Os lucros milionários de poucos…
A política das grandes empresas, desde a pandemia, foi manter poucos trabalhadores e subir os preços dos produtos para aumentarem a margem de lucro. Por isso, os grandes grupos distribuem milhões pelos seus acionistas. No 1º semestre de 2022, os 5 principais bancos em Portugal — CGD, BCP, BPI, Santander e Novo Banco — apresentaram lucros 80% acima dos reportados no mesmo período do ano anterior. No setor da distribuição, os lucros líquidos após impostos aumentaram, quando comparados com os de igual período de 2021: 83,5% no grupo Jerónimo Martins/PINGO DOCE e 108,2% na SONAE/Continente. No caso da Galp, os lucros líquidos após impostos tiveram um aumento de 207,3%, e no grupo EDP cresceram em 22,9% (tendo inclusive diminuído os impostos pagos). Os governos e União Europeia apoiam e protegem esta política de lucros milionários.
… são o drama social dos trabalhadores
Situação oposta vivem os trabalhadores e população mais pobre. No passado mês de agosto, a inflação atingiu os 9%, comparada com 1,3% em agosto de 2021. Apesar de alguma variação mensal, o que estes números nos indicam é o astronómico acelerar do custo de vida e a queda brutal nas condições de vida da classe trabalhadora, num país já marcado pelos baixos salários e pela extrema precariedade, onde ¼ da população vive abaixo do limiar da pobreza (incluindo-se aqui trabalhadores e reformados). A carência alimentar está cada vez mais na ordem do dia, enquanto o problema de manter as casas aquecidas (que já faz vários mortos todos os anos) se irá agravar.
Também o problema da habitação é um drama crescente. Às rendas exorbitantes, junta-se agora o aumento das taxas de juros promovidas pelo BCE, que fizeram disparar os valores do crédito habitação, arriscando colocar muitas famílias em incumprimento e sem sítio para viver.
O pacote de Costa é uma maçã envenenada
Costa, como bom aluno das orientações do BCE e das restrições orçamentais da zona euro a mais gastos, visa amenizar o descontentamento da população com o pacote de medidas. Todavia, não conseguiu convencer ninguém perante a brutalidade do aumento do custo de vida. Além disso, como o caso recente da Ministra da Saúde mostrou, abrem-se elementos de crise no Governo sobre como gerir a atual conjuntura de crise crescente e as suas consequências reiais nos diversos setores.
As medidas de Costa são miseráveis, quando as subidas de preços dos alimentos vão além de 15% e na energia em mais de 24%. É inaceitável que as grandes empresas lucrem milhões e os trabalhadores percam salário todos os dias e não tenham acesso digno à alimentação, aquecimento, habitação, saúde e educação de qualidade.
Para financiar este pacote, Costa retira dinheiro diretamente dos bolsos dos trabalhadores, através dos seus impostos, e não dos grandes patrões, que ganham às nossas custas. No caso do teto máximo de 2% às rendas (o que não trava a especulação imobiliária), a diferença de atualização será paga aos senhorios com os valores dos contribuintes. Outro exemplo é a redução dos impostos na eletricidade, que é temporário e não ataca a fonte dos problemas, que é o lucro milionário das empresas do setor.
Medidas de Costa anunciam austeridade
Já o suplemento extraordinário de 50% das pensões corresponde ao adiantamento de uma parte das atualizações previstas para estas pensões em 2023. Mas aqui fica claro como estas medidas iniciam a austeridade: o Governo, que tinha previsto uma atualização das pensões entre 7 e 8% (perto dos valores da inflação), vai reduzir essa atualização pela metade (para cerca de 4%), voltando atrás com a palavra dada e mostrando como a sua política é, de facto, cortar pensões. Por trás da bela maçã do “apoio às famílias”, o Governo começa, assim, a cortar rendimentos de trabalhadores e pensionistas frente ao enorme aumento do custo de vida.
Governo Costa e UE protegem os super-ricos
Segundo a mais recente proposta apresentada para a Função Pública (que é a referência para o setor privado), mais de 70% dos trabalhadores terão uma atualização salarial abaixo da inflação, que o Governo estima em 7,4%, mas que poderá ficar muito acima. Isto significa cortes reais nos salários, tal como nas pensões, quando tudo faz prever que os preços altos se vão manter e prolongar.
Estamos perante o início de uma austeridade encapotada, frente ao cenário de recessão europeia e mundial que se aproxima. Pela nossa parte, achamos que têm de ser os ricos a pagar a fatura:
- Defendemos um aumento geral de salários acima da inflação real, e não de estimativas por baixo. Caso contrário, estamos a falar de cortes salariais, ou seja, de austeridade.
- É preciso o controlo estatal do preço dos bens essenciais, pois através dos impostos não se controla o preço no consumidor. Também na habitação somos contra qualquer aumento das rendas ou dos empréstimos à habitação, devendo o Governo garantir o controlo dos valores da habitação e construir um plano de habitação pública a custos controlados, que acabe com o desvario da especulação imobiliária.
Maria Silva
Texto originalmente publicado no Em Luta, N.º 06 (outubro, 2022), p. 6