É urgente exigir da Geringonça que tome medidas efetivas de combate ao racismo e é necessário mobilizar os negras e negros trabalhadores em nome dessa palavra de ordem.
Esta necessidade torna-se patente no momento em que o Governo parece mostrar-se disponível para dialogar com pessoas e coletivos antirracistas. Em cima da mesa está a possibilidade do Estado português assumir a recolha de dados com base em critérios étnico-raciais, regulamentando-a de forma a que esta permita um conhecimento aprofundado das condições em que vivem as comunidades negras e ciganas em Portugal.
A recolha de dados transformará algumas das nossas convicções, em dados com validade científica. Por exemplo, as barreiras de acesso aos escalões superiores do ensino, as diferenças salariais em prejuízo dos negros e imigrantes, a maior concentração de negros e imigrantes nas periferias das cidades onde as condições de vida são mais precárias ou a maior presença de negros nas prisões portuguesas.
Mas, mais do que alimentar esperanças no governo, estes novos elementos estatísticos deverão servir para nos armarmos na luta contra os governos por medidas verdadeiramente antiracistas, que mudem a vida dos negros e negras.
Três anos de mobilizações
A possibilidade aberta pelo governo PS de estabelecer regras para recolha de dados étnico-raciais, não decorrem de um ato de generosidade da Geringonça. Ela tem por objetivo cooptar para a orla do Governo os setores que lutam contra o racismo, como tem procurado também fazer com a luta das mulheres.
Por outro lado, ela resulta da pressão de organismos internacionais e, acima de tudo, da mobilização crescente da comunidade negra em Portugal nos últimos três anos.
De resto, os acontecimentos de 5 de fevereiro de 2015 – durante os quais um grupo de jovens residentes na Cova da Moura foi agredido no interior da esquadra da PSP de Alfragide – foi o despertar de um movimento de tomadas de posição pública nos jornais, nos espaços de debate e nas ruas que pôs tudo em discussão. As manifestações não se fizeram esperar, da concentração de negros e negras da periferia junto às escadas de S. Bento, ainda no calor dos acontecimentos da esquadra de Alfragide, ao evento no Largo S. Domingos a 21 de março de 2015 sob o título «Vidas Negras Importam».
É neste contexto que surgiu a Campanha por outra Lei da Nacionalidade, que agregou largos setores da sociedade portuguesa em torno de uma exigência de nacionalidade para todos os nascidos em Portugal.
Foi a luta que nos trouxe até aqui. Só a mobilização dos trabalhadores negros e negras poderá garantir as conquistas por que ansiamos.
Só a luta garante conquistas
A recolha de dados de acordo com critérios étnico-raciais para efeitos estatísticos deve arrancar o quanto antes, sem mais delongas.
A comunidade negra e cigana e, em particular, os seus trabalhadores, não esquecem que os dois anos de Geringonça ainda não se traduziram em melhorias nas suas condições de vida. Mais do que palavras, o momento exige ação. Ação pela melhoria da habitação, pelo fim dos despejos e da especulação imobiliária de que os negros e imigrantes são as principais vítimas. Ação pela punição severa da violência policial que atinge negros e os imigrantes que vivem na periferia de Lisboa. Ação por reais condições de igualdade no trabalho e no acesso à educação, e que não serão alcançadas enquanto se mantiver a precariedade legalizada e o ataque aos serviços públicos. PS, PCP e BE devem aprovar alterações à Lei da Nacionalidade exigida por amplos setores da sociedade.
Só será possivel garantir e consolidar estas conquistas, se os negros, negras e imigrantes, se organizarem nos bairros e nos locais de trabalho, junto com a classe trabalhadora branca, para construir uma alternativa à Geringonça e à direita, uma alternativa que sirva verdadeiramente os trabalhadores e os setores mais oprimidos.