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Medidas de Costa são maçã envenenada e anunciam austeridade

O governo de António Costa apresentou, no dia 5 de setembro, várias medidas do Conselho de Ministros com o objetivo de, supostamente, apoiar as famílias no combate ao aumento do custo de vida. O pacote não responde às necessidades dos trabalhadores hoje, nem à austeridade anunciada pelas nuvens de crise que se vão adensando na economia nacional e internacional.

Os lucros milionários de poucos…

A política das grandes empresas, desde a pandemia, foi manter poucos trabalhadores e subir os preços dos produtos para aumentarem a margem de lucro. Por isso, os grandes grupos distribuem milhões pelos seus acionistas. No 1º semestre de 2022, os 5 principais bancos em Portugal — CGD, BCP, BPI, Santander e Novo Banco — apresentaram lucros 80% acima dos reportados no mesmo período do ano anterior. No setor da distribuição, os lucros líquidos após impostos aumentaram, quando comparados com os de igual período de 2021: 83,5% no grupo Jerónimo Martins/PINGO DOCE e 108,2% na SONAE/Continente.  No caso da Galp, os lucros líquidos após impostos tiveram um aumento de 207,3%, e no grupo EDP cresceram em 22,9% (tendo inclusive diminuído os impostos pagos). Os governos e União Europeia apoiam e protegem esta política de lucros milionários.

… são o drama social dos trabalhadores

Situação oposta vivem os trabalhadores e população mais pobre. No passado mês de agosto, a inflação atingiu os 9%, comparada com 1,3% em agosto de 2021. Apesar de alguma variação mensal, o que estes números nos indicam é o astronómico acelerar do custo de vida e a queda brutal nas condições de vida da classe trabalhadora, num país já marcado pelos baixos salários e pela extrema precariedade, onde ¼ da população vive abaixo do limiar da pobreza (incluindo-se aqui trabalhadores e reformados). A carência alimentar está cada vez mais na ordem do dia, enquanto o problema de manter as casas aquecidas (que já faz vários mortos todos os anos) se irá agravar.

Também o problema da habitação é um drama crescente. Às rendas exorbitantes, junta-se agora o aumento das taxas de juros promovidas pelo BCE, que fizeram disparar os valores do crédito habitação, arriscando colocar muitas famílias em incumprimento e sem sítio para viver.

O pacote de Costa é uma maçã envenenada

Costa, como bom aluno das orientações do BCE e das restrições orçamentais da zona euro a mais gastos, visa amenizar o descontentamento da população com o pacote de medidas. Todavia, não conseguiu convencer ninguém perante a brutalidade do aumento do custo de vida. Além disso, como o caso recente da Ministra da Saúde mostrou, abrem-se elementos de crise no Governo sobre como gerir a atual conjuntura de crise crescente e as suas consequências reiais nos diversos setores. 

As medidas de Costa são miseráveis, quando as subidas de preços dos alimentos vão além de 15% e na energia em mais de 24%. É inaceitável que as grandes empresas lucrem milhões e os trabalhadores percam salário todos os dias e não tenham acesso digno à alimentação, aquecimento, habitação, saúde e educação de qualidade.

Para financiar este pacote, Costa retira dinheiro diretamente dos bolsos dos trabalhadores, através dos seus impostos, e não dos grandes patrões, que ganham às nossas custas. No caso do teto máximo de 2% às rendas (o que não trava a especulação imobiliária), a diferença de atualização será paga aos senhorios com os valores dos contribuintes. Outro exemplo é a redução dos impostos na eletricidade, que é temporário e não ataca a fonte dos problemas, que é o lucro milionário das empresas do setor.

Medidas de Costa anunciam austeridade

Já o suplemento extraordinário de 50% das pensões corresponde ao adiantamento de uma parte das atualizações previstas para estas pensões em 2023. Mas aqui fica claro como estas medidas iniciam a austeridade: o Governo, que tinha previsto uma atualização das pensões entre 7 e 8% (perto dos valores da inflação), vai reduzir essa atualização pela metade (para cerca de 4%), voltando atrás com a palavra dada e mostrando como a sua política é, de facto, cortar pensões. Por trás da bela maçã do “apoio às famílias”, o Governo começa, assim, a cortar rendimentos de trabalhadores e pensionistas frente ao enorme aumento do custo de vida.

