Enquanto fechávamos esta edição, a Justiça decretava a prisão de Lula. O ex-presidente chega a essa situação pelas próprias escolhas que fez. O PT governou para banqueiros, ruralistas, empreiteiras e grandes empresários. Fez isso apoiado nas mesmas alianças e esquemas de corrupção que sempre marcaram a política tradicional no Brasil, com Sarney, Renan Calheiros, Temer, Maluf, Collor, etc.
A direita tradicional, os meios de comunicação social, a Justiça dos ricos, Bolsonaro e os seus apoiantes dizem que a condenação de Lula acaba com a corrupção e a impunidade. O PT e os seus aliados do PSOL, por sua vez, afirmam que a condenação de Lula seria o aprofundamento de um golpe, um ataque à democracia burguesa e ao Estado de Direito. Não concordamos nem com uma coisa nem com outra.
Em primeiro lugar, para os trabalhadores e povo pobre, todos os corruptos e corruptores deveriam estar na cadeia, ter os seus bens confiscados e as suas empresas expropriadas. Essa é também a opinião do PSTU. Não se pode aceitar o argumento do PT, que defende impunidade para Lula acusando a Justiça de seletiva. A Justiça é seletiva sim, mas a saída é exigir a prisão dos demais corruptos, e não a impunidade geral.
Nesse sentido, é preciso exigir julgamento, condenação e prisão de Temer, Aécio, Alckmin, Bolsonaro e toda essa quadrilha encastelada no Estado brasileiro. E também dos empresários corruptores, pois também são ladrões dos recursos públicos do Brasil. É preciso confiscar os bens de todos eles.
A impunidade continua
A condenação e a prisão de Lula não acabam com a impunidade e a corrupção. O senador Aécio Neves (PSDB), apanhado em flagrante a pedir 2 milhões de reais (cerca de 500 mil EUR) a Joesley Batista (entre outras inúmeras denúncias de corrupção), não só está solto, como continua no Senado. Temer, então, nem se fala. São provas e mais provas de que ele é um notório corrupto: da gravação dizendo que “tem que manter isso aí”, referindo-se ao dinheiro para manter Eduardo Cunha calado na prisão, à mala do seu funcionário com 500 mil reais (cerca de 120 mil EUR). Bolsonaro, que se gaba de não ser corrupto, multiplicou o seu património nos 30 anos que esteve no Congresso e não é sequer investigado.
Praticamente todos os grandes empresários e empreiteiros presos pela Lava Jato, como Joesley Batista e Marcelo Odebrecht, ficaram pouco tempo na prisão e estão nas suas mansões aproveitando o dinheiro que roubaram.
A prisão de Lula não acaba com a corrupção e a impunidade. Todos esses bandidos que continuam no Planalto e no Congresso Nacional deveriam ser presos também e ter os seus bens confiscados, e as empresas envolvidas, nacionalizadas e colocadas sob controle dos trabalhadores.

Passado um mês, execução de Marielle e Anderson continua sem solução
A repercussão da morte de Marielle foi gigantesca. Ecoou rapidamente por todo o mundo. No dia 15 de março, o velório foi acompanhado por milhares de pessoas em frente à Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Em meio a palavras de ordem contra os governos e a atual política de segurança, com um cordão de mulheres negras, o corpo de Marielle chegava para o último adeus de amigos, companheiros de luta e familiares. À noite, a Cinelândia foi tomada pelo protesto. Mais de 50 mil pessoas ocuparam o centro do Rio. Vários atos ocorreram país afora, com destaque para São Paulo.
O PT e os seus aliados afirmam que a condenação e a prisão de Lula são grandes injustiças ou ataques ao Estado Democrático de Direito. Alguns chegam a comparar a negação dohabeas corpusa Lula pelo STF com o decretar do AI-5 na ditadura, quando se acabou com toda a liberdade de expressão, manifestação e reunião. Não havia nenhuma presunção de inocência e qualquer um podia ser preso, torturado, morto ou “desaparecido”, sem prova e sem julgamento.
Porém, não é isso que está em discussão. Pode-se ter uma tese jurídica ou outra. Também não está em questão acabar com a figura do habeas corpusnem acabar com a presunção de inocência, embora, para os pobres, isso não exista no Brasil. Se estivessem em questão as liberdades democráticas, aí sim todo mundo deveria se levantar contra isso numa frente única. Assim como devemos nos insurgir contra as execuções de Marielle e Anderson.
A execução da vereadora do PSOL e do seu motorista representa, de facto, um ataque às liberdades democráticas. A condenação de Lula, não. Por mais seletiva que possa ser a Justiça, a condenação de Lula é por corrupção, dentro das regras da democracia burguesa, e não um ataque às liberdades democráticas como foi a execução de Marielle.
Já se passou um mês sem que o assassinato tenha sido solucionado. Todos os sinais apontam para o envolvimento da polícia ou de milicianos. Além de esse crime não ter sido solucionado, aparecem cada vez mais sinais de que as autoridades agem para não o resolver mesmo.
Injustiça sofreu, também, Rafael Braga, pobre, negro e morador de rua, preso em 2013, também no Rio, porque carregava uma garrafa de desinfetante. Rafael não teve acesso sequer às liberdades democráticas existentes, e presunção de inocência, zero. De início, enquadrou-se nos “sem-instâncias”, vítimas dessa democracia dos ricos. Ficou preso até 2015 em regime fechado e, ao sair para o regime aberto, foi preso novamente num flagrante forjado pela Polícia Militar. Além de ser mais um preso nesse país por ser negro e pobre, é também um preso político.
Agora, quando as liberdades democráticas são realmente atacadas, como acontece com a intervenção no Rio (essa sim uma medida de exceção) e a execução de Marielle, o PT e o bloco burguês de colaboração de classes que esse partido chefia não estimulam uma reação das massas nas ruas. Pelo contrário, instigam a confiar nas investigações e a transformar tudo em atos eleitorais em prol da defesa dos ex-governos do PT. Isso tudo em frente ampla não só com a burguesia e com os supostos golpistas, mas também com o PSOL e o PCdoB, como no ato realizado no Rio de Janeiro.

