Nesse dia, três aviões comerciais com seus passageiros, que tinham sido previamente sequestrados, foram impactados com cargas explosivas contra edifícios do complexo World Trade Center, entre eles, as famosas Torres Gémeas, que acabaram por desmoronar. Morreram 3.016 pessoas e mais de 6.000 ficaram feridas, na sua maioria trabalhadores das empresas que tinham escritório nesses prédios e dos corpos de bombeiros que ajudaram no resgate. As imagens impactantes percorreram o mundo. O governo de George Bush filho atribuiu este atentado suicida à organização Al Qaeda, liderada pelo milionário saudita Osama Bin Laden, com apoio do Talibã, que governava o Afeganistão. Diversas investigações independentes concluíram que o Governo norte-americano sabia que o atentado ocorreria e que “deixou acontecer” para aproveitar o seu efeito.
Naquele momento, muitos trabalhadores e povos do mundo viram com simpatia o atentado, com a sensação de que o imperialismo norte-americano “provava do seu próprio veneno”,já que em muitas ocasiões invadiu, agrediu e bombardeou países e povos.
Compartilhamos esse sentimento anti-imperialista, mas, ao mesmo tempo, expressamos que a LIT-QI “não compartilha a utilização de métodos individuais terroristas, de ações separadas do movimento de massas. Acreditamos que o caminho para acabar com esse sistema é o da ação direta de milhões de trabalhadores”.
Neste sentido, consideramos que, para os revolucionários, a principal tarefa dentro dos países imperialistas é ganhar os trabalhadores e as massas para que apoiem as lutas dos povos oprimidos contra a sua própria burguesia imperialista, como ocorreu nos EUA durante a guerra do Vietname. Por suas características (o maior número de vítimas ocorreu entre trabalhadores inocentes), este atentado teve o efeito oposto e criou uma base de massas para a utilização política que Bush fez do facto.
O Projeto do Novo Século Americano
Porque Bush aproveitou o efeito político que os atentados produziram e, depois do 11 de Setembro (11S), não só conseguiu o apoio de setores centrais da burguesia imperialista como também o apoio popular para a sua política, que já não aparecia como agressiva, dando lugar ao “estão a atacar-nos e devemos defender-nos”. Nesse contexto, lançou a “guerra contra o terror” contra o que chamou de “o eixo do mal”: entre outros, os governos do Afeganistão, Iraque, Síria, Coreia do Norte e Irão.
O conteúdo real da guerra era o de levar adiante o chamado Projeto do Novo Século Americano: a necessidade de lançar uma ofensiva militar no mundo para garantir o controle de recursos naturais (como o petróleo) e de países considerados geopoliticamente importantes para esse controle. O governo republicano de Bush dava uma guinada na política que o imperialismo norte-americano vinha aplicando desde a sua derrota no Vietname (centrada noutras táticas para defender os seus interesses) e voltava à política agressiva do Segundo Pós Guerra (entre 1950 e 1975).
A “guerra contra o terror”
O primeiro acontecimento dessa guerra foi a invasão do Afeganistão, com participação de tropas da Grã Bretanha e de outros países imperialistas, para derrotar o governo Talibã (acusado de ter ajudado os autores do 11S), em outubro de 2001. Esta coligação recebeu o nome de Força Internacional de Assistência para a Segurança (ISAF). O passo seguinte foi a invasão ao Iraque, em março de 2003, para derrotar o governo de Sadam Hussein (acusado de possuir “armas de destruição massiva”).
Ambos os governos foram derrubados facilmente, mas o imperialismo viu-se obrigado a manter ocupações militares permanentes, que tiveram que enfrentar guerras de libertação nacional de curso cada vez mais desfavorável e que se encaminhavam objetivamente para a sua derrota. Nela, seguindo os ensinamentos e critérios dos nossos Mestres no marxismo (Lenin e Trotsky) para este tipo de guerras, localizamo-nos, claramente, no lado do povo afegão contra o imperialismo.
No marco desta posição de princípios, tínhamos totalmente nítido que a direção dessa luta eram os Talibãs, uma organização reacionária, inclusive com traços fascistas. Por isso, embora nos localizássemos no mesmo campo militar de luta contra o imperialismo (enquanto durasse a guerra), sempre os combatemos politicamente.
