Recentemente, um dos administradores da Volkswagen, Andreas Tostmann, máximo responsável pela produção e logística da marca, e o director-geral da Autoeuropa, Miguel Sanches, deram uma entrevista à imprensa portuguesa que deve merecer a atenção dos trabalhadores do setor.
Apesar dos recordes de produção e do roubo dos fins-de-semana de descanso aos trabalhadores da fábrica de Palmela, para estes diretores, o ataque tem de continuar, a bem do aumento dos lucros do grupo. Da mesma forma, fazem uma ameaça aos restantes trabalhadores, o que deixa explícito o grau de dependência da economia portuguesa e os perigos que isso representa para quem trabalha no país.
“Temos lucros, mas queremos mais”
Na entrevista, o diretor afirma que, apesar de a marca continuar a ocupar um lugar de destaque a nível mundial, há um projeto de aumentar a produtividade em 30%. Em 2018, o grupo Volkswagen foi, pela quarta vez, o líder em vendas, enquanto a marca com o mesmo nome foi a segunda mais vendida em todo o mundo. A produção da Autoeuropa representou 3% da produção mundial em 2018 e o T-Roc ocupou e continuará a ocupar um lugar de destaque entre os modelos em que a marca aposta. Mas por que motivo, então, existe uma preocupação com a produtividade?
O investimento na Autoeuropa e a economia do país
Sob o manto de um grande investimento, a administração da Volkswagen Autoeuropa aumentou qualitativamente a exploração dos trabalhadores no país – os que trabalham na marca e todos os outros que são influenciados pela produção desta fábrica. Com este investimento, a economia portuguesa aumentou o seu grau de dependência, já que a Autoeuropa assume hoje um papel destacado no campo da produção e da exportação de bens.
É isto que permite que Tostmann e o seu súbdito Sanches possam fazer uma ameaça aos trabalhadores da fábrica de Palmela e a todos os outros que, de alguma forma, estiverem relacionados com a sua produção. Diz o primeiro sobre a greve dos estivadores que “não estamos a falar apenas do impacto que isso tem na empresa. Pode ter impacto sobre toda a economia” e finaliza com a ameaça de que “isto [a existência ou não de greves] ajuda a decidir onde queremos fazer os nossos investimentos futuros”. O reconhecimento do nosso grau de dependência é tal que permite que um administrador de uma multinacional se ache no direito de, a bem do seu lucro, exigir a todos os trabalhadores que sejam responsáveis – leia-se: subservientes – na forma como travam as suas lutas.
O futuro da Autoeuropa e do setor automóvel
Para a Autoeuropa, Miguel Sanches afirma que o futuro imediato será marcado pela “combinação entre a optimização do número de trabalhadores e as necessidades de produção”. Será que é devido a essa optimização que, ao invés de estarem a ser efetivados trabalhadores na fábrica de Palmela, estão a ser feitos contratos a termo, apesar das promessas e dos acordos em vigor na empresa?
Percebe-se que o setor automóvel está em mudança. Para a economia portuguesa, este é um tema central, já que este é um setor chave no país. A entrevista de que tratamos neste artigo ajuda a compreender o projeto dos patrões do setor: aumentar a dependência da economia, ao mesmo tempo que usufruem de trabalhadores baratos e sem capacidade reivindicativa.
Os trabalhadores devem construir o seu projeto, um projeto que os defenda dos ataques e construa organizações sindicais e políticas à altura desse projecto. Para isso, a Geringonça deve ser confrontada com o papel que tem desempenhado no fortalecimento dos objetivos dos Tostmann’s e dos Sanches’s no país.
Arnaldo Cruz
Texto publicado originalmente no jornal Em Luta, nº 13 (março de 2019)