Al Quds
A exemplo da segunda Intifada (2000), o ponto de partida foram as lutas dentro da cidade de Al Quds (nome árabe da cidade de Jerusalém). No bairro palestiniano de Sheikh Jarrah, as famílias palestinianas resistem à limpeza étnica contínua e agora negaram-se a aceitar as ordens de despejo de tribunais israelitas para que as suas casas sejam entregues a colonos israelitas.
Na Porta de Damasco, a principal entrada da cidade velha, local tradicional de encontro e de confraternização da juventude palestiniana, a juventude levantou-se contra as ordens policiais de proibir a sua permanência no local.
Dentro da cidade velha, os palestinianos muçulmanos lutam pelo seu direito de rezar livremente na Mesquita de Al-Aqsa, o terceiro local mais sagrado do Islão, o que levou a enfrentamentos com a polícia e exército israelitas na Esplanada das Mesquitas. Além da polícia e do exército, o Estado de Israel utilizou grupos fascistas sionistas para atacar os palestinianos, centenas dos quais foram feridos e/ou presos.
Palestina de 48
De Al-Quds, o levante palestiniano espalhou-se para a Palestina de 48 (como os palestinianos denominam as suas terras ocupadas em 1948, que a ONU reconhece como Estado de Israel).
A juventude palestiniana foi às ruas nas cidades e bairros palestinianos como Lyd, Yaffa, Ramla, Nazaré, Haifa, Acre, Umm al-Fahm e no Nakab. Vale lembrar que o atual levante palestiniano foi precedido pelas recentes mobilizações em Umm al-Fahm contra a colaboração da polícia israelita com gangues criminosas.
Conforme relata a jornalista Linaa Al-Saafin, o ponto alto foi a cidade de Lyd, próxima de Tel-Aviv e local do principal aeroporto israelita. Em 1948, a maioria dos 19 mil habitantes palestinianos foi expulsa e 200 foram executados pelas milícias sionistas, que contavam entre os seus integrantes com o futuro primeiro-ministro israelita Itzhak Rabin. Hoje cerca de 30% dos seus habitantes são palestinianos.
No dia 10 de maio, os palestinianos colocaram uma bandeira da Palestina num poste de luz, em solidariedade para com os palestinianos de Al-Quds e, em retaliação, um colono israelita assassinou o palestiniano Moussa Hassouna na mesma noite. No dia seguinte, o seu funeral também foi alvo de bandos fascistas sionistas. O primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, declarou Estado de Emergência na cidade (pela primeira vez desde 1966), enviou 16 unidades policiais à cidade e declarou que “O Estado judeu não tolerará pogroms (perseguições, em iídiche) contra os nossos cidadãos”. O ministro de Segurança Pública, Amir Ohana, pediu a libertação do assassino de Moussa Hassouna e declarou: “A prisão do atirador em Lod e osseus amigos, que aparentemente atuaram em autodefesa, é terrível. Cidadãos cumpridores da lei que portam armas são para as autoridades uma força multiplicadora para a imediata neutralização de ameaças e perigos”.
Essa declaração é emblemática da natureza colonial do Estado de Israel, que estimula grupos fascistas de extrema-direita a continuarem com os seus crimes, como o Lehava, a Juventude da Colina, as torcidas de futebol “La Familia” e do Beitar Yerushalaim, que invadiram Lyd, queimaram carros dos palestinianos, atacaram a mesquita, vandalizaram o cemitério gritando “Morte aos árabes”. Em Bat Yam, o linchamento de um palestiniano foi televisionado em simultâneo com a invasão de casas de palestinianos em Haifa e Acre. No dia 10 de maio, autoridades policiais anunciaram que mil cidadãos foram presos, dos quais 850 são palestinianos e 150 apoiantes.
Gaza
Sitiados pelo Estado de Israel e pelo regime egípcio desde 2007 e submetidos a bombardeios sionistas frequentes, 2 milhões de palestinianos vivem uma crise humanitária dramática na Faixa de Gaza. Segundo o jornalista Ahmed Gabr, 80% das atividades industriais e das oficinas fecharam devido ao bloqueio israelita e à consequente falta de suprimentos. A pesca está limitada devido ao cerco da marinha israelita. Os bombardeamentos israelitas às estações de geração de energia e tratamento de água tornam o fornecimento de energia elétrica limitado a 4h por dia, em média, e 96% da água está contaminada, imprópria para consumo. Sob novo massacre, os palestinianos podem ficar sem qualquer energia em poucos dias. O poder de facto é exercido pelo Hamas, após a sua vitória nas eleições parlamentares de 2006, o que não foi aceite nem pela potência ocupante israelita nem pelos imperialismos americano e europeu.
