainda que sejam os trabalhadores que o pagam e sustentam.  O Estado serve aos interesses dos ricos e poderosos, que tratam os governos como gestores dos seus negócios.

Existem responsáveis políticos e respostas a dar

Apesar do populismo do ministro da Economia e do Governo, mais preocupados com as empresas e com a produção e o PIB do que com os trabalhadores, António Costa e o PS não têm uma resposta a esta situação que atenda às necessidades dos trabalhadores. Depois de 8 anos a “virar a página da austeridade”, Portugal continua a ter uma redução de salários diante do aumento do custo de vida, continua a ser um país de precariedade onde os trabalhadores não ganham para pagar as despesas e onde a bitola é cada vez mais o salário mínimo e os contratos precários.

Erram os que, como o BE e alguns dirigentes sindicais, têm vindo a público exigir que o Estado pague o layoff a 100%. Na verdade, a exigência deve ser por uma alteração às regras do layoff. Uma alteração que restrinja os critérios a verdadeiras situações de crise, que implique a análise das contas das empresas e avalie responsabilidades para a situação em que se encontram. Para impedir que empresas que cometam erros na sua gestão e que, longe de qualquer crise empresarial, lucram milhões todos os anos, possam recorrer aos fundos dos trabalhadores para pagar uma crise criada que elas próprias criaram. Para obrigar a que, diante de situações de verdadeiras crises empresariais, os trabalhadores não sejam os mais afetados, principalmente os precários, e que, portanto, exija a garantia de salários completos e a manutenção de TODOS os postos de trabalho.

Além de acabar com a farra dos layoffs, aos trabalhadores apenas resta lutar por melhores salários e condições de trabalho. O que passa pelo fim da subcontratação, pelo fim do trabalho temporário, pela subida do salário mínimo de forma considerável, pela melhoria das condições de saúde no local de trabalho e contra a desregulamentação dos horários de trabalho. Mas também contra o Governo e este sistema dominado pelos interesses dos donos disto tudo, para os quais há sempre dinheiro, em detrimento das necessidades e interesses dos trabalhadores, a maioria da população.

A VW Autoeuropa erra, os trabalhadores é que pagam

Ao contrário do que se tem divulgado, a VW Autoeuropa não vai pagar 95% dos salários dos trabalhadores. Desses 95% do salário base adicionado do subsídio de turno (para quem trabalha por turnos), os trabalhadores suportam 61%. Da Segurança Social, salário indireto de todos trabalhadores, saem 46,2%, dos dias de não produção – os famosos downdays que são parte do salário anual dos trabalhadores – saem 15% e ainda são os trabalhadores que ficam sem 23,75% nas contas da Segurança Social, já que as empresas em layoff têm isenção de contribuições para o setor previdenciário. Por outro lado, os verdadeiros responsáveis poupam 84,75% dos salários durante o tempo em que dura o impacto da sua irresponsabilidade. É esta a verdadeira história deste layoff na VW Autoeuropa. Estamos a falar de uma empresa que fatura milhares de milhões ao ano e cujo impacto no PIB é de cerca de 2%. Não só a VW Autoeuropa tinha condições de suportar o impacto dos seus erros de gestão, como teria a obrigação social de resolver os problemas por si criados.  Assim como da parte do Estado e do Governo não havia qualquer legitimidade para gastar milhões dos trabalhadores numa empresa altamente lucrativa e em plena fase de aplicação de investimentos.

Redação Em Luta