A guinada de Obama
Esta dinâmica cada vez mais desfavorável na guerra do Afeganistão (e também na do Iraque) teve um primeiro impacto nos EUA nas eleições presidenciais de 2008, com o triunfo do democrata Barack Obama. O novo presidente, primeiro tentou “aumentar a aposta” e chegou a ter um contingente de 100.000 soldados norte-americanos no Afeganistão, mas isto não reverteu a situação.
Aí começa uma guinada: a retirada paulatina de tropas até deixar em torno de 10.000 soldados na base de Bagram (acompanhados de contingentes menores de soldados de outros países imperialistas). Os objetivos eram, por um lado, proteger Cabul, as instituições centrais do regime fantoche e os bairros mais centrais. Por outro, realizar operativos de “assassinatos seletivos” contra líderes Talibãs. De facto, a estratégia de retirada já estava definida.
Por isso, simultaneamente promoveu, projetou armas, treinou e financiou com numerosos fundos a construção de um “exército nacional afegão” capaz de sustentar o regime de Cabul e conter os Talibãs. Em teoria, contava com 300.000 efetivos bem armados e treinados. Mas isto acabou por revelar-se um “castelo de areia”, que desmoronou quando a retirada definitiva das tropas imperialistas já era um facto irreversível, especialmente no interior, onde as suas unidades eram comandadas por chefes tribais regionais corruptos, transformados em “senhores da guerra”.
O “efeito derrota”
O projeto Bush do Novo Século Americano e a “guerra contra o terror” tinham sido derrotados. Cada vez que o imperialismo sofre uma derrota deste tipo, o seu impacto é muito forte na situação mundial. Foi o que ocorreu, por exemplo, após a derrota na guerra do Vietname (1975), quando se cunhou o termo “síndrome do Vietname”. O ocorrido agora é diferente, e talvez não tenha a mesma magnitude, mas o “efeito derrota” é similar.
Em que consiste? Em primeiro lugar, impacta o próprio imperialismo, que sente que não está em condições de fazer ações militares profundas por temor às suas consequências. Está muito mais na defensiva. É impossível entender a viragem geral que o governo Obama dá na sua política internacional e a utilização privilegiada de táticas de negociação e diplomacia sem colocar esse marco.
Inclusive o próprio Donald Trump, que por vocação e personalidade teria querido “sair atropelando”, ficou aprisionado nessa realidade. Não pôde bombardear a Coreia do Norte e teve que optar pelo “caminho chinês” da negociação; fracassou notoriamente nas suas ameaças de invadir a Venezuela e, no final do seu Governo, foi ele quem começou a promover a saída definitiva dos soldados norte-americanos. Expressou: “Depois de todos estes anos, é hora de trazer a nossa gente de volta para casa”, e iniciou negociações com os Talibãs.
Junto com esse enfraquecimento do imperialismo, toda a derrota desse tipo, ou seja, frente a uma luta justa, tem também um “efeito demonstração” sobre os trabalhadores e as massas do mundo: ainda que através de duras lutas, é possível derrotar o imperialismo. Tal como a declaração anterior da LIT-QI assinala: “é impossível entender o grande ascenso revolucionário no mundo árabe e muçulmano a partir de 2011, sem ver que ele foi, em grande medida, impulsionado pela derrota que o imperialismo objetivamente já sofria[no Iraque e Afeganistão]”. Desde então, este processo regional e o de cada um dos países tiveram diversos cursos (inclusive, alguns foram derrotados). Mas este curso posterior não tira o que, nesses anos, significou esse “efeito demonstração”.
Por ambos os aspectos, reafirmamos a nossa análise de que, com todas as suas contradições, o saldo geral desta derrota do imperialismo é muito positivo para os trabalhadores e para as massas do mundo.
O Governo Biden é o que acaba concretizando a retirada e sai debilitado porque paga um custo político por isso, uma espécie de consequência atenuada do “efeito derrota”. Algumas pesquisas mostram que se houvesse eleições presidenciais agora, seria derrotado por Trump e que o seu índice de desaprovação subiu. Ao mesmo tempo, a comunicação social e os centros de estudo imperialistas estão repletos de artigos e ensaios que polemizam sobre se foi correta ou não a decisão de Biden: alguns tentam fazer balanços sérios da derrota e outros limitam-se a “passar a fatura”.
