Internacional

Debates sobre os 100 anos da Revolução Russa

Este é o ano em que se completa o centenário da Revolução Russa. Certamente muitas coisas mudaram desde aquela época. Mas, sem aprender com as experiências passadas, seria impossível pensar uma estratégia para as lutas do século XXI. Sendo assim, que lições podemos apreender da principal revolução do século passado?

As condições da Revolução

Em 1917, a Rússia era um país falhado. O Governo tinha entrado na I Guerra Mundial, uma matança que custou a vida a dois milhões de russos. Os soldados não queriam ir para a guerra. A economia estava destruída. Era preciso enfrentar longas filas, expondo-se a intempéries, até para comprar pão. A tensão era extrema e a Revolução explodiu por iniciativa da própria população. Não que essa população fosse muito “consciente politicamente”, mas a situação impunha à força uma mudança radical.

O capitalismo moderno encontra-se em crise. Nos últimos anos, a classe trabalhadora tem perdido direitos. A desigualdade aumenta e a precariedade alastra. Fenómenos como Trump ou as guerras no Médio Oriente não anunciam um horizonte de estabilidade. No médio prazo, caminhamos para um verdadeiro colapso sistémico, produto do esgotamento dos recursos naturais e da destruição em grande escala da natureza. O facto de não termos visto revoluções na Europa Ocidental nos últimos anos não significa que nunca mais vão acontecer. O capitalismo global não caminha para uma época de progresso, mas sim de destruição. Inevitavelmente, haverá resistências cada vez maiores.

O papel da classe operária

Durante a Revolução Russa, a classe operária teve um papel dirigente. Foi o setor social que canalizou toda a frustração da sociedade, especialmente dos soldados e camponeses. Apesar de ser uma pequena minoria, a sua grande força residia em ter nas suas mãos o funcionamento dos centros industriais dos quais depende a economia. Acima de tudo, pela sua concentração social, os seus movimentos políticos eram incisivos, iminentes e profundos. A revolução foi iniciada pelas operárias têxteis e estendeu-se pelos bairros operários. Os sovietes operários eram os mais “vermelhos” e a tomada do poder moveu-se das capitais para as províncias.

Hoje em dia, a classe operária mudou a sua fisionomia, mas mantém os mesmos traços característicos. A economia depende dela: uma greve geral suficientemente profunda tem a capacidade de paralisar um país. Apesar de muitos centros industriais terem sido movidos para outros países, o grau de “proletarização social” cresceu. Ou seja, a população assalariada hoje é proporcionalmente maior do que antes. As cidades concentram ainda mais população trabalhadora.

O regime e a auto-organização

A Revolução Russa, depois de expulsar o Czar, inaugurou uma época em que duas formações políticas conviveram. O Parlamento e o seu Governo, por um lado, os sovietes (conselhos), por outro. Apesar de o Parlamento ter dado um verdadeiro salto de participação popular após longa autocracia, não cumpriu todas as promessas de mudança. A sua legitimidade ia minguando. Os sovietes tinham um sistema de eleição direta de baixo para cima, com diferentes candidaturas que tinham concorrência proporcional e os cargos eram revogáveis. A primeira época do governo soviético foi o período de maior democracia conhecida. Apenas após a ruptura com o Parlamento e a chegada ao poder dos sovietes foi possível executar medidas sociais mais elementares e democráticas exigidas pela população.

De forma oposta, os políticos de hoje em dia são intocáveis. Podemos votar apenas a cada quatro anos. E as eleições estão “marcadas”: os grandes partidos têm o apoio de grandes fortunas, enquanto que outras candidaturas não podem aparecer por mais de poucos segundos na televisão. A divisão de mandatos é deformada para enfraquecer a representação das zonas de grande concentração operária. Mesmo que um governo “de esquerda” fosse eleito, a legalidade institucional ia impedir-nos de impor grandes mudanças. Tsipras na Grécia é o melhor exemplo de um governo “de esquerda” de mãos atadas.

Reforma ou revolução?

Diante da explosão da Revolução Russa, os “socialistas moderados” comprometeram-se com a defesa do Parlamento e do seu Governo. Para eles, tomar medidas “radicais” era impossível. Mas, afinal, o que havia de mais “radical” que as suas próprias políticas? Enviar os soldados para uma verdadeira carnificina, deixar a população passar fome… E no fim, mesmo assim, a reação tratou de dar um golpe militar. O Partido Bolchevique era minoritário, mas com militantes reconhecidos, que tinham liderado muitas greves e lutas sob o czarismo e durante a Revolução de Fevereiro. Ainda que a princípio fossem rejeitados, à medida que a população se frustrava com o Governo, prestava mais atenção ao que Lenine e os outros bolcheviques diziam. Por fim, conseguiram ganhar a maioria dos sovietes, sendo Trotsky eleito o presidente do soviete da capital.

Hoje em dia, vemos como a esquerda centra a sua atuação em ganhar parlamentares, aceitando as “regras do jogo”. Quando chegam ao Governo, as suas promessas dissolvem-se. Carmena chegou à Câmara de Madrid com a remunicipalização dos serviços e o fim dos despejos como promessas centrais, mas até hoje não mudou muita coisa. As organizações revolucionárias são hoje muito minoritárias, mas, sendo vanguarda das lutas que se desenvolvem, terão oportunidades para crescerem.

A Revolução já se mostrou impossível?

Sob o governo de Estaline, a União Soviética converteu-se numa ditadura ferrenha em que a desigualdade social voltou a crescer. Não é de estranhar que os burocratas tenham acabado por restaurar o capitalismo. Estaline e o seu regime não foram a evolução “natural” da Revolução. Entre esses dois períodos existe um verdadeiro rio de sangue. Várias potências mundiais invadiram a Rússia, destruindo o sistema soviético nas zonas que conquistavam e afundando ainda mais a economia do país. Estaline também contribuiu, ao exterminar os revolucionários que tinham encabeçado a Revolução. Os números são evidentes: dos 25 membros da direção dos bolcheviques, apenas 3 sobreviveram à Guerra Civil e às purgas de Estaline.

A história pode ser diferente. Se a Revolução tivesse conseguido alastrar internacionalmente, teria compensado o isolamento económico e os ataques militares que sofreu. Mas, no resto dos países, as revoluções foram derrotadas. No futuro, qualquer possível revolução sofrerá certamente os mesmos ataques. Por isso, é vital organizarmo-nos numa Internacional revolucionária que atue em todos os continentes. No mundo global atual, as sacudidas revolucionárias vão espalhar-se como fogo num pavio. A “Primavera Árabe” é um exemplo recente disso.

Cem anos após a Revolução Russa, pensamos que a estratégia revolucionária permanece atual. As revoluções futuras não serão iguais às passadas, com certeza. Mas estudar os bolcheviques é uma necessidade para construir a Revolução no século XXI.

Juan P. Ramos