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Toda solidariedade com as vítimas dos incêndios! As tragédias voltam a repetir-se: é preciso falar sobre a emergência climática e sobre mudanças estruturais  

Na manhã de dia 18/09, eram 114 os focos de incêndio ativos em Portugal, e 5000 os bombeiros no combate às chamas.

Nos últimos dias, os incêndios já deixaram 7 vítimas fatais, das quais 4 eram bombeiros.  Dentre os civis, uma das vítimas foi o brasileiro de 28 anos Carlos Eduardo, que perdeu a vida enquanto tentava, junto de colegas e sob direção da empresa de gestão florestal para a qual trabalhava, salvar máquinas da empresa. A morte deste jovem trabalhador, infelizmente, é o retrato de uma tragédia que se repete: os lucros postos acima das vidas.

Outras dezenas de pessoas foram feridas e tiveram suas habitações consumidas pelo fogo.

Antes de tudo, expressamos o nosso pesar e a nossa solidariedade a todas as vítimas, aos seus familiares e amigos. Saudamos o trabalho corajoso dos bombeiros que, em muitos locais sem os meios necessários, e a despeito da precariedade, arriscam suas vidas para combater o fogo.

Também é preciso, entretanto, voltar a falar sobre as mudanças que são necessárias para que estas tragédias não voltem a repetir-se.

De quem é a negligência? É preciso apontar o dedo aos responsáveis!

Ontem, quando os incêndios já haviam deixado 7 vítimas fatais, o Governo decretou situação de calamidade nos municípios afetados, e disse que não haveria perdão para os criminosos [que causaram os incêndios]. O primeiro-ministro referiu que “há circunstâncias de negligência que convergem para que possam eclodir incêndios florestais. Mas há coincidências a mais”.

No entanto, ao falar sobre criminosos, negligência e coincidências, Montenegro “esqueceu-se” de falar, para começar, sobre a notória insuficiência das medidas de prevenção de incêndios.

Ora, o primeiro a quem apontar o dedo pela negligência não é outro senão o próprio Governo – que é continuidade de anteriores governos, do PS e do PSD, a quem cabe uma responsabilidade histórica por décadas de políticas (e da falta delas) que se mantêm.

Insuficiência de políticas de prevenção e precariedade para os bombeiros

Segundo o Público, o balanço da AGIF (a agência nacional que coordena e monitoriza as acções de combate e de prevenção) que há dois anos avaliava a evolução do Sistema de Gestão Integrada dos Fogos Rurais (SGIFR) revelava que apenas 53% da meta de medidas destinadas ao cuidado dos espaços rurais havia sido executada.

Apesar da terrível dimensão da tragédia de Pedrógão Grande, passados 7 anos as políticas de prevenção – como a limpeza das matas e a protecção das imediações dos espaços urbanos – ainda não são a prioridade que precisam ser.

Esta ausência de uma política séria de prevenção, e dos investimentos necessários para a sua implementação, revela-se também na precariedade laboral à qual são submetidos os bombeiros, muitos dos quais são voluntários.

Mesmo os profissionais, durante a maior parte do ano, sofrem com falta de meios e condições. Há pouco mais de uma semana, os bombeiros sapadores do Porto protestavam em frente à Câmara Municipal pedindo um aumento do seu subsídio de risco: 7,03€ mensais. O valor é, sem dúvida, ilustrativo da precariedade que estes trabalhadores enfrentam e da falta de investimentos dos sucessivos governos.

Eucalipto: o lucro das indústrias acima das vidas

Há que falar, por fim, sobre as enormes extensões de monocultura do eucalipto e do pinheiro, que ocupam muitas das áreas reflorestadas em Portugal – e estão diretamente ligadas aos interesses da indústria da celulose.

A Navigator, terceira maior exportadora em Portugal, representa cerca de 1% do PIB nacional e cerca de 3% das exportações nacionais de bens. Com a sua principal fábrica localizada em Cacia, na região de Aveiro, defende a necessidade do aumento das áreas para plantação de eucalipto em Portugal, sustentando que há um défice de matérias-primas florestais. 

As monoculturas do eucalipto e do pinheiro são, no entanto, sabidamente muito propícias ao rápido alastrar dos fogos. No início de 2023, a associação Quercus referia a falta de esforços para travar o crescimento da monocultura de eucalipto como um dos principais problemas ambientais na região de Aveiro – onde os incêndios tão rapidamente se alastraram nos últimos dias.

A contínua expansão dos eucaliptais mostra que as restrições ao plantio do eucalipto introduzidas pelo governo da Geringonça – que não proíbem o plantio do eucalipto para rearborização de áreas onde não signifique a alteração da espécie, e continuam a permitir a arborização com plantio do eucalipto quando se verifiquem determinados requisitos – não são suficientes.

A manutenção e expansão da monocultura do eucalipto, apesar de serem um fator que notoriamente contribui para tragédias como a que hoje assistimos, só se explicam pelo comprometimento dos sucessivos governos com os interesses da indústria da celulose, que os governos deixam sobreporem-se à preservação ambiental e a segurança das populações.

O Governo e os capitalistas são culpados pelo avançar da crise climática!

A todos estes fatores acresce o desastroso quadro das alterações climáticas. Não é por acaso que, enquanto se combatem as chamas em Portugal, arde também a Amazónia, e as inundações no Chade já fizeram mais de 480 vítimas. Também nesse aspeto, o Governo português, como os demais governos europeus e pelo mundo, é cúmplice, ao ignorar a absoluta emergência da crise climática – que exige a redução drástica das emissões de gases de efeito estufa para já, sob pena de o aquecimento global tornar-se irreversível.

Antes de mais, é preciso organizar a solidariedade e garantir de imediato apoio financeiro e soluções habitacionais para todos atingidos pelos incêndios. 

Mas, mais além, é preciso construir uma política pública para as florestas que esteja efetivamente comprometida com a prevenção dos incêndios, com a preservação ambiental e as populações – e não comprometida com os interesses da indústria da celulose. É preciso também acabar com a precariedade do corpo de bombeiros, garantindo meios e condições de trabalho dignas durante todo o ano. E, principalmente, é preciso enfrentar os interesses dos capitalistas que põem os lucros à frente das vidas e colocar na ordem do dia a emergência da crise climática.