O fortalecimento do PS beneficiado pela acalmia da situação política
Estas eleições ocorrem numa situação de relativa acalmia, o que acaba por beneficiar os atuais governos autárquicos, principalmente o os, que é também Governo. O facto de ter alcançado uma alta taxa de vacinação, combinado com o adiar os efeitos mais dramáticos da crise garantido pelos apoios à retoma e layoffs, acaba por trazer estabilidade, que ainda que seja curta e superficial, deve marcar o resultado das eleições autárquicas. Para o PS é importante manter a vitória conquistada em 2017, nomeadamente nas autarquias que ganhou ao PCP, pois isso já seria parte do caminho para uma nova vitória nas legislativas.
A crise da direita tradicional
Com a crise da direita tradicional, e com ela, da aliança PSD e CDS, vemos dois fenómenos nestas eleições. Por um lado, o aparecimento de candidaturas de cidadãos ou de coligações amplas que escondam os partidos políticos da direita tradicional – PSD e CDS -, neste momento na sombra do governo os; por outro, vemos a aproximação da direita tradicional ao discurso da extrema-direita, como se vê na Amadora com a candidatura de Suzana Garcia.
Já o Chega faz de tudo para ganhar protagonismo. Por um lado, aumenta o tom no discurso racista e antissocialista/anticomunista, com atitudes provocatórias como a visita de André Ventura ao Bairro Jamaica no Seixal. Mas de conteúdo submete-se cada vez mais ao sistema, tentando adequar as suas propostas a um nível “aceitável” pelas instituições democrático-burguesas. As repetidas alterações no seu programa são exemplificativas deste processo, escondendo propostas mais “radicais” como a destruição da escola pública e do SNS. Assim, Ventura facilita ao PSD que componha coligações autárquicas com o Chega, e mostra-se alternativa viável para uma governação da direita com a extrema-direita.
PCP diante de um grande desafio
O PCP tem importância política no país a partir da sua localização no movimento sindical e no aparelho autárquico, principalmente no sul do país e na periferia de Lisboa. Nas últimas eleições autárquicas, este partido perdeu bastiões muito importantes no distrito de Setúbal – Barreiro, Almada e Alcochete – também no Alentejo – Beja e Castro Verde – e reduziu, no geral, a votação. Estas derrotas dão-se em 2017, no contexto do apoio do PCP ao Governo do PS, na Geringonça. Esta perda de espaço acompanha também a política sindical do PCP, que assume um papel apaziguador da luta dos trabalhadores, como se tem visto, por exemplo, no caso da insolvência da Groundforce.
Assim, estas eleições serão uma prova de fogo para relocalizar o PCP nos bastiões que perderam, o que terá impacto na sua força política no país de conjunto. A política do PCP, longe de se mostrar alternativa ao PS como oposição ao Governo, mostrar-se como parceiro e partido mais bem localizado para trazer os investimentos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) às cidades.
Há alternativa à cidade dos ricos
Ao longo dos últimos anos, as grandes cidades do país tornaram-se quase inabitáveis. Grande parte dos jovens até 35 anos precisam de dividir casas ou arrendar quartos. Em Lisboa, o arrendamento de um quarto custa em média 365 euros, quase metade do salário mínimo nacional. O resultado disso foi a busca por moradias na periferia da cidade, levando à medida paliativa dos passes únicos urbanos em 2019.
Há que destacar também que essas políticas urbanas focadas na concentração à volta das grandes cidades, combinada com a falta de apoio público aos pequenos produtores do campo e à destruição da infraestrutura das pequenas cidades do interior, levam à desertificação do interior. Isto potencializa os problemas urbanísticos das grandes cidades, assim como a desigualdade social.
Há que destacar também que essas políticas urbanas focadas na concentração à volta das grandes cidades, combinada com a falta de apoio público aos pequenos produtores do campo e a destruição da infraestrutura das pequenas cidades do interior, e sem uma política pública de criação de emprego, levam à desertificação do interior. Isso potencializa os problemas urbanísticos das grandes cidades assim como a desigualdade social.