No nosso modo de ver, o elemento central dessa decisão do Governo Biden é a derrota que o imperialismo norte-americano sofreu no Afeganistão. Mas isso dá-se no contexto de outros dois elementos que foram destacados como os objetivos principais do seu Governo: tinha que sair das “guerras sem fim” (ou seja, aquelas em que eram derrotados, como no Afeganistão, ou nas que não tinham possibilidade real de incidência, como na Síria) para concentrar-se em tentar resolver os problemas políticos, económicos e sociais a nível nacional (como as rebeliões antirracistas de 2020 e o impacto da pandemia) e no enfrentamento com a China na sua política internacional.
O triunfo dos Talibãs e a luta contra o novo regime
O que colocamos até aqui apresenta uma profunda contradição: quem dirigiu o triunfo contra a ocupação imperialista e a tomada do poder foram os Talibãs, uma organização profundamente reacionária e com traços fascistas que já governou o país entre 1996 e 2001, e fê-lo com um regime que caracterizamos como uma “ditadura teocrática”, com leis baseadas numa interpretação extrema e intolerante da sharia islâmica.
Estas leis eram duramente opressivas e repressivas contra as mulheres (que deviam usar obrigatoriamente a burca, não podiam frequentar a escola, e nem sequer sair à rua sem a companhia de um homem) e os homossexuais. Também contra as minorias étnicas, religiosas e linguísticas, que sofreram vários massacres, como os hazara.
O projeto Talibã é impor novamente esse regime ditatorial e, por isso, além de nunca deixarmos de os denunciar e combater politicamente desde o momento em que tomaram o poder, nos localizamos como inimigos mortais dessa ditadura. Apoiamos e defendemos todas as lutas democráticas que ocorrerem contra o governo Talibã, como as incipientes mobilizações que começaram a ocorrer em defesa de direitos.
Por outro lado, no país, especialmente em Cabul, há uma situação económica e social muito difícil, produto não apenas da guerra como, além disso, porque quase todo o orçamento do Estado dependia da ajuda imperialista. Ao desaparecer esta ajuda a circulação do dinheiro ressentiu-se, os bancos estão fechados, os preços dispararam e há desabastecimento. Terreno fértil para focos de explosão social, aos quais os Talibãs certamente responderiam com repressão.
Ao mesmo tempo, tudo indica que este regime ditatorial dos Talibãs estará ao serviço de se consolidar como um setor burguês que se enriquece com a exploração e a venda das grandes reservas minerais que o país possui, até agora intocadas, especialmente de lítio, um metal macio, de preço cada vez mais alto pelo seu papel nas baterias de carros elétricos. O governo chinês já mostrou a sua disposição em investir nessa exploração e a petromonarquia do Qatar apoia fortemente os Talibãs, numa evidente perspectiva de se associar. Se esta perspectiva se confirmar, seria outro motivo para lutar contra este regime.
Nada disto tira a consideração geral de que houve uma derrota do imperialismo. Não apenas do norte-americano, mas de todos os países que intervieram nesta guerra integrando a ISAF, com tropas, entre outros membros, da Alemanha, Austrália, Dinamarca, Espanha, França, Grã Bretanha, Itália e Turquia. Todos eles saíram derrotados e sentem este impacto. Para nós, o resultado da guerra representa um chamado aos trabalhadores e aos povos do mundo para enfrentar o imperialismo, sobretudo nos países dominados e colonizados. Uma luta que não só deve ocorrer contra o saque económico e os planos de austeridade do FMI e UE, mas também contra as ocupações, as bases militares e os bloqueios imperialistas.
Para que isto aconteça e possa ser levado adiante é necessário que os trabalhadores e os povos tomem essa luta nas mãos e no curso dela construam direções dispostas a levá-la até ao final. A LIT-QI coloca as suas forças ao serviço dessa tarefa.
Por: Secretariado Internacional da LIT-QI
Tradução: Lilian Enck
Texto originalmente publicado aqui.