A Ucrânia é um país sofrido. Se nos ativermos somente à história recente, temos o Holodomor, o “extermínio pela fome” praticado por Estaline entre 1932 e 1933, causando 4,5 milhões de mortos; e o massacre da Segunda Guerra Mundial, como consequência da invasão nazista, quando entre 5 a 7 milhões de ucranianos perderam a vida. O pós-guerra também foi muito duro, assim como o pós-independência, em 1991, com o fim da União Soviética. O projeto do presidente Vladimir Putin para o país centra-se em mantê-lo sob o seu domínio, funcionando como área de proteção da fronteira russa, o que significa, evidentemente, impedir o seu ingresso na Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO), o destino de outros ex-aliados, como a Romênia, a Bulgária, a Polónia e as repúblicas bálticas.
Na história ainda mais recente, em 2014, como consequência do desvio da revolução popular que derrubou o presidente Víctor Yanukovich, pró-russo, Putin anexou a península da Crimeia e armou os separatistas pró-russos da região do Donbass. Estes formaram duas autodenominadas repúblicas autónomas, em Donetsk e Luhansk, ainda não reconhecidas por ninguém. O conflito entre essas duas repúblicas e o governo ucraniano, com as suas milícias paramilitares, ampliou a destruição dessa região mineira e industrial e causou 14 mil mortos, milhares de feridos e 1,5 milhões de foragidos.
Os acordos de Minsk, concebidos pelos contendores sob a supervisão de países europeus, acabaram por congelar as fronteiras das repúblicas separatistas e deter a guerra, reavivada de quando em quando com bombardeamentos recíprocos. Mas ficaram muito longe de resolver o problema. O Donbass, e isso está sendo provado na atualidade, é por onde a guerra pode recomeçar e ampliar-se.
Quem quer a guerra?
A Ucrânia não é. Para esse país de 40 milhões de habitantes, dos quais 30% se afirmam russófonos, com a segunda maior área na Europa depois da Rússia e com um nível de vida bastante inferior ao da Bulgária, considerado o país mais pobre da União Europeia, a guerra não apresenta qualquer atrativo. A sua dependência em simultâneo da Rússia e da União Europeia transforma a sua governação numa arte complicada. A debilidade da sua burguesia pode ser exemplificada pela figura do atual presidente, Volodymyr Zelensky, que se tornou popular ao representar a personagem principal de uma série de televisão, cujo nome adotou para o seu próprio partido.
À União Europeia também não interessa uma guerra. O gás russo representa 40% do gás importado pela União Europeia, 100% no caso da Áustria e da Eslováquia, 50% pela Alemanha e 20% pela França. E todo ele passa pela Ucrânia.
Os Estados Unidos também dizem não querer o conflito, mas o seu objetivo é transformar a Ucrânia numa semicolónia exclusiva sua e dos seus aliados europeus, sem repartir o negócio com a Rússia. Por isso forçam a sua entrada na NATO, considerada uma linha vermelha intransponível pela Rússia. Por isso armam as tropas ucranianas e anunciam medidas de apoio económico ao país, como a compra de títulos da sua dívida pública. O presidente Joe Biden diz estar convencido de que Putin decidiu invadir a Ucrânia, mas assegurou que os EUA não vão enviar tropas para lá.
Putin, por sua vez, afirma que não pensa em invadir a Ucrânia, apesar dos milhares de soldados estacionados nas fronteiras (150 mil segundo os EUA).
Quem não quer a guerra são os povos
Os imperialismos norte-americano e europeu não hesitarão em ir à guerra para defender os seus negócios, como já o fizeram no passado. Mesmo que esta não seja a sua estratégia preferencial. O mesmo se pode dizer de Putin e do seu governo. A preservação da vida dos milhões de ucranianos não lhes interessa minimamente, além da retórica. A situação é difícil porque esta crise, até agora, não vem acompanhada por nenhuma mobilização independente dos trabalhadores e dos povos da região, os únicos que poderiam impedir um conflito desencadeado pelos capitalistas e os seus governos.
No nosso caso, a anunciada presença portuguesa no conflito, com 619 soldados enviados para alguma fronteira com a Ucrânia, no âmbito da NATO, deve ser repudiada. Esta guerra não interessa aos povos e os portugueses não podem servir como bucha de canhão dos interesses imperialistas.