Agora, com a pandemia, a cidade voltada para o turismo é que fica deserta e os investidores e especuladores imobiliários necessitam de ter garantidos os investimentos dos últimos anos. É assim que surge a política da renda acessível, a grande proposta eleitoral de Medina (PS) em Lisboa. Na verdade, esta nada mais é que a transposição de dinheiro público para o privado, salvando da crise os investidores que lucraram com a especulação imobiliária e com a generalização do alojamento local.
Frente a este problema é preciso uma solução categórica: a cidade e a terra são de quem nelas trabalha. Os trabalhadores e o povo pobre devem ter acesso as cidades. É preciso revogar a lei das rendas de Cristas (PSD/CDS) que o PS manteve, reduzir o preço das rendas e o estabelecimento de limites legais às mesmas pra impedir a especulação. O Estado não deve poder vender património, e sim transformá-lo, para ter uma política de construção de bairros populares que crie uma oferta pública de habitação a preços baixos, e não o financiamento dos lucros dos privados. Basta de dar dinheiro aos ricos. Cada casa desocupada deve ser utilizada para alojamento das famílias sem casa. Regularização dos bairros “irregulares” e realojamento para todos sem exceção. Esse processo tem de ser acompanhado pelo aumento das redes de transportes públicos. Investimento no interior com a reconstrução da rede ferroviária, dos serviços públicos e dos centros de saúde nas pequenas cidades, e apoio público aos pequenos produtores rurais.
Frente à inexistência de uma oposição ao PS, chamamos o voto nulo nas principais cidades
As eleições são autárquicas e é preciso debater o projeto de cidade. Mas nelas também está em jogo a conquista de forças para as próximas legislativas. Neste sentido, seria importante construir um espaço político de oposição ao PS, em defesa dos trabalhadores e do povo pobre, em alternativa aos anos do projeto de cidade dos ricos implementado por Medina em Lisboa, a capital do país.
PCP e BE, quando apoiaram o PS na Geringonça, mostraram ao que vinham: longe de procurar soluções permanentes, debatem-se por pequenas reformas num projeto de sociedade que só destrói e oprime. Infelizmente, nenhuma das candidaturas apresenta um projeto alternativo pela raiz, mas apenas variações do PS.
A esquerda reformista, a partir da sua localização autárquica, é cúmplice do PS e dos projetos de país e de cidades que vêm sendo construídos, por isso tampouco são uma alternativa ao crescimento da extrema-direita e do discurso racista. Assim, chamamos o voto nulo nas principais cidades, pois não devemos fortalecer politicamente forças que depois vão somar-se ao Governo para nos atacar.
Contra a governação do PS e a proposta racista de Suzana Garcia, vota MAS na Amadora
Exceção a esta orientação de voto é na Amadora, onde chamamos o voto crítico na candidatura de Gil Garcia, do MAS. Ainda que esta candidatura não coloque diretamente as propostas necessárias para a classe trabalhadora negra da cidade, como a regularização dos bairros e o fim da violência policial, localiza-se na oposição ao Governo do PS, ainda que não aponte este partido como principal agente dos problemas da população negra da cidade.
É preciso construir uma alternativa revolucionária dos trabalhadores
Há alternativas à cidade dos ricos e à desertificação do interior, mas para isso é preciso enfrentar os interesses dos ricos, dos banqueiros e dos grandes empresários. Não há solução viável pela direita, qualquer que seja a variante (tradicional, extrema-direita ou liberal), mas também não em unidade com o PS. Só é possível construir uma nova cidade se forem os interesses dos trabalhadores e do povo pobre a nortear as políticas públicas. Precisamos de construir a mobilização e a organização dos de baixo para que ganhe forças um projeto alternativo de sociedade. Precisamos de uma alternativa revolucionária.