Há algumas semanas, o Governo anunciou uma medida que, supostamente, “regulariza” temporariamente os imigrantes que tiverem manifestações de interesse pendentes junto ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) e que estiverem a aguardar por autorizações de residência em Portugal.
A situação mais comum abrangida pela medida é a dos imigrantes que apresentaram contratos de trabalho ou recibos verdes que comprovam que estão a trabalhar no país, seja por conta de outrem, seja como trabalhadores independentes, e ainda não tiveram resposta do SEF.
A notícia de uma medida que “regularizava” os imigrantes imediatamente despertou esperanças entre milhares de trabalhadores que, cheios de incertezas, aguardam por tempo indefinido as demoradas respostas do SEF. No entanto, logo foi possível ver que esta medida não resolve de todo a situação dos imigrantes em Portugal.
Afinal, o que faz a medida do Governo?
Na verdade, o que a medida do Governo faz é apenas o mínimo dos mínimos – dizer em plena pandemia que estes imigrantes devem ter acesso ao sistema de saúde, aos apoios da Segurança Social e aos serviços públicos no geral em igualdade em relação aos portugueses.
A medida nem sequer abrange todos os imigrantes, pois refere-se só aos que já têm manifestação de interesse feita Para além disso, só deve durar enquanto durarem as medidas excecionais ligadas à pandemia. E os demais imigrantes? Não têm direito à saúde e a Segurança Social? E depois de acabarem as medidas excecionais ? Como fica o direito à saúde?
A verdade é que o Governo não garante nenhum desses direitos aos imigrantes.
Trabalhadores imigrantes ainda mais desamparados
Os e as imigrantes estão nos postos de trabalho mais precários. Ficam, durante meses, a trabalhar na restauração, na hotelaria, nas limpezas, na construção civil, a fazer jornadas extenuantes e horas-extras não pagas, a aguardar falsas promessas de contratos que nunca lhes são dados.
Enquanto estão nessa situação, não conseguem denunciar à Autoridade para as Condições no Trabalho (ACT), ou a qualquer outra autoridade, as violações dos seus direitos laborais (inclusivamente o facto de trabalharem sem contratos) porque estão “ilegais”. Entretanto, não conseguem “legalizar-se”, porque os patrões não cumprem os seus direitos laborais e não lhes dão contratos de trabalho. Quando, finalmente, conseguem contratos, ficam por tempo indefinido a aguardar resposta do SEF. E, enquanto isso, os patrões lucram com a superexploração desses trabalhadores.
Agora, com a pandemia, os trabalhadores que não têm contratos estão completamente desamparados. Os que têm contratos, ou estão a sofrer com a perda de rendimentos do layoff, ou estão entre os primeiros a sofrerem com os despedimentos. Isto porque, embora os seus postos de trabalho sejam permanentes nas empresas, estas fazem contratos a termo fraudulentos para não terem que pagar todos os direitos. Com a pandemia, os patrões estão livres para anunciarem que não renovarão os contratos, e os trabalhadores nem sequer veem as indemnizações que, por lei, deveriam receber ao serem despedidos.
O Estado considera os imigrantes ilegais, mas tolera todas as ilegalidades dos patrões
Infelizmente, a absurda notícia a respeito do imigrante que foi assassinado por espancamento de agentes do SEF dentro do Aeroporto de Lisboa no mês de março não é um acidente: é o resultado da política de absoluto descaso do Governo português em relação às vidas dos imigrantes.
O Estado português chega aos imigrantes apenas para os reprimir e para lhes dizer que são ilegais, enquanto tolera todas as ilegalidades dos patrões e nega os mais básicos direitos a tantos trabalhadores. Racista e xenófobo, o Estado permite aos patrões aproveitarem-se da vulnerabilidade em que ficam os imigrantes para aumentarem a superexploração.
Chega de descaso! A vida dos imigrantes importa!
Nenhum ser humano é ilegal: trabalho digno, saúde, Segurança Social e acesso a todos os serviços públicos são direitos que devem ser garantidos a todos os trabalhadores, imigrantes e demais, de forma constante ao longo do tempo, e agora mais do que nunca.
Neste momento, para enfrentarmos a pandemia, os imigrantes e todos os trabalhadores em geral temos de ter direito a fazer quarentena sem perdermos rendimentos. Temos de ver garantidos os postos de trabalho, com todos os direitos dos trabalhadores e condições dignas.
À pandemia está a seguir-se uma verdadeira crise social, gerada pelos patrões e pelos governos. E aos imigrantes, que ocupam trabalhos fundamentais para a construção e o funcionamento do país – como as limpezas ou entregas, que no pior da pandemia jamais cessaram –, enfrentar esta crise social será ainda mais difícil, porque o Estado deixa-os à margem dos poucos apoios que há.
O decreto do Governo nada resolveu: já há muito tempo que precisamos é que o SEF seja completamente reformulado, inclusivamente com reforço na contratação de funcionários, e organizado verdadeiramente para atender e regularizar todos os imigrantes, garantindo-lhes os documentos sem os quais todos os demais direitos lhes são negados.
É urgente a regularização definitiva de todos os imigrantes e, juntamente com ela, a garantia de acesso a trabalho digno, à Segurança Social e à saúde para todos!