Governo Costa e UE protegem os super-ricos 

Segundo a mais recente proposta apresentada para a Função Pública (que é a referência para o setor privado), mais de 70% dos trabalhadores terão uma atualização salarial abaixo da inflação, que o Governo estima em 7,4%, mas que poderá ficar muito acima. Isto significa cortes reais nos salários, tal como nas pensões, quando tudo faz prever que os preços altos se vão manter e prolongar. 

Estamos perante o início de uma austeridade encapotada, frente ao cenário de recessão europeia e mundial que se aproxima. Pela nossa parte, achamos que têm de ser os ricos a pagar a fatura:

– Defendemos um aumento geral de salários acima da inflação real, e não de estimativas por baixo. Caso contrário, estamos a falar de cortes salariais, ou seja, de austeridade.

– É preciso o controlo estatal do preço dos bens essenciais, pois através dos impostos não se controla o preço no consumidor. Também na habitação somos contra qualquer aumento das rendas ou dos empréstimos à habitação, devendo o Governo garantir o controlo dos valores da habitação e construir um plano de habitação pública a custos controlados, que acabe com o desvario da especulação imobiliária.

É urgente renacionalizar o setor energético

Para não tocar nos lucros milionários no setor da energia, a política da UE é pelo controlo do consumo (redução de 10% já aprovada), que atinge principalmente trabalhadores, população mais pobre e pequenas empresas. Este inverno teremos de escolher entre comer e aquecer a casa por causa, não da resistência dos trabalhadores na Ucrânia que lutam contra um invasor, mas devido à política dos nossos governos e UE. 

Taxar os lucros ou acabar com os superlucros?

Perante esta afronta, o Bloco de Esquerda propôs a criação de uma taxa sobre os lucros extraordinários das grandes empresas dos setores da energia e distribuição. O Governo Costa foi contra, tal como a direita. O Chega também veio a público manifestar-se contra novos impostos sobre estes lucros, defendendo antes uma redução dos impostos aos consumidores, o que mostra que está disponível para retirar dinheiro aos contribuintes, mas não a tocar nos lucros destes milionários. 

Para nós, a solução não passa por nenhuma destas saídas, e sim por ir ao fundo da questão: os trabalhadores têm de controlar os setores essenciais da economia, neste caso, as grandes empresas de energia.

Alavancar uma política energética que sirva as necessidades dos trabalhadores

Desde a privatização da EDP, REN e Galp, os seus novos donos vêm ganhando milhões e os preços para os trabalhadores piorando, o que se agravou com a crise energética atual. O mercado privado da energia e sua distribuição não serve, assim, os trabalhadores e impede que se tenha uma política ambiental coerente, em vez de uma falsa política para alimentar novos capitalismo verdes.

Controlar preços é uma necessidade imediata. Mas a única mudança real poderá vir do fim do mercado livre da energia, que é um joguete nas mãos de grandes capitalistas. 

Para satisfazer as necessidades mais básicas da população, é preciso voltar a lutar pela renacionalização da EDP, GALP e REN, sob controlo dos trabalhadores. As propostas de taxar lucros como a do Bloco é deixar que continuem a brincar com aquilo do qual depende a vida digna de milhares de trabalhadores, obrigando-os apenas a pagar um pouco mais.

Apenas a propriedade estatal destes setores estratégicos, controlada pelos trabalhadores (e não administrada por gestores ao serviço dos capitalistas), e o fim do mercado da energia permite combater a especulação e lucros milionários à custa dos trabalhadores, garantir as necessidades básicas da vida de quem trabalha e da produção. Simultaneamente, este é também o caminho para ter um plano estratégico a nível ambiental ao serviço da sociedade coletivamente, e não dos capitalistas verdes.