Centenas de milhares de pobres e negros estão presos sem julgamento
Essa mesma democracia dos ricos que o PT e os seus aliados dizem estar sob ataque é a responsável pela prisão de centenas de milhares de jovens negros e pobres, encarcerados em cadeias superlotadas, sem ao menos serem julgados em primeira instância.
Dos 711 mil presos do Brasil, 291 mil são detentos provisórios que aguardam ainda o julgamento na Justiça. É um número maior que os presos já julgados e sentenciados: 275 mil. O restante são detidos em regime semiaberto ou aberto. Do total de presos do Brasil, 72% são negros.
Um levantamento do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) de 2013 revela como funcionam as prisões provisórias. No Rio de Janeiro, de cada quatro acusados de envolvimento com o tráfico, três estavam presos provisoriamente. No julgamento, menos de metade deles foram condenados a alguma pena. Ou seja, centenas de pessoas ficaram meses ou anos presas até serem julgadas e foram consideradas inocentes.
São jovens, pobres e negros, em sua grande maioria, que não têm nenhuma das tais garantias do Estado Democrático de Direito e têm a sua liberdade arrancada. Sem dinheiro para advogados, apodrecem na cadeia. Eles compõem grande parte das 60 mil pessoas que são assassinadas anualmente nesse país. Para esses, o Estado de Exceção existe na prática.
Nenhuma confiança na Justiça dos ricos
Temos de exigir a prisão dos corruptos e corruptores, mas não podemos depositar nenhuma confiança na Justiça dos ricos. Do STF (Supreo Tribunal Federal) aos juízes de primeira instância, todos defendem os interesses dos poderosos. São tão corruptos quanto os políticos do Governo e do Congresso e, ainda por cima, um bando de privilegiados.
Recentemente, causou escândalo a questão do auxílio-moradia dos juízes de mais de 4 mil reais por mês (cerca de 950 EUR). Até quem tem vários imóveis de luxo recebe. Só isso já é o dobro do que ganha a média dos trabalhadores no país. Esse privilégio é só a ponta do iceberg. A maioria dos juízes ganha mais do que o chamado teto constitucional, o máximo que, pela lei, alguém poderia ganhar no serviço público. O teto, hoje, é de 33 mil reais (cerca de 7800 EUR), mas a maioria dos magistrados, 71%, ganha mais que isso. Um verdadeiro escárnio com a grande maioria da população, que se vira para sobreviver com um salário de fome.

O Brasil precisa de uma rebelião
Os trabalhadores e o povo pobre deste país vivem, no seu dia a dia, uma guerra social promovida pelos governos e pela burguesia. A juventude negra das periferias é vítima do massacre em massa promovido pela PM (Polícia Militar). Os trabalhadores sofrem com a violência e o desemprego em massa, a retirada dos direitos e as crescentes medidas autoritárias. Vivemos um verdadeiro cativeiro social, como diz o samba-enredo da Tuiuti.
Não vamos mudar essa situação com eleições. Para virar esse jogo, precisamos fazer uma Rebelião. Temos de organizar os de baixo, que não são representados pelos diferentes blocos da burguesia, para derrubar os de cima, pôr para fora Temer e o Congresso Nacional e construir um governo socialista dos trabalhadores baseado em conselhos populares.
Só assim poderemos acabar de vez com essa guerra contra os pobres, com o massacre e o genocídio da juventude negra das periferias, garantir emprego, saúde, educação e uma vida digna para a classe trabalhadora e para a maioria da população. Só dessa forma poderemos colocar os corruptos e os bandidos de colarinho branco atrás das grades, ficar com os seus bens, fruto de roubo, e as suas empresas e colocá-las sob controle dos trabalhadores. Só assim podemos garantir os direitos mais básicos para a nossa classe, que hoje são desrespeitados todos os dias.
Redação do PSTU
Texto originalmente publicado aqui.