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Setor Automóvel: Repensar os rumos na indústria

É uma realidade que o setor automóvel atravessa profundas mudanças. Há uma discussão em aberto sobre o futuro da produção deste setor com a pressão social por veículos sem emissões poluentes. Os grandes grupos avançam o carro elétrico como a solução ecológica. Os governos vão dando passos suportando este caminho. Mas será este o futuro para um setor automóvel amigo do ambiente e dos trabalhadores?

Agitação no setor automóvel – o carro elétrico

Apesar da superconcentração da produção automóvel pós-crise, mesmo para os gigantes do setor não acabaram os problemas. Em 2015, o Diesel Gate veio abanar a Volkswagen. A isto seguiu-se uma forte pressão social, e consequentemente também governamental, para a redução de emissões. Multiplicaram-se zonas de cidades livres de carros individuais, estradas de acesso proibido para camiões, várias iniciativas no sentido de reduzir as emissões. Foi neste contexto que se começou a introduzir o veículo elétrico como a solução para um setor automóvel amigo do ambiente. Contudo, são vários os estudos que apontam para as falhas desta solução.

Os impactos desta aposta das grandes empresas do setor

De facto, os veículos com motor elétrico não emitem gases de efeito de estufa durante a circulação. Contudo, a sua produção envolve metais cuja extração tem forte impacto social e ambiental.

O lítio pode ser extraído de duas formas. No caso das salinas, os grandes polos de extração concentram-se em zonas bastante secas da América do Sul (Bolívia e Chile). O processo de extrair o lítio das águas salgadas envolve muita água, o que está já a ter um forte impacto na agricultura e pecuária daquela região. Estima-se que sejam necessários 2 milhões de litros de água por tonelada de lítio, o que, por exemplo, no Salar de Atacama (Chile), já provocou o desaparecimento de 65% da água disponível na região. Para além desta consequência, existe também o risco de contaminação da água. A extração da rocha provoca um forte impacto na paisagem e também na emissão de poeiras, que poluem o ambiente das regiões em que estas minas existem.

A quinta maior reserva de lítio está em Portugal. Tem, no entanto, existido alguma resistência popular ao aparecimento de novas minas, apesar da permissividade e até apoio que os Governos do PS têm dado a esta iniciativa, que não traz ganhos em postos de trabalho e cujo impacto ambiental, como vimos, é gigantesco. 

Contudo, não é o ambiente o único prejuízo das baterias de lítio. Um estudo recente, na Alemanha, estima que sejam necessários menos 400 mil postos de trabalho na indústria automóvel na transição para o carro elétrico, sendo que, no passado ano de 2019, já foi anunciado o corte de 50 mil postos de trabalho.

Uma resposta dos trabalhadores para o futuro deste setor

Existe a suspeita de que, com o carro elétrico, está em curso uma manobra dos grandes grupos para aumentar a exploração do trabalho no setor, com a introdução de mais robotização e o corte de postos de trabalho. É necessária, por isso, uma resposta dos trabalhadores.

Não é possível um novo rumo para o setor sem questionar a indústria voltada para o carro individual. Um grande passo para a redução do impacto ambiental deste setor é o transporte coletivo, o que ao mesmo tempo responde a uma necessidade muito sentida pelos trabalhadores em geral numa realidade em que estes transportes são cada vez mais caros e com menos qualidade. Um tal processo não pode passar pela destruição de empresas e postos de trabalho, mas antes por uma conversão de todo o setor, apenas possível com uma organização social e económica voltada para os interesses dos trabalhadores, e não para o lucro de meia dúzia. Assim, a discussão sobre o futuro do setor automóvel passa também por uma luta pelo poder do Estado. Só um Estado controlado pelos trabalhadores pode trazer um setor automóvel ecológico e que, ao mesmo tempo, não seja usado para atacar quem trabalha.

Arnaldo Cruz