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Futebol, banca e negócios escusos: o capitalismo cheira mal

O presidente do Benfica, Luis Filipe Vieira, é acusado de envolvimento numa fraude de mais de 100 milhões de euros que está a ser paga pelo povo português.

O Ministério Público (MP) mandou prender em começos de julho o empresário Luis Filipe Vieira (LFV) pela suspeita de burla qualificada, fraude fiscal, abuso de confiança agravada, falsificação de documentos, branqueamento de capitais e fraude fiscal qualificada. Os esquemas em que estaria envolvido causaram prejuízos ao Sport Lisboa e Benfica e ao Estado português. Além de LFV, foram detidos no âmbito da chamada Operação Cartão Vermelho o seu filho e dois empresários, um dos quais seu sócio, José António dos Santos, do setor agro-alimentar e conhecido como “Rei dos Frangos”.

Num dos esquemas montados por LFV, o seu filho e o “Rei dos Frangos”, o presidente do Benfica teria comprado uma dívida de 54,3 milhões de euros que uma das suas empresas contraíra com o antecessor do Novo Banco, o Banco Espírito Santo (BES), por apenas um sexto desse valor. Quem compensou o prejuízo de 45,6 milhões de euros do Novo Banco, isto é, do Lone Star, o fundo abutre que o controla, foi o Estado, através do Fundo de Resolução, o mecanismo público criado para servir de almofada financeira para as dívidas geradas pelo Novo Banco e os seus parceiros. LFV é um dos seus maiores devedores.

A negociatas de LFV começaram muito antes disso, muitas delas com a bênção de Ricardo Salgado, quando presidente do BES. A sua ascensão no Benfica, primeiro em 2001 como dirigente e a partir de 2003 como presidente, conforme ele próprio admitiu numa das audiências da Comissão Parlamentar de Inquérito ao Novo Banco, em maio último, deveu-se aos interesses da banca. “A minha ida para o Sport Lisboa e Benfica não é apenas uma vontade e um orgulho da minha parte. Foi também um pedido de várias instituições financeiras”. Generosamente recompensada, aliás: em 2007, LFV passou de devedor a sócio do BES. 

Outro exemplo de falcatrua, desta vez com o Novo Banco, teve como estrela a empresa Promovalor, grupo imobiliário de LFV. Em 2015, muitas das empresas do grupo estão em falência técnica, sendo salvas pelo Novo Banco, que renova as dívidas, reduz os spreads e, no ano seguinte, aceita converter 140 milhões de euros dessas dívidas numa participação num fundo gerido por uma empresa que tem o filho de LFV como sócio. 

Caso BPN

Suas relações com a banca não se limitaram ao BES, LFV foi apontado como suspeito no Caso BPN por branqueamento de capitais e burla qualificada. Em 2003, pouco antes de assumir a presidência do Benfica, obteve um empréstimo de 20 milhões de euros do BPN para que a Inland, Promoção Imobiliária, uma das empresas que montou, subscrevesse um aumento de capital de um fundo imobiliário, o BPN Real Estate. O empréstimo nunca foi pago pelo empresário, mas sim pelos cofres do Estado, depois da nacionalização do BPN, em 2008, na presidência de José Sócrates, e sua reprivatização, em 2012, no governo de Pedro Passos Coelho. O agora EuroBic, como o Novo Banco, é alvo de injeções de dinheiro público que já totalizam mais de  6 mil milhões de euros para cobrir iniciativas ruinosas, como a da Inland, de LFV. O envolvimento de LFV no Caso BPN foi arquivado pelo Ministério Público.

As suspeitas que recaem sobre LFV envolvem, ainda, o seu papel como beneficiário do caso “Saco Azul”, o inquérito sobre a utilização de uma empresa de informática para extrair vultosas quantias de dinheiro do Benfica, ou o esquema fraudulento de compra e venda de jogadores benfiquistas. Por esse arranjo, um advogado recebia altas comissões, que seriam desviadas para LFV pagar dívidas das suas empresas. 

Política e negócios

A trajetória de LFV é conhecida há longo tempo, e ninguém a ignorava, muito menos os políticos que fizeram parte da comissão de honra da sua recandidatura à presidência do Benfica, no ano passado. Integraram-na o primeiro-ministro, António Costa, em manifestação de apoio já concedida em anos anteriores, e o presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina. Além dos filiados ao PS, vários outros políticos, de vários quadrantes ideológicos, aparentavam manter boa relação com o empresário benfiquista, entre eles Duarte Pacheco, do PSD, Telmo Correia, do CDS, e o presidente do Câmara do Seixal pela CDU, Joaquim Santos. 

André Ventura, aquele que gosta de autoproclamar-se um defensor da moralidade, foi um dos promotores da recandidatura de LFV em 2016. “Benfica para a Frente. Vieira a Presidente!”, era o lema exposto na página de Ventura no Facebook, nas vésperas da sua estreia na política oficial. Em abril do ano seguinte candidatou-se pelo PSD à Câmara Municipal de Loures e, em abril de 2018, criou o Chega, partido pela qual obteve um lugar na Assembleia da República. Até Jerónimo de Sousa, do PCP, foi fotografado a almoçar com LFV durante a Festa do Avante, em 2013.

A justificativa é sempre a mesma: não se pode confundir os negócios ou a política com o amor de todos os ilustres políticos à camisola do Benfica. Não é bem assim. LFV parasita o erário público há pelo menos duas décadas, e ninguém pode dizer que não sabia. Os expedientes utilizados por LFV – assim como Berardo ou Ricardo Salgado – ou são imorais, apesar de legais, ou diretamente criminosos. A promiscuidade entre políticos, banqueiros, empresários e dirigentes de clubes de futebol está de tal forma enraizada na nossa sociedade que se naturalizou. Para alguns. Não certamente para os milhões de portugueses que estão sem emprego ou sem apoios, que estão a perder as suas casas e as suas economias. Para esses, para a grande maioria dos portugueses, torcer pelo Benfica não deve confundir-se com fechar os olhos à roubalheira dos seus dirigentes. Para eles, é preciso fazer justiça e acabar com a sangria de dinheiro público para cofres privados.