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A queda de Marta Temido não vai reverter o caos no SNS

A ex-ministra da Saúde era apenas uma cúmplice da política de destruição do Serviço Nacional de Saúde (SNS) executada pelo Governo do primeiro-ministro António Costa e seus antecessores. Política essa que vai continuar e, o mais provável, talvez acelerar.

A situação caótica vivida nos últimos meses nas urgências hospitalares do país ocupou o noticiário e provocou sequelas graves, entre as quais a morte de um bebé e o caso de uma grávida que percorreu 150 quilómetros em trabalho de parto antes de conseguir ser atendida. As urgências e serviços não funcionavam por falta de pessoal. A morte de uma grávida após ter sido transferida do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, por falta de vagas no serviço de neonatologia, foi a gota de água a justificar a demissão da então ministra da Saúde, Marta Temido.

Esses foram os casos mais mediáticos envolvendo as falhas no atendimento do SNS, mas não foram os únicos. Depois de suportar, sem qualquer reforço substancial, tanto em termos de pessoal quanto de meios, a pandemia de Covid-19, o SNS viu-se às voltas com o agravamento de uma situação de subfinanciamento crónico e falta de profissionais, em especial de médicos, para fazer frente a uma procura reprimida durante quase dois anos. Era natural que o serviço derrapasse.

O legado da pandemia: sangue e suor dos trabalhadores da saúde

Como dissemos em outros momentos, apesar da aparente aprovação social da Ministra Marta Temido, o Governo não garantiu todas as medidas necessárias para que se pudesse evitar o caos do SNS durante a pandemia. Marta Temido evitou ao máximo a requisição dos privados, atrasou a generalização dos testes, não garantiu o isolamento com qualidade, entre outras. Medidas estas que poderiam ter sido essenciais para evitar parte dos cerca de 25 mil óbitos por COVID-19 em Portugal.

Os altos números de vacinação em Portugal e também os índices inferiores aos dos países da UE de mortes por milhões de habitantes foram conquistados com o sacrifício dos trabalhadores do sector da Saúde.

O ritmo extenuante de trabalho, somado à precarização de anos do SNS, leva a que hoje vejamos um sistema de saúde com graves contradições que são consequência da opção política dos governos do PS e PSD: entregar dinheiro público, que deveria ser do SNS, aos privados. É a receita da UE que impõe o garrote orçamental, o desinvestimento público e a precarização dos contratos da função pública como meio para o desmonte dos serviços públicos e o favorecimento dos privados.

A privatização da saúde

Só no ano passado, o SNS teve de pagar cerca de 500 milhões de euros ao setor privado de saúde para conseguir dar resposta aos seus utentes. É a sangria dos recursos públicos para o setor privado, existente há anos, que explica a crise. Com esses recursos, os privados têm condições para pagar melhores salários aos médicos e demais profissionais, enquanto hospitais e centros de saúde do SNS perdem os seus trabalhadores e forçam os que permanecem a fazerem horas-extras intermináveis e desgastantes, além de taparem os buracos nas urgências.

Mas não há por parte do Governo qualquer iniciativa séria para resolver os problemas. Estima-se que só no Orçamento deste ano haja uma suborçamentação de mais de 1100 milhões de euros. Enquanto isso, mais de 1,4 milhões de portugueses não têm médico de família.

Privados esfregam as mãos

A saída de Marta Temido alegrou os grupos privados da saúde, que a acusavam de favorecer uma agenda estatal contrária aos seus interesses. Não é totalmente verdade. É verdade, sim, que a ex-ministra se opôs aos hospitais privados quando, além de não atenderem aos clientes dos planos de saúde infetados pela Covid, exigiram pagamentos astronómicos do Estado para o fazerem. Mas é verdade também que, em vez de acabar com as Parcerias Público Privadas (PPP) na Lei da Bases da Saúde, concordou em manter esse sistema que onera o Estado e enche o bolso dos grupos Mello da vida, apenas com algumas limitações, e concordou que a dedicação exclusiva para os médicos do SNS fosse substituída pela dedicação plena, o que nada mais é do que aumentar as horas de trabalho desses profissionais.

Verbas públicas exclusivamente para o serviço público

Enquanto o Estado for um servidor leal do setor privado da Saúde este vai continuar a prosperar às custas do dinheiro público. Somente entre 2017 e 2020 foram construídos 20 novos hospitais privados. A isso Marta Temido não se opôs, optando por alguns remendos que não só não resolveram o problema estrutural do SNS como acabaram por fragilizá-lo ainda mais. Nesse percurso, a ex-ministra fez inimizades poderosas, que souberam manejar com a hipocrisia que lhe é habitual as dificuldades do setor público da Saúde.

A saída é uma só: fazer da Saúde um bem exclusivamente público no qual os privados não metem a mão. Acabar com as PPP, aumentar o orçamento para o SNS, investir nas carreiras dos seus profissionais, aumentar os seus salários, implementar a dedicação exclusiva, enfim, impedir que a saúde da população continue nas mãos de capitalistas que a veem como um excelente negócio.

Para conseguir isso, não há outro caminho que não a luta dos trabalhadores da saúde junto com a população. Foi essa luta que garantiu a preservação do SNS até agora e poderá garantir a sua continuidade noutros moldes, contra a sina dos consecutivos governos do PS e PSD, que tudo fizeram para decretar o seu fim.