Quem não conhece algum negacionista-Covid-19, frontal ou disfarçado? No primeiro bloco temos figuras famosas, como o presidente brasileiro Jair Bolsonaro ou o presidente norte-americano Donald Trump. Ambos minimizam as consequências da pandemia e proclamam remédios supostamente milagrosos como a cloroquina. Não por coincidência, os seus países lideram o trágico ranking de casos e mortes pela doença: quase 7 milhões de casos e 201.699 mortos nos EUA; quase 4,5 milhões de casos e 134.363 mortos no Brasil. (1)
Os negacionistas disfarçados são mais sofisticados: começam, muitas vezes, por negar o seu próprio negacionismo. Alegam ter dúvidas. Duvidam da eficácia do confinamento e do uso da máscara e têm a Suécia como exemplo de sucesso. Justamente o país que, com praticamente o mesmo número de habitantes de Portugal e um padrão de vida bem mais elevado, ocupa hoje o 36º lugar no mundo em número de infectados por milhão de habitantes e o 13º lugar em número de mortos por milhão de habitantes. (2) Portugal ocupa, respectivamente, o 51º e o 41º.
Quer isso dizer que a política do governo português em relação à pandemia está a ser correta? Não. Basta ver como o número de casos e mortes vem aumentando nas últimas semanas, não por coincidência a partir do momento em que foram relaxadas as medidas de distanciamento social e o país aproximou-se da dita “normalidade”. Basta ver a tragédia nos lares de idosos. Ou constatar como há mãos-largas na injeção de recursos públicos em “novos bancos” e layoffs, enquanto o desemprego se aproxima dos 10% e o investimento no Serviço Nacional de Saúde permanece bastante aquém das necessidades.
Frente aos mais de 700 casos de infecção e aos 5 a 10 óbitos diários provocados pela doença nos últimos dias e ao aumento do número de internamentos e de ocupação das unidades de cuidados intensivos – e isso tudo antes da chegada do inverno – o primeiro-ministro António Costa, numa atitude irresponsável, empurra a responsabilidade pelo controle da pandemia e pela manutenção do emprego para a população. Como se fossem os trabalhadores a mandar nas empresas e no país. Como se não fossem os trabalhadores, em especial os mais pobres, obrigados a viver em péssimas condições em função do desemprego, dos baixos salários e da precariedade; a utilizar comboios, metros e autocarros superlotados, em situações em que a máscara, por mais eficaz que seja, não poderá jamais impedir a contaminação.
Na verdade, o governo do PS em Portugal tem muito mais afinidade com a gestão sueca da pandemia do que possa parecer. Ambos obedecem à lógica capitalista de manter as empresas funcionando para manter os lucros ou minimizar as perdas dos patrões. Em Portugal, o confinamento ou o distanciamento só podem ser praticados por uma minoria, e mesmo essas medidas já estão a ser descartadas pelo governo que apela agora a uma genérica “responsabilidade civil”. Na Suécia, o epidemiologista que comanda a gestão da doença, Anders Tegnell, não defende o uso de máscaras nem o confinamento e, segundo foi revelado recentemente, teria descartado a possibilidade de reduzir em 10% a contaminação de idosos em consequência da Covid caso as escolas fossem fechadas. “10% vale a pena?”, teria questionado.
Os idosos, mas também os pobres, são os mais vulneráveis aos efeitos da pandemia. Com discursos mais ou menos piedosos, mais ou menos cínicos, os governos descartam-nos em nome da normalidade capitalista. Seria relativamente fácil impedir que uma pandemia passível de ser neutralizada com água e sabão assumisse as dimensões que esta está a assumir. Por que isso não acontece? Porque para isso seria preciso parar tudo e pôr a economia a serviço da humanidade e não dos ricos e dos seus vassalos, estejam eles nos EUA, na Suécia, no Brasil ou em Portugal.
(1) Fonte: https://www.worldometers.info/coronavirus/ em 17.09.2020
(2) Fonte: idem.