Gaza tem, historicamente, um papel protagonista na luta palestiniana. Foi em Gaza que se iniciou a primeira Intifada, em 1987, e onde ocorreram as marchas do retorno, em 2018-2019, nas quais foram mortos 189 palestinianos pelo exército da ocupação israelita e mais de 20 mil ficaram feridos.
Frente aos acontecimentos em Al-Quds, o Hamas, juntamente com a sua aliada Jihad Islâmica, lançou alguns foguetes ao Estado sionista como alerta de que estava unido à resistência.
Diferentemente do que difunde a propaganda sionista, a resistência é legítima sob ocupação, por todos os meios: isso não é terrorismo. Terrorista é o Estado racista de Israel.
Desde então, Gaza enfrenta novo massacre, sendo brutalmente bombardeada pela força aérea israelita, que lança mísseis com alto poder destrutivo. Segundo o relator da ONU, cerca de 300 edificações foram afetadas pelos bombardeamentos, e até o momento 200 palestinos foram mortos e milhares, feridos.
Há uma visível melhoria tecnológica dos foguetes lançados a partir de Gaza, tanto na capacidade de lançamento em série, o que dificulta a sua interceção, como também quanto à ampliação de alcance – agora podem atingir alvos até 250 quilómetros.
Apesar da melhoria no alcance dos seus foguetes, eles não fazem frente aos mísseis e aviões de última geração fornecidos pelos Estados Unidos ao exército israelita. Por isso, não podemos denominar a agressão israelita de guerra, mas sim de massacre.
Cisjordânia
Na Cisjordânia, a resistência palestiniana enfrenta um regime de apartheid com muros e checkpoints impostos pela ocupação israelita, bem como a polícia e o serviço de inteligência da Autoridade Palestiniana, que mantem um vergonhoso acordo de cooperação com o Estado de Israel em matéria de segurança.
Apesar das dificuldades, em todas as cidades e aldeias palestinianas na Cisjordânia, tais como Ramallah, Belém, Al-Khalil (Hebron), a juventude palestiniana manifesta-se e enfrenta forte repressão das forças militares da ocupação, o que obrigou a Autoridade Palestina a posicionar-se contra os bombardeios israelitas a Gaza e pela retoma das negociações.
Refugiados e diáspora
O quadro da luta palestiniana completa-se com a forte mobilização dos palestinianos que vivem fora das terras palestinianas (mais da metade da população de cerca de 13 milhões), e aos quais a potência ocupante israelita não permite regressar.
Há intensa agitação entre a juventude nos campos de refugiados palestinianos na Jordânia e no Líbano, países nos quais os palestinianos, unidos aos árabes locais, organizaram manifestações na fronteira com a Palestina ocupada, sendo reprimidos por forças israelitas, jordanianas e libanesas.
Além da Jordânia e do Líbano, houve mobilizações de solidariedade em muitas cidades em todo o mundo (Londres, Paris, Berlim, Nova Iorque, Istambul, Cidade do Cabo, São Paulo e um longo etcétera) com grande presença palestiniana e árabe em geral.
Nos países árabes também houve manifestações na Tunísia, na Líbia, em Marrocos e em Idlib (província síria sitiada pelas forças do regime sírio).
A posição do imperialismo
Entre as várias declarações apelando ao cessar-fogo entre o Estado de Israel e o Hamas, a posição exemplar é a da administração democrata dos Estados Unidos.
O presidente Biden e o seu secretário de Estado, Anthony Blinken, defenderam o direito do Estado racista de Israel de se defender das “agressões” dos palestinianos. Além disso, recusam-se a rever a venda de US$735 milhões em armas de alta tecnologia ao Estado de Israel, que as utiliza para promover o massacre em Gaza. Vale lembrar que os Estados Unidos doam US$3,8 biliões por ano em armamento ao Estado de Israel. E também vetam qualquer resolução no Conselho de Segurança da ONU em que não haja a concordância israelita.
Por fim, a ONU faz as declarações costumeiras pela redução dos ataques tanto pelos palestinianos como pelos israelitas e pela retoma das negociações, visando a implementação da “solução de dois estados”, injusta desde sempre e já inviabilizada pelo avanço da colonização das terras palestinianas por colonos israelitas.
Algumas conclusões iniciais
O atual levante palestiniano acontece de forma espontânea e superou a fragmentação imposta pela colonização israelita e tornou-se um levante de toda a população dentro e fora da Palestina ocupada. Este facto de primeira magnitude recoloca a perspectiva da unidade palestina que fora abandonada pela OLP após os acordos de Oslo (1993). Além disso, recoloca na prática a luta por uma Palestina livre, laica e democrática, do rio ao mar, bandeira original da OLP que fora abandonada e substituída pela “solução de dois estados”.
