No dia 11 de novembro de 1975, Angola tornou-se independente de Portugal. Foi uma grande vitória conquistada pelas armas e pela luta política – clandestina no interior da colónia e cada vez mais intensa no estrangeiro. Após quase 500 anos de presença portuguesa, primeiro a promover o tráfico escravos (séculos XV a XIX) e a seguir colonizando (século XX), os africanos daquele território viam-se livres do jugo explorador e assassino do imperialismo português.
A independência de Angola deu-se num campo minado. Enquanto o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) comemorava em Luanda, a 600 quilómetros dali, no Huambo, movimentos de libertação rivais do dirigido por Agostinho Neto – a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA) e a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) – também faziam a sua festa. A guerra entre eles, iniciada ainda durante a luta contra as tropas portuguesas, prosseguiria com todas as suas terríveis consequências para a população angolana, alimentada pelos protagonistas da Guerra Fria. Por um lado, o bloco soviético a apoiar o MPLA e, por outro, os Estados Unidos a financiarem a FNLA e a UNITA.
Mas, além da guerra externa, o MPLA viveria uma outra, no interior das suas próprias fileiras e do movimento popular que o apoiara em Luanda. Capitaneada por Agostinho Neto e Lúcio Lara, a repressão abateu-se sobre setores dissidentes da direção do MPLA, como os Comités Amílcar Cabral (CAC), a Organização Comunista Angolana (OCA) e a Revolta Ativa. Essa primeira etapa para calar as vozes críticas teve como porta-voz um prestigiado guerrilheiro da 1ª Região Militar do MPLA, o comandante Nito Alves. Jornais foram fechados e militantes, presos. As Comissões Populares de Bairro (CPB), criadas para defender os moradores dos musseques (bairros de lata) dos ataques de colonos brancos e suprir as suas necessidades materiais, e as comissões de trabalhadores, formadas durante a onda grevista no pós-25 de Abril, deixaram de refletir as diferenças políticas que animavam a luta política no país.
O culminar do desmantelamento do processo revolucionário na capital teve como vítima o próprio Nito Alves e a ala que representava, no MPLA e na sociedade. Populares nos musseques e entre os trabalhadores, criticavam os privilégios do poder e os funcionários que enriqueciam às custas dos que lutavam pela libertação completa do país. No dia 27 de maio de 1977, o governo de Agostinho Neto, com o auxílio das tropas cubanas estacionadas no país, matou entre 15 mil a 80 mil pessoas, entre as quais moradores de musseques e militantes e dirigentes do MPLA, incluindo Nito Alves e José Van-Dúnem. Sob o pretexto de evitar um golpe de estado conduzido pelos “fracionistas” de Nito Alves, infringiram uma derrota histórica aos trabalhadores e à população pobre do país. Uma derrota sentida até hoje, na ditadura preservada pelo sucessor de Agostinho Neto, José Eduardo dos Santos.
A revolução de Luanda
Uma das características do pós-25 de Abril em Angola foi a maré grevista e reivindicativa que tomou conta do país. As lutas dos trabalhadores africanos começam a partir de maio, quase sempre acompanhadas pela criação de comissões de trabalhadores. Uma das mais importantes teve como cenário o porto de Luanda, onde milhares de trabalhadores portuários e ferroviários organizaram uma vitoriosa greve de seis dias por aumentos salariais, redução da jornada de trabalho, assistência médica e expulsão dos delatores da PIDE. Essa luta dará origem à criação de um novo sindicato, desta vez independente do Estado desde o seu nascimento.
O outro lado da luta dos trabalhadores africanos em Luanda terá lugar nos musseques, como resposta às agressões racistas de colonos brancos cada vez mais inseguros em relação ao seu futuro. Para fazer frente aos colonos e às forças de segurança, por um lado, mas também para resolver o problema de desabastecimento gerado pela expulsão dos comerciantes brancos, em sua maioria bufos da PIDE, multiplicaram-se comités de autodefesa e comissões de bairro. Após uma primeira fase de autodefesa, esses organismos passaram a cumprir uma outra tarefa, a de tentar resolver os problemas de cada bairro, formando as Comissões Populares de Bairro (CPB).
Esse poder nascido das bases, espontâneo e incontrolável, respondendo a necessidades concretas dos trabalhadores e da população, materializado, nas fábricas e empresas, através das Comissões de Trabalhadores e, nos musseques, com as Comissões Populares de Bairro, é batizado pelos seus protagonistas de Poder Popular.
O MPLA, um partido centralizado e burocratizado, de inspiração “estalinista”, no qual não havia lugar para a democracia interna, ao tomar o poder, procurou estender o mesmo método de funcionamento ao aparelho de Estado e à sociedade. A convivência, portanto, com um poder paralelo, espontâneo e irreverente, como o Poder Popular de Luanda, cuja direção era partilhada por variadas organizações de esquerda, além de grupos e pessoas independentes, era-lhe totalmente insuportável. Começa então uma luta sem tréguas por parte da direção do MPLA para derrotar esse Poder Popular, encerrada tragicamente no 27 de maio de 1977.