Internacional

Puigdemont e Junqueras não têm o direito de trair a soberania popular

O mandato de 1 e 3 de outubro exige a proclamação da República Catalã e a tomada de medidas de urgência em prol do povo trabalhador.

1. No passado dia 10 de outubro, o Governo da Generalitat catalã traiu a vontade popular expressa no referendo de 1 de outubro e na Greve Geral de dia 3. Em vez de honrarem o mandato popular, Puigdemont e Junqueras submeteram-se ao mandato dos representantes da Europa do capital (a UE), dos bancos e dos patrões, essa minoria inimiga dos direitos dos povos e da classe trabalhadora.

2. A “suspensão” da República Catalã meros oito segundos depois da sua proclamação envergonha um povo que ganhou o respeito e a admiração do mundo pela sua coragem e determinação. A assinatura, no último minuto, de uma declaração de independência sem qualquer valor jurídico e com um conteúdo próprio da direita serve apenas para adoçar a traição cometida. Não podemos concordar que os deputados e deputadas da CUP a tenham assinado.

3. Se foi possível ganhar o referendo de 1 de outubro, devemo-lo à mobilização massiva e à auto-organização popular. O Governo catalão, na verdade, não aspirava ir além de um mero protesto. Por isso dissolveu a Sindicatura Electoral e por isso a Assembleia Nacional catalã (ANC) apelou a que se fizessem filas silenciosas nas mesas de votação e deixasse a Polícia retirar as urnas. Mas o povo não seguiu essas indicações e garantiu a realização do referendo através de um autêntico levantamento popular, enfrentando a repressão selvagem com o próprio corpo. Dois dias depois, a Greve Geral paralisava o país numa das maiores mobilizações da história da Catalunha. Mas o Governo, em vez de respeitar o mandato popular e proclamar a República no calor do referendo e da Greve Geral, deixou passar uma semana para que a mobilização perdesse força, permitindo assim o contra-ataque económico e político do espanholismo reacionário e culminando na traição de dia 10 de outubro.

4. Para justificar o seu comportamento, o Governo da Catalunha veio falar de uma suposta “via eslovena”, mas fê-lo mentindo porque a Eslovénia começou a atuar como Estado soberano no preciso momento em que celebrou e ganhou o referendo “ilegal”, tomando o controlo das fronteiras, das tropas, da polícia, dos impostos e da justiça. O tratado de paz de Brioni, que “adiou” três meses os efeitos da declaração formal de independência, não foi mais que uma manobra diplomática porque, para todos os efeitos, a Eslovénia já era um Estado soberano.

5. Puigdemont-Junqueras justificaram a sua capitulação apelando a uma mediação internacional inexistente e a um diálogo impossível com um regime herdeiro do franquismo que não admite outra coisa que não a rendição incondicional e que apenas procura a vingança e uma humilhação exemplar.

6. Nesta fase, continuar a apelar à confiança na UE, como faz o Governo Puigdemont-Junqueras, é pura e simplesmente um crime. A UE e os seus Governos cerraram fileiras com o Rei e com Rajoy contra o povo da Catalunha e não hesitaram sequer em justificar a repressão selvagem de dia 1 de outubro. Mas a UE não é a “Europa”, mas sim uma engrenagem antidemocrática da oligarquia financeira contra os trabalhadores e os povos da Europa. É por isso que a UE não pode permitir que um povo imponha a sua vontade democrática derrotando leis injustas e ilegítimas. Nem pode permitir que o pagamento da dívida espanhola junto dos bancos europeus seja posto em causa. E muito menos pode permitir que outras minorias nacionais europeias cresçam e reivindiquem com mais força os seus direitos. Os nossos aliados são os trabalhadores e os povos da Europa. A UE e os seus Governos são os inimigos da República Catalã.

7. Com o acordo de Sánchez (PSOE) e o apoio expresso da UE, Rajoy já pôs em marcha a aplicação do Artigo 155. Se o Governo catalão não se humilhar, o Estado espanhol suspenderá a Autonomia, intervirá ao nível dos Mossos e da Educação e não hesitará em prender o Governo, começar a ilegalizar partidos, lançar uma razia repressiva contra os ativistas e montar umas eleições fraudulentas para assumir o Governo. Como incentivo à humilhação do Governo catalão, Madrid propõe a negociação de uma suposta “reforma constitucional” para daqui a seis meses que, como já declararam o PP e o PSOE, “em caso algum negoceia a unidade de Espanha”. Mas se o Governo catalão se humilhar, a perspectiva não é muito melhor porque o regime herdeiro do franquismo está igualmente determinado em “restabelecer a normalidade constitucional”, aniquilar a resistência e dar uma lição exemplar.

