A NOSSA CLASSE SETOR AUTOMÓVEL

Negociações na VW Autoeuropa: Uma CT para mediar interesses opostos ou para lutar por quem trabalha?

Os trabalhadores da Volkswagen Autoeuropa chegaram recentemente a acordo com a empresa. Relacionar todo este processo de negociações com a situação internacional, em particular no setor automóvel, é uma tarefa fundamental para os trabalhadores e as suas organizações anteciparem o futuro e munirem-se das ferramentas necessárias para o enfrentar.

As negociações e a situação que atravessa o mundo

O pano de fundo das negociações na VW Autoeuropa foi marcado pela pandemia e seus efeitos, a especulação que levou à inflação e a invasão da Ucrânia. A empresa manteve sempre um tom de ameaça, que contrastava com os resultados a que os trabalhadores foram tendo acesso ao longo do processo. Alinhada pelo diapasão da patronal no país e no mundo, a empresa procurou aumentar a “flexibilidade” – palavra bonita que vem sempre atrelada a perda de rendimentos para os trabalhadores –, aumentar os ritmos de trabalho procurando fazer mais com menos trabalhadores, mostrando-se ao mesmo tempo sempre inflexível para aumentar salários de forma digna e proporcional à pressão inflacionária, que lhe permitiu aumentar dos lucros. Por outro lado, sentindo na pele os efeitos económicos e ao mesmo tempo observando os resultados da empresa e do grupo, os trabalhadores sempre mantiveram o seu descontentamento contra a postura da empresa e contra qualquer hipótese de perda de direitos. Veja-se a recusa do primeiro pré-acordo.

Que notícias nos chegam de Espanha?

O que se sentiu em Portugal é o mesmo que se observa em outros cantos do mundo, nomeadamente em Espanha. Onde apesar de ajudas multimilionárias do Estado e de investimentos muito significativos na produção do carro eléctrico e dos componentes a ele associados, os trabalhadores se vêm diante, não da melhoria de condições, mas de mais e mais “flexibilidade” e ameaças de despedimentos. É esta a regra atual por parte das empresas: investir sempre de forma condicionada a um aumento da exploração, e não à melhoria de condições de trabalho.

Sindicatos/CTs: mestres da negociação ou organizadores das lutas dos trabalhadores?

Neste processo, mais uma vez se impôs uma discussão, antiga mas fundamental, sobre que papel devem ter os trabalhadores e as suas organizações sindicais nestes processos. Surgem entre os trabalhadores duas opiniões. Uns defendem que os sindicatos e CTs se devem comportar como mediadores entre patrões e trabalhadores, procurando à porta fechada com a patronal, sem grande envolvimento dos trabalhadores, negociar sob uma ideia de que só é possível melhorar condições de trabalho se as empresas melhorarem os seus resultados. Esta é a via da perda de direitos de quem trabalha, defendida pela maioria da atual CT.

Mas há quem defenda um outro caminho. A sociedade atual, o capitalismo, divide por interesses opostos aqueles que ganham com a exploração do trabalho de outros, concretamente não pagando uma parte do que é produzido a quem o produz, daqueles que produzindo tudo o que no mundo existe, nada mais têm além da sua força de trabalho, que vendem para sobreviver. Patrões e trabalhadores ocupam respetivamente o seu lugar nestes polos de interesses opostos e irreconciliáveis. É por isso importante afirmar que só há avanços nas condições de trabalho, quando recua a exploração por parte da patronal; para isso, há que contar com a força dos trabalhadores organizados. Desta vez na VW Autoeuropa foi possível chegar a um acordo positivo, ainda que insuficiente, sem os trabalhadores terem de medir forças com a empresa. Mas o futuro deve contar com ferramentas dos trabalhadores preparadas para medir forças e que não enganem os trabalhadores com a mentira de que é possível satisfazer, em simultâneo, interesses opostos.

João Reis