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A austeridade não acaba com a saída do Procedimento por Défice Excessivo

No passado dia 22 de maio, a Comissão Europeia (CE) aprovou a recomendação de saída de Portugal do Procedimento por Défice Excessivo (PDE). Nos próximos dias, a reunião dos 28 Ministros das Finanças da UE deverá ratificar essa decisão. Que impacto terá realmente essa medida na vida dos trabalhadores?

O Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) da UE obriga os Estados a evitarem défices acima dos 3% e dívidas públicas acima de 60% do PIB. Quando não cumprem um ou ambos os critérios, são colocados sob PDE, ou seja, são obrigados a implementar, dentro de um determinado prazo, um conjunto de medidas corretivas. Portugal encontrava-se sob PDE desde 2009, mas em 2016 o défice ficou nos 2%, bem abaixo da linha vermelha dos 3%, ainda que a dívida pública fosse de 130,4% do PIB!

Segundo o Governo, a saída de Portugal do PDE significa um sinal de “confiança” aos “mercados” sobre a economia portuguesa e a possibilidade de recorrer às regras de flexibilidade aprovadas em 2015 pela Comissão Europeia, que permitem violar algumas das regras do PEC para realizar investimentos. O que o Governo não diz é que essa flexibilidade depende de autorização e tem como contrapartida a manutenção das reformas estruturais que têm degradado as condições de vida dos trabalhadores.

Sai o PDE, ficam as reformas estruturais

De facto, com a saída de Portugal do PDE, acabam as medidas corretivas do PEC, mas começam as preventivas, pois mantém-se a exigência de corrigir o défice estrutural e de reduzir a dívida a um ritmo mais acelerado do que ao abrigo do PDE. Assim, as reformas estruturais não só são para continuar como serão mais exigentes. O Governo já apresentou, por exemplo, o PEC para 2017-2021, que reduz o investimento e despesa pública e mantém o congelamento de salários. Para além disso, terá de apresentar ajustamentos estruturais todos os anos para cumprir o Objetivo de Médio Prazo (OMP). De acordo com estes parâmetros, o Orçamento de Estado adivinha-se mais duro contra os trabalhadores.

Reduziu-se o défice à custa dos trabalhadores

BE e PC, que apoiam o Governo, falam de reposição de direitos, mas, para os trabalhadores, o rosto concreto da “retoma” da economia e do cumprimento do défice continuam a ser apenas a precariedade e os baixos salários, até porque, além de uma melhoria da conjuntura económica internacional, a redução do défice pelo atual Governo foi essencialmente conseguida através da manutenção do essencial das políticas de Passos Coelho contra os trabalhadores: manutenção dos cortes orçamentais nos serviços públicos, contratação insuficiente e congelamento de carreiras na Função Pública, baixos salários e contratos precários no Estado, manutenção do Código do Trabalho, aumento dos impostos sobre o consumo (automóveis, energia, alimentação) e manutenção de escalões de IRS que penalizam quem menos ganha.

O mercado laboral é ilustrativo: apenas 30% dos contratos em vigor são vínculos estáveis, dos 3,3 milhões de empregos criados entre novembro de 2013 e maio de 2017 apenas 1/3 se mantêm e a maioria dos novos empregos paga o salário mínimo ou pouco mais.

Lutar para virar a página da austeridade

Em suma, o modelo de “crescimento” de Costa tem os mesmos alicerces do Governo anterior: cumprir com a UE, a dívida e o défice. Por isso, não questiona o lugar reservado a Portugal na divisão do trabalho dentro da UE – prestador de serviços e turismo – e aceita que a mesma UE que nos obrigou a destruir o aparelho produtivo exija hoje ajustes estruturais contra os trabalhadores para garantir o cumprimento do défice e do pagamento da dívida.

Não haverá mudança para os trabalhadores, mulheres, negros, jovens precários e estudantes enquanto se mantiver a ditadura do cumprimento do défice e do pagamento da dívida impostos pela UE e pelo Euro. Por isso, sem rompermos com as regras do défice e o pagamento da dívida, sem batalharmos pela saída do Euro e da UE, sem voltarmos à luta pela devolução de tudo o que foi roubado, não há como virar a página da austeridade para os trabalhadores.

Maria Silva