8. O PSOE-PSC é um colaborador necessário e cúmplice principal de Rajoy e do PP na sua guerra contra o povo da Catalunha. Juntamente com o PP, revelou-se um dos pilares básicos do regime. Quando o Rei chamou a cerrar fileiras, Sánchez vergou e acabou com os floreados. O seu apoio à repressão e ao Artigo 155 e a participação do PSOE-PSC na manifestação de 8 de outubro de braço dado com o PP, Ciudadanos e a extrema-direita nazi são uma demonstração gráfica da sua total degeneração política e moral.

9. Também é preciso dizer que, apesar dos protestos parlamentares contra a repressão, o Podemos e os Comunes de Ada Colau estão a jogar um papel nefasto, numa tentativa desesperada de reconduzirem o movimento para os carris do regime em nome de um “referendo acordado” que sabem ser impossível. Deslegitimaram o referendo alegando que, como não foi de comum acordo, não oferecia “garantias” e “não era reconhecido pela UE”. Depois, recusaram-se a reconhecer os resultados. Ada Colau foi patética ao apresentar-se como eco das “principais forças sindicais (leia-se: burocracia da CCOO-UGT), do mundo empresarial e das diferentes entidades da sociedade civil” para implorar a Puigdemont que não proclamasse a República Catalã, apelando a um “diálogo” para o qual sabia não existir interlocutor.

10. No dia 19 de outubro vence o prazo dado por Rajoy para ativar o Artigo 155. Mas aconteça o que acontecer, o movimento não foi derrotado. Apesar da traição do Governo, o movimento popular de 1 e 3 de outubro mantém as suas forças. Agora há que retomar a iniciativa e reativar a mobilização popular massiva para fazer frente à ofensiva repressiva do Estado e fazer respeitar o mandato de dia 1 de outubro. Ainda não foi dita a última palavra. Não podemos perder a confiança na vitória. 

Mas, para isso, não podemos depositar qualquer confiança num Governo que violou o mandato de dia 1 de outubro e que tem pânico da mobilização popular. Não hesitaremos nem um segundo em defender o presidente e os membros do Governo catalão da repressão vingativa dos herdeiros do franquismo, mas não podem receber qualquer apoio político. Com eles no comando, estamos condenados à derrota. A República Catalã será obra da luta independente dos trabalhadores e do povo ou não será República.

11. Agora, venha o que vier do regime herdeiro do franquismo, há que organizar e coordenar a resistência a partir das CDRs, do sindicalismo alternativo e dos diferentes movimentos de base, impulsionar a auto-organização e a autodefesa popular de forma independente do Governo e das suas correias de transmissão (ANC). Há que preparar a resposta em conjunto, incluindo a Greve Geral. Há que exigir e obrigar o Governo e o Parlamento a acatarem o mandato popular, a proclamarem a República Catalã e a porem de imediato os Mossos d’Esquadra ao serviço e em defesa da mesma.

12. Não se pode separar a luta pela proclamação imediata da República da luta pelas reivindicações sociais mais urgentes: a revogação imediata das reformas laborais, a orçamentação de reformas dignas, um salário mínimo de 1000€, a revogação dos cortes, a proibição dos despejos e a revogação do 3+2 e da LOMCE, entre outras. Estas são também a melhor garantia para conseguirmos a solidariedade ativa dos trabalhadores e trabalhadoras do resto do Estado espanhol e da Europa, de que necessitamos para sairmos vitoriosos. Hoje, o maior desafio é ganhar a maioria da classe trabalhadora para a tarefa de construir e proclamar a República Catalã como instrumento para conseguir o pão, o trabalho, a habitação, a igualdade e a soberania. Só uma República assim saberá dar resposta cabal aos bancos e empresas que transferem as suas sedes para fora da Catalunha.

A luta continua e a vitória é possível.

 

Por Corriente Roja

Texto originalmente publicado em castelhano aqui.