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Volkswagen Autoeuropa: a pandemia não se cura com perda de direitos

Recentemente, a Volkswagen Autoeuropa suspendeu o trabalho normal ao fim de semana por imposição da pandemia, com o encerramento das escolas e o número de infeções e quarentenas a aumentar. Num momento em que se inicia a discussão do próximo Acordo Laboral na fábrica, é importante garantir que a pandemia não é usada como pretexto para cortar direitos dos trabalhadores.

Lucros de 2019 não se abalam com a pandemia

Depois de um ano de 2019 em que se bateram vários recordes de produção na fábrica de Palmela e na produção automóvel em Portugal, tendo o país entrado no ranking dos países produtores de automóveis com mais de 300 mil veículos produzidos, a pandemia abateu-se sobre o mundo e, como não poderia deixar de ser, também sobre a Volkswagen Autoeuropa. Ainda que contra a vontade da empresa, que não pretendia suspender a laboração, as linhas de produção pararam durante várias semanas devido à pressão dos trabalhadores.

Com as oportunidades abertas pela pandemia, e apesar de não estar em crise, a empresa recorreu ao lay-off, tendo poupado largos milhões. A crise pandémica não foi obstáculo para a Autoeuropa aparecer, no final do ano de 2020, como a segunda fábrica mais produtiva – leia-se lucrativa – da marca Volkswagen. Não fosse o facto de, mesmo com o lock-down de 2020, ter produzido, com uma significativa redução do custo, cerca do dobro dos veículos (192 mil) que há 3 anos tinha capacidade de produzir.

Manter postos de trabalho

Durante este quadro de pandemia e apesar dos ótimos resultados de 2019, a Volkswagen Autoeuropa optou em 2020 por não manter os postos de trabalho e promoveu despedimentos, quer através de otimizações, quer usando o pretexto da redução da produção dos veículos VW Sharan e Seat Alhambra. O resultado não tardou a chegar. Nas áreas da fábrica mais atingidas pelos mais de 200 despedimentos houve um aumento das cargas de trabalho e agora a empresa vê-se diante da incapacidade de reagir ao aumento de infeções pelo coronavírus, que motivam centenas de baixas, o que a leva à paragem atual.

Várias organizações representativas de trabalhadores opuseram-se corretamente a este corte de postos de trabalho, defendendo que não existindo motivos para o mesmo, a manutenção destes postos serviria de ferramenta para o combate ao vírus, talvez reduzindo o impacto na fábrica do aumento de infeções atual, permitindo mais rotação para reduzir concentrações nas pausas e trabalhadores de reserva nas equipas para fazer face às quarentenas e baixas por infeção.

Os carros não podem estar acima da saúde dos trabalhadores

Assegurar o restabelecimento do SNS para responder à pandemia

Contudo, tendo perdido a capacidade de reagir ao crescimento dos contágios, mas tendo ao mesmo tempo vontade de reiniciar a laboração a todo gás, coloca-se outra questão. Perante a rutura do Serviço Nacional de Saúde, onde se impõe o cenário de não haver meios de resposta aos casos pandémicos mais graves, retomar a laboração normal numa empresa de um setor não essencial que concentra num parque industrial mais de 15 mil trabalhadores será a medida mais acertada?

A resposta seria óbvia não vivêssemos nós num mundo capitalista, que põe o lucro à frente de perdas irreparáveis de vidas. A reação dos trabalhadores é sintomática porque, embora temendo a pandemia, sabem que se a produção para, a resposta dos patrões será apertar o cinto e despedir e, portanto, sentem-se impotentes para defenderem o que seria óbvio: parar o que não é essencial, mantendo salários e direitos, para assegurar o restabelecimento do SNS.

Lutar pela melhoria de direitos e postos de trabalho

Atualmente está em curso a discussão de um novo acordo laboral. De acordo com comunicações públicas, a empresa está a procurar apoiar-se na pandemia. No entanto, se por um lado não é verdade que a empresa atravessa um mau momento (veja-se a pressão para a retoma da produção a 100%), por outro, também não é verdade que a única resposta a uma situação de crise empresarial passe por corte de direitos e despedimentos.

Assim como diante da crise do SNS, é necessário defender nesta negociação o que está certo. Se, por um lado, o lucro não se pode sobrepor à saúde pública, por outro, a defesa da melhoria das condições de trabalho e do aumento de salários é o correto para que os trabalhadores que permitiram os resultados da fábrica dos últimos anos tenham melhores condições para resistir à pandemia.

João Reis