Internacional

Rainha Isabel II: ao serviço do capitalismo e do colonialismo

A morte da rainha Isabel II, aos 96 anos e 70 anos depois da sua subida ao trono, foi acolhida por amplos setores da sociedade britânica com comoção e tristeza. A cobertura mediática globalizada das cerimónias fúnebres terá sugerido aos espetadores fora das fronteiras do Reino Unido uma sensação de pertença à comunidade dos súbditos de sua majestade. Todavia, para os trabalhadores e para os povos de todo o mundo fora, a herança do seu reinado é outra...

Ao longo das últimas décadas, cada um dos membros da família real procurou apresentar-se como uma pessoa comum, num país que, sendo uma monarquia, tem uma chefia do Estado que resulta, não da vontade da população expressa através de eleições, mas da transmissão do poder por via de laços sanguíneos. A persistência de regimes monárquicos em pleno século XXI resulta de uma aliança histórica com setores da alta burguesia e parece querer demonstrar aos de baixo, em particular à classe trabalhadora, que há áreas do poder que são sagradas, intocáveis…

Este texto tem como ponto de partida o ciclo político aberto após a morte de Isabel II e a entronização de Carlos III, para fazer um balaço da relação da monarquia britânica com o colonialismo, aquele que já findou e o que persiste nos nosso dias.

Ao serviço do colonialismo

Isabel II tornou-se rainha em 1952, sete anos após a vitória dos Aliados na II Guerra Mundial e em pleno processo de afirmação vitoriosa dos povos colonizados da Ásia e África rumo à independência.

O início do seu reinado coincide com o deflagrar da guerra de libertação nacional do Quénia – que muitos conhecem como a revolta dos Mau-Mau – que antecedeu a proclamação de independência deste país em 1963. As forças militares britânicas envolvidas no conflito cometeram uma série de atrocidades que se abateram sobre a população civil. Shailja Patel, escritora queniana citada pela Deutsche Welle, descreve o clima de violência que se viveu durante a ocupação britânica sublinhando que «alguns sobreviventes de violação, castração, fome, trabalhos forçados e tortura no gulag colonial britânico no Quénia ainda estão vivos».

Isabel II assistiu ao fim do Império Britânico, aquele onde o sol nunca se punha, resultado das mobilizações da populações colonizadas da Ásia, África e Antilhas, e o seu reinado terminou sem que tivessem sido tomadas iniciativas de demarcação ou reparação face ao legado colonial e aos seus trágicos impactos.

Nos dias de hoje, o Reino Unido mantém um laço político com muitos desses países, outrora suas colónias, através da Commonwealth, uma instituição política que congrega mais de 50 Estados e que faz do monarca britânico o seu chefe de Estado. Tal disposição extravasa a esfera do simbólico, visto que a Grã-Bretanha tem a possibilidade de nomear um governador geral para cada um dos países membros da Commonwealth, o que configura uma relação de cariz marcadamente neocolonial.

A dependência de Portugal face ao Reino Unido

A longa relação entre Portugal e a Inglaterra foi pautada por laços de dependência e de subordinação dos portugueses face aos ingleses. Este caminho tornou-se mais evidente aquando da assinatura, em 1703, do tratado de Methuen, que estipulou a exportação de vinho para as ilhas britânicas contra a importação de têxteis para Portugal, o que travou as possibilidades de desenvolvimento de uma incipiente indústria nacional.

O Ultimato Inglês de 1890 deu pretexto a Londres para impor a lei do mais forte e acabar com os desejos portugueses de ocupar os territórios africanos entre Angola e Moçambique. Na verdade, Portugal dependia da Inglaterra, dos seus recursos económicos e do seu poderio naval para manter as suas colónias intactas.

Foi também assim durante a II Guerra Mundial. Depois de 1945 e no quadro da Guerra Fria, o Estado Novo e o seu império colonial iníquo e violento ficou a dever a sua sobrevivência em grande parte ao apoio de aliados como a Grã-Bretanha, que viam em Salazar um bastião da defesa do capitalismo.

Em suma, a monarquia britânica de que Isabel II foi figura cimeira nas últimas décadas esteve ao lado dos valores mais conservadores e esteve envolvida em processos marcados pela iniquidade e pela violência, ao serviço da manutenção do capitalismo e das várias formas de colonialismo.

José Pereira