O atual levante palestiniano, que une a sociedade fragmentada, como sempre, enfrenta inimigos poderosos: o Estado de Israel e as suas forças militares, policiais e paramilitares; o apoio decisivo do imperialismo americano e europeu, além da complacência da ONU e da “comunidade internacional”; os regimes árabes, vários dos quais em processo de normalização com o Estado de Israel; e a burguesia palestiniana, representada pela Autoridade Nacional Palestiniana, que é beneficiária dos negócios da ocupação e colabora na repressão com a potência ocupante israelita.
Para que o levante palestiniano se consolide como uma terceira Intifada, é necessária a sua coordenação local e uma coordenação internacional que represente os palestinianos de 48, de Al-Quds, da Cisjordânia, de Gaza e da diáspora, como a OLP fez desde o final dos anos 1960 até aos acordos de Oslo, e que coordene as diferentes expressões da resistência palestiniana sob o horizonte político do desmantelamento do Estado de Israel, por uma Palestina livre, laica e democrática, do rio ao mar. Um exemplo é o movimento de mulheres palestinianas Tal´at, que afirma que não há uma nação livre sem mulheres livres e que se recusa a cooperar com as organizações feministas sionistas, unindo a luta contra o machismo com a luta pela libertação nacional.
A unidade com as revoluções árabes é outro ponto fundamental da estratégia pela libertação da Palestina. Enquanto as ditaduras árabes colaboram direta ou indiretamente com o Estado de Israel, as massas árabes apoiam os palestinianos. A entrada em movimento das massas árabes constitui a principal base de apoio para as massas palestinianas, e daí a necessidade de construir laços de solidariedade.
Da mesma forma, a ampla unidade de ação em apoio à resistência e para fortalecer a solidariedade internacional e campanhas como o BDS (boicote, desinvestimento e sanções) também são fundamentais para desmascarar o apartheid e a limpeza étnica a que estão submetidos os palestinianos, e para pressionar os governos em cada país.
Para levar essa luta até ao fim, é necessária uma nova direção política, revolucionária, para a luta pela libertação da Palestina. As atuais organizações, sejam nacionalistas, de esquerda ou de orientação islâmica, não possuem um programa político que aponte nessa direção. A principal organização nacionalista é o Fatah, liderado por Mahmoud Abbas, que dirige a Autoridade Palestiniana, a qual coopera diretamente com a ocupação israelita. As principais organizações da esquerda palestiniana (FPLP, FDLP e PP), à sombra da Autoridade Palestiniana, viraram as costas às revoluções no mundo árabe ao apoiar ditadores como Bashar el-Assad (veja artigo do jornalista Tamer Khorma – ). Já as organizações de orientação islâmica (Hamas, Jihad Islâmica, Ra’am na Palestina de 48) defendem uma Palestina islâmica, o que divide as massas palestinianas. Além disso, as relações políticas entre a Jihad Islâmica e a ditadura capitalista iraniana colocam-na na contramão das lutas democráticas da classe trabalhadora iraniana, síria e libanesa (veja artigo de Fábio Bosco sobre a relação entre a resistência palestiniana e as revoluções árabes).
É claro que essa nova direção política estará baseada na classe trabalhadora palestiniana, nos camponeses e nos jovens trabalhadores, que constituem as classes sociais com o interesse estratégico de derrotar o Estado de Israel, desmantelá-lo e construir uma Palestina livre, laica e democrática do rio ao mar.
- Pelo fim do massacre israelita a Gaza!
- Apoio incondicional à resistência palestiniana e solidariedade internacional efetiva!
- Unidade militar com o Hamas e todas as organizações palestinas contra a agressão israelita e pelo fim do bloqueio a Gaza! Reparação por todos os danos causados à população de Gaza!
- Pelo fim dos despejos de famílias palestinianas e a demolição de suas casas na contínua limpeza étnica!
- Proibição da presença de forças militares, policiais ou paramilitares israelitas na cidade velha de Al Quds, principalmente na Esplanada das Mesquitas!
- Retirada imediata de todas as forças de ocupação israelita da Cisjordânia, Al Quds e de todas as cidades e bairros palestinianos! Pela dissolução do exército e da polícia israelenses!
- Pela anulação de todas as leis racistas contra os palestinianos!
- Liberdade para todos os presos políticos palestinianos!
- Pelo direito de retorno dos refugiados palestinianos!
- Unificação das lutas palestinas e construção de conselhos operários e populares para centralizar a resistência palestiniana!
- Por uma nova direção política revolucionária para a libertação da Palestina!
- Pelo fim do Estado racista de Israel e as suas políticas de apartheid e limpeza étnica!
- Por uma Palestina livre, laica e democrática, do rio ao mar!
Por: Liga Internacional dos Trabalhadores (LIT-QI)
Texto originalmente publicado aqui.
Revisão de texto para português europeu: Em Luta