Desde o início de seu atual governo, em 2012, Putin, para além da política de anexação forçada de territórios de nações e povos historicamente oprimidos na região, tem tido também uma política violentamente repressora contra o próprio povo russo – posta a nu pelos milhares de detenções dos russos que protestaram contra a guerra. Neste junho, mês em que se assinala o Orgulho LGBTI, em que a guerra na Ucrânia já leva mais de três meses, trazemos ao debate também o papel de ataques aos direitos LGBTIs que o regime opressor de Putin tem desempenhado – que extravasa as fronteiras russas, e tem sido modelo para a extrema-direita na Europa.
Em 2013, o parlamento russo aprovou por unanimidade uma lei que proíbe e sanciona a “propaganda de relações não tradicionais” (ou seja, homoafetivas), principalmente diante de menores de idade e por meio das redes sociais. A lei prevê, inclusivamente, a detenção de estrangeiros. Por isso, causou preocupação e polémica quando a Rússia sediou eventos como os Jogos de Inverno em 2014 e a Copa do Mundo em 2018. A partir da aprovação desta lei, apesar das críticas internacionais, a política anti-LGBTI de Putin intensificou-se cada vez mais.
Hoje, além de se estender para os territórios anexados à força pela Rússia, como foi a Crimeia em 2014 e Putin quer fazer a todo o território ucraniano, essa política tem sido irradiada para outros países. Na Belarus, a homofobia foi usada descaradamente como forma de repressão a ativistas que participaram do levante contra Lukashenko – aliado de Putin. A lei anti-LGBTI aprovada em 2021 na Hungria pelo governo de extrema-direita de Viktor Órban foi inspirada na legislação russa: proíbe a divulgação de conteúdos que “mostrem ou promovam a sexualidade, a mudança de sexo ou a homossexualidade”. Apesar de repudiada por todo o mundo, a lei foi comemorada pela extrema-direita europeia e internacional – inclusivamente em Portugal, onde o Chega propôs à Assembleia Legislativa um voto de congratulação à Hungria.
A denúncia mais grave, entretanto, é outra: em 2017, foi descoberta a existência de nada menos do que um campo de concentração para pessoas LGBTIs, com denúncias de tortura e trabalhos forçados, na Chechênia – mais um dos territórios sob a dominação forçada de Putin.
Mais uma ironia: tudo isto acontece num país que, há mais de cem anos, logo após a Revolução Russa de 1917, foi um dos primeiros no mundo a descriminar a homossexualidade. O regime estalinista que depois tomou conta da União Soviética, no entanto, além de acabar com a democracia operária, o internacionalismo e o respeito à autodeterminação dos povos, também atacou as liberdades que haviam sido conquistadas pelas mulheres (como o direito ao divórcio e a legalização do aborto) e pelas pessoas LGBTIs. Assim, a homossexualidade voltou a ser punida nos anos 30, e só foi novamente descriminalizada na Rússia em 1993. De lá para cá, a perseguição contra pessoas LGBTIs continua, e tem-se agravado com Putin.
A luta LGBTI contra o regime de Putin expõe a enorme farsa que é o seu discurso sobre “combate ao fascismo” na Ucrânia. Putin é, ele próprio, referência para a extrema-direita europeia no que há de mais reacionário! Contra a sua política opressora, é preciso fortalecer a solidariedade internacional com a luta das comunidades LGBTIs e de todos os setores que o enfrentam, dentro da Rússia como também nas fileiras da resistência ucraniana.