A NOSSA CLASSE Raça & Classe

Políticas antirracistas e de habitação: eleições autárquicas de Lisboa

Duas candidatas negras irão disputar a autarquia de Lisboa nas próximas eleições: Beatriz Dias (BE) e Ossanda Liber (Independente). É a primeira vez que mulheres negras protagonizam candidaturas à capital do país, expressão da importância da luta contra o racismo encabeçada pelo movimento negro nos últimos anos.

As autárquicas e a luta contra o racismo: o caso de Lisboa

Embora tais candidaturas constituam um avanço na representatividade de negras e negros na sociedade portuguesa, até que ponto a sua eleição proporcionará avanços na luta antirracista e melhorará a qualidade de vida dos trabalhadores portugueses (brancos, negros e imigrantes)? Em nossa opinião, tais candidaturas não são uma alternativa ao projeto de cidade dos ricos que tem caracterizado as governações de Medina/Costa (PS) desde 2007, que expulsam e segregam as populações “indesejadas” de uma Lisboa que pretendem elitizada e turística.

Direito (de quem) à cidade?

Num momento em que tanto se reivindica o “direito à cidade”, pergunta-se: quais são as forças (e classe social) que tem determinado as políticas urbanas de Lisboa? O projeto de cidade dos ricos implementado por Fernando Medina (PS) assenta-se na especulação imobiliária e mercantilização da habitação, tornando-a inacessível para a maior parte dos trabalhadores. Vejamos alguns estudos: Lisboa foi a cidade europeia com maior subida das rendas, mais do que duplicando desde 2013 (Eurostat). A capital portuguesa também lidera a taxa de esforço das famílias para pagar a renda na Europa (Deutsche Bank).

A financeirização da habitação tornou-se a política pública de referência para o PS na autarquia de Lisboa, cujo apoio do BE faz deste partido cúmplice de um projeto de cidade excludente. Nesse quadro de urbanização neoliberal, os trabalhadores negros e imigrantes são os mais vulneráveis. Ao estigma de ser racializado (e marginalizado) soma-se também a negação do “direito à centralidade”, ao serem forçados a abandonar Lisboa para (sobre)viverem nas suas margens.

Racismo é segregação

A candidatura de Beatriz Dias (BE) poderia representar um bastião de luta pelos direitos da classe trabalhadora e do povo pobre, mas para tal teria de se opor ao projeto de “cidade dos ricos” encabeçado pelo PS. Para além de acrítica quanto à Geringonça em Lisboa (PS/BE) nos últimos quatro anos, a candidatura de Beatriz Dias não faz qualquer oposição a Medina, tendo já admitido a possibilidade de um acordo pós-eleitoral com o PS. Não por acaso, ambos têm como principal bandeira de campanha o “Programa de Arrendamento Acessível”, cuja acessibilidade é uma farsa. Esta política impõe uma redução de 20% nas rendas em relação ao valor do mercado, escondendo que o aumento médio do arrendamento nos últimos anos supera os 100%. Para além de irrisória – foram abrangidas menos de 700 casas –, a noção de “acessível” desse programa é enganadora, pois é calculada em função do mercado e não do rendimento dos beneficiários, tornando-a inacessível para quem recebe o salário médio português.

A candidatura de Ossanda Liber também mascara o projeto de urbanização neoliberal em curso, ao ter como propostas noções genéricas de “inclusão” e “igualdade” que não contrariam os lucros do grande capital. Para promover uma cidade mais democrática, inclusiva e antirracista não basta ser uma mulher negra, tampouco enunciar tais ideais de forma abstrata. É necessário um programa que unifique os interesses dos trabalhadores explorados e oprimidos – sobretudo as mulheres e populações negras, imigrantes, ciganas e LGBT –, com vista à construção de mobilizações conjuntas que exijam reais políticas públicas de habitação, transporte, educação, cultura e lazer. Um primeiro passo é derrubar a atual Lei das Rendas e impor um valor máximo que seja condizente com o rendimento dos trabalhadores, indo contra a lógica da habitação enquanto mercadoria. A construção massiva de novas habitações públicas para a classe trabalhadora no centro da cidade a preços acessíveis também poderá servir de instrumento para contrariar a escalada atual do valor das rendas e a especulação imobiliária.

A luta contra o racismo e a desigualdade económica não pode estar assente numa moderada política de representação que contempla timidamente a redistribuição económica. Para combater de facto o racismo estrutural é fundamental interromper a segregação territorial e o projeto da cidade dos ricos, que faz do “direito à cidade” um privilégio. 

Otávio Raposo
Lê mais aqui: Eleições autárquicas não apresentam alternativas à cidade dos ricos