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As ironias da importação de lixo italiano para Portugal

Os órgãos de comunicação social trouxeram a público a notícia da recente importação de 2 793 toneladas de “lixo italiano”. Esta operação teve como agentes um “operador autorizado” da parte italiana e o Centro de Integração de Tratamento de Resíduos Industrias (CITRI) pela parte portuguesa, devidamente  autorizado pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e insere-se num contrato que, a ser cumprido, trará para Portugal mais 18 toneladas do dito “lixo italiano”.

A atenção da comunicação social obrigou o CITRI a esclarecer que o lixo importado estava classificado como de “baixo risco” e que era composto essencialmente por “lixo doméstico ou de habitação”. Pela sua parte, a APA esclareceu que não pediu análises à composição do lixo nem às suas características poluentes, tendo por isso “confiado” nas análises apresentadas pelo operador italiano. Em comunicado, o CITRI informava ainda que, em 2015, Portugal importou 133 mil toneladas de resíduos, sendo que 90 mil foram coincineradas pela indústria cimenteira. Nenhum jornalista questionou estes números nem a sua fonte, questão de alguma relevância dado que não existem estatísticas oficias de comércio externo de lixo doméstico e /ou industrial.

O leitor mais atento destas notícias não poderá deixar de se questionar sobre o motivo que leva uma empresa de tratamento de resíduos industriais a importar lixo doméstico. Também dificilmente acreditará na inocência de APA ao confiar nas análises apresentadas pelo operador italiano, especialmente depois de saber que o dono do CITRI foi Secretário de Estado do Ambiente no Governo de Passos Coelho. Mas esta não será a única ironia desta história.

Sabemos que, para sobreviver, o capitalismo precisa de criar novos mercados e um dos que tem vindo a crescer pode ser denominado de “mercado do lixo”. É a própria ONU a estimar em 130 biliões de dólares americanos o valor deste mercado.

A região Sul de Itália tem servido de lixeira à desenvolvida Itália do Norte, lixo que a Máfia italiana controla e deposita em aterros ilegais ou simplesmente faz “desaparecer”, a maior parte das vezes a céu aberto.  Mas não pensemos que se trata apenas de um problema de lixo controlado pela Máfia italiana e que com esta fora do jogo tudo ficará bem. Não ficará. As ligações da Máfia do lixo com a grande indústria e as grandes marcas italianas são um facto que ativistas ambientais têm trazido a público nos últimos anos. Na verdade, a Máfia italiana presta um inestimável serviço ao capitalismo italiano, pois permite ultrapassar a legislação ambiental e fazer “desaparecer” o lixo de um modo muito mais económico, permitindo assim reduzir os custos de produção e aumentar as mais-valias.

Tudo indica que este lixo chegou agora a Portugal e que serão os pobres a ficar com o lixo dos ricos. Na verdade, só nos devemos admirar de só agora Portugal parece ter entrado no mercado de países importadores do lixo capitalista, pois há muito que as maiores potências capitalistas descarregam o seu lixo nos países da África, Ásia e América Latina.

O facto de Portugal importar lixo de Itália não deixa, por isso, de ser uma expressão do papel de subordinação que o país ocupa hoje dentro da União Europeia.

Em 2009, uma investigação do jornal The Independent trouxe a público notícias de que a Grã-Bretanha “exportava” para África, em aterros a céu aberto, todo o seu lixo tecnológico (TVs, PCs, etc.). Se tivermos em conta que só o Reino Unido é responsável por 15% de todo o lixo eletrónico produzido anualmente na UE podemos ficar com ideia da quantidade de monitores e componentes de computadores que rodeiam os bairros de lata da Nigéria e do Gana. É neste último país que existe atualmente um dos maiores cemitérios de eletrónica do mundo e, consequentemente, um dos locais mais poluídos do planeta. Mas o lixo não chega a esta antiga colónia britânica (segunda ironia) como aquilo que realmente é. Pelo contrário, chega classificado como oferta e como importação legal de contribuição tecnológica ao desenvolvimento do país.

A Itália já tem Portugal como destino do seu lixo. Começaremos em breve também a receber lixo em forma de contribuição tecnológica ao desenvolvimento?

José Luís Monteiro