A bomba estava a ser gestada há tempos e muitos dos seus contornos já eram do conhecimento dos sindicatos do setor da aviação em Portugal. O objetivo do governo António Costa/direção da TAP com o plano de reestruturação da empresa, recém-aprovado pelo Conselho de Ministros e divulgado pela imprensa, consiste no despedimento de 2000 trabalhadores efetivos (750 tripulantes, 500 pilotos e 750 trabalhadores de terra), bem como um corte de 25% nos salários. Os ataques aos trabalhadores não param por aí: os acordos de empresa entre a TAP e os sindicatos da aviação seriam suspensos. Só na Groundforce, a empresa de handling do Grupo TAP, foram despedidos 1400 trabalhadores desde o início da pandemia, através do artifício da não renovação dos contratos.
A combinação de desemprego com layoff – ocasionando o corte de ⅓ da remuneração fixa mensal bruta – gerou uma perda da massa salarial de 13,5% no país, a maior na Europa, segundo relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Calcula-se que entre os trabalhadores do Grupo TAP a redução salarial será ainda maior.
A chantagem do Governo PS/António Costa
O plano de reestruturação prevê uma injeção de 1,6 mil milhões de euros na TAP, para que possa resistir aos efeitos devastadores da Covid-19. Entre março e outubro deste ano, a empresa transportou menos 11 milhões de passageiros, uma quebra de 84% frente ao mesmo período do ano passado, acarretando um prejuízo de 700,6 milhões de euros. Diante disso, o Governo afirma que, se a Assembleia da República chumbar o plano, a TAP fecha. Para tornar-se viável, a TAP, segundo o Governo, teria de reduzir a sua operação em até metade nos próximos anos, o que significa reduzir o número de trabalhadores e de aeronaves, que passariam das atuais 108 a 88 em 2021.
Muitos trabalhadores, dentro e fora do Grupo TAP, devem estar a questionar se não seria possível salvar a empresa de outra maneira, sem destruir postos de trabalho e deitar para o caixote de lixo a riqueza constituída por profissionais altamente qualificados e gerada pelo esforço coletivo do povo português. A TAP é uma das empresas de aviação mais conceituadas no mundo, cujo grau de confiabilidade e segurança é comprovado pelas estatísticas. A sua importância para a economia portuguesa é evidente, pelo que é injustificável, do ponto de vista do interesse do país e dos seus trabalhadores, a sua privatização, um objetivo incessantemente perseguido pelos governos do PS e do PSD alcançado em 2015.
Com a pandemia e a necessidade de prorrogar a sobrevivência da empresa através de um aporte, por parte do Estado, de 1200 milhões de euros este ano, o Governo viu-se obrigado a aumentar de 50% para 72,5% o seu controle do capital da TAP, comprando 22,5% das ações em poder da Atlantic Gateway (consórcio composto pela brasileira Azul Linhas Aéreas e o seu presidente executivo, David Neeleman). Agindo dessa forma, fez o habitual: salvar uma empresa privatizada (inclusive pagando aos seus acionistas privados para terem a gentileza de abandonarem o barco) para depois a tornar apetecível ao mercado e privatizá-la novamente. Para isso, seria preciso enxugá-la, despedindo funcionários e reduzindo salários e direitos. Precisamente o que o Governo está a fazer com a TAP.
Subserviência à Comissão Europeia
Depois de aprovado o plano de reestruturação no Conselho de Ministros, o Governo irá debatê-lo com a Comissão Europeia (CE) para só então, em fevereiro de 2021, o enviar ao Parlamento. A submissão do plano à CE seria uma exigência desta frente ao facto de o Estado ter injetado recursos na empresa este ano. O mesmo procedimento, porém, não foi exigido a outras companhias aéreas de bandeira, como a Lufthansa ou a Air France/KL, ambas igualmente ajudadas pelos respetivos estados. A exigência de passar o plano pelo crivo da CE dever-se-ia, esclarece a imprensa, por a TAP ter apresentado dificuldades financeiras antes mesmo da pandemia.
Seja como for, tal imposição demonstra até que ponto chegou a dependência do Estado português relativamente à CE.
Revolta dos trabalhadores
Os trabalhadores do Grupo TAP estão revoltados e exigem do Governo diálogo e transparência. Centenas concentraram-se no dia 2 de dezembro em frente à Assembleia da República para demonstrarem a sua insatisfação. A iniciativa não partiu de nenhum dos sindicatos da aviação, mas de um movimento chamado “Os números da TAP têm rosto”, que reúne pilotos, tripulantes de cabine e trabalhadores de terra. Ontem, dia 9 de dezembro, realizou-se uma nova mobilização do grupo TAP, desta vez na rua C do Aeroporto, perto da entrada para o reduto TAP, o que mostra a preocupação com o futuro dos seus empregos e da empresa dos trabalhadores do sector.
Os funcionários eleitos pela Lista A-SOS Handling para a Comissão de Trabalhadores da Groundforce defendem o cancelamento dos despedimentos efetuados e projetados na empresa porque não podem ser os trabalhadores e as suas famílias a pagarem a fatura com desemprego. “Temos defendido aviação, handling e aeroportos públicos porque os consideramos imprescindíveis para o país. A SPdH Groundforce não apenas veste fardamentos TAP ou recebe os salários lá processados. Consta do relatório e contas da TAP SGPS, que detém 49,9% da SPdH, cujas receitas têm cerca de 70% da sua origem na TAP.”
Cristina Portella