Quase um ano depois do registo do primeiro caso de Covid19 no mundo e 8 meses depois do primeiro caso em Portugal, ainda vai ficar tudo bem? A pandemia foi e continuará a ser, para a maior parte das pessoas, sinónimo de crise.
O desemprego disparou, a pobreza aumentou e muitos países entraram em recessão. Em Portugal, um recente estudo da Escola Nacional de Saúde Pública conclui que se “agravaram as desigualdes sociais em Portugal, sendo as pessoas com menos recursos financeiros e menos escolaridade as mais afetadas.”
Mas para um seleto grupo de homens e mulheres o cenário foi completamente diferente: eles ficaram 27,5% mais ricos durante a pandemia. Vale a pena deixar aqui alguns nomes: Jeff Bezos (Amazon), Bill Gates (Microsoft) e Mark Zuckerberg (Facebook) são apenas três entre os 2000 bilionários que, entre abril e julho deste ano, viram a sua riqueza aumentar 15%. Para os nossos leitores mais desconfiados podemos garantir que estas contas não são nossas, mas de um recente relatório do insuspeito UBS (Banco de Investimento Suíço).
ORÇAMENTO DE ESTADO MANTÉM A AUSTERIDADE
O que é que tudo isto tem a ver com o Orçamento do Estado (OE) para 2021? Nada, ou talvez tudo. Vamos deixar essa conclusão para quem nos queira acompanhar até ao final deste texto.
O psicodrama a que temos assistido nos últimos dias sobre a possibilidade ou não de aprovação do OE é apenas isso: um psicodrama ensaiado para nos fazer acreditar em grandes mudanças, quando tudo vai ficar pior.
PREVISÕES DUVIDOSAS
Este OE é elaborado com uma previsão de défice de 7,3% em 2020 e 4,3% em 2021. Na parte do PIB, o OE prevê uma contração de 8,5% e de uma recuperação de 5,4% em 2021, ou seja, o Governo prevê que a economia começará a recuperar já em 2021. No atual cenário de evolução da pandemia, e sabendo os efeitos económicos que a mesma pode vir a provocar, estas previsões são completamente irrealistas. Todavia, é esta previsão que justifica um aumento da receita de 6,9% de impostos em 2021. No meio disto, o PS vai ainda entregar mais 1,6 mil milhões para pagamento das parcerias público privadas; 850 milhões para o fundo de resolução bancário que, com um grau de probabilidade muito elevado, irá parar aos cofres do Novo Banco (o mesmo é dizer ao fundo LoneStar); 850 milhões que se vão somar aos 3 mil milhões recebidos ao abrigo dos anteriores orçamentos e ainda 50 milhões para o BPN (que se vão somar aos 7 mil milhões recebidos nos últimos 10 anos)
Se ainda tivermos em conta que a dívida já ultrapassou os 130% do PIB e que o ano ainda não acabou, então, é fácil perceber que muito em breve entraremos no discurso da inevitabilidade: “É que não há dinheiro, lembram-se?”.
A austeridade que já está e a que vai chegar
Costa sabe, apesar de todas as promessas em contrário, que a austeridade é inevitável e não tem nenhum problema com isso. Este é o mesmo Governo que alterou o Código do Trabalho, acrescentando precaridade à precaridade anteriormente imposta pelo governo PSD-CDS, e que manteve a redução do período e valores dos subsídios de desemprego. A reposição de rendimentos do trabalho pelos governos socialistas é um mito que este orçamento desmente. Não é de estranhar, pois há muito que a social democracia socialista perdeu o seu élan reformador para ser apenas mais um excelente administrador do capital.
Para alcançar um défice em plena pandemia de 4,3% em 2021 (como se propõe) será inevitável reduzir salários (direta ou indiretamente) e aumentar a precaridade do trabalho para garantir a reposição da taxa de lucro do capital. Outra possibilidade será, claro, aumentar a dívida pública, quer por recurso direto aos mercados financeiros, quer pela utilização dos milhões que a UE já disponibilizou para este fim. Em qualquer dos cenários, os trabalhadores vão perder e o conjunto seleto de milionários com que começámos este texto vão acrescentar aos seus ganhos alguns milhões de milhões de euros.
José Luís Monteiro