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Inflação: a culpa é da guerra?

A guerra na Ucrânia tem sido apontada como a responsável pela subida dos preços da energia e, dessa forma, pelo crescimento frenético da inflação. Não é verdade.

A inflação em Portugal atingiu o valor de 10,2% em outubro, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), o mais alto desde 1992. Situação semelhante apresenta-se por todo o mundo. Na zona euro, nesse mesmo mês, foi ultrapassado pela primeira vez o limite de 10%. Esse aumento é atribuído em grande parte à escalada dos preços da energia que, calcula o Eurostat, o gabinete de estatísticas da União Europeia, foi de 41,9%.

Se a guerra, ao envolver um importante produtor de petróleo e gás, como a Rússia, e de cereais, como a Ucrânia, afeta os preços desses produtos, não é correto atribuir-lhe o protagonismo pelo disparar da inflação. Na verdade, a inflação começou bem antes da guerra. Em 2021, no ano anterior ao deflagrar do conflito, ela totalizou 4,96% na União Europeia, um índice jamais atingido, explicado pela pandemia e a interrupção das cadeias de produção e distribuição, com a consequente escassez de matérias-primas e produtos.

Em Portugal, nesse mesmo ano, a inflação totalizou 1,3%, após a variação nula de 2020. Os preços dos bens energéticos foram os que mais subiram.

A culpa é dos lucros

O agudizar da inflação nos últimos meses pode ter uma outra explicação, apontada por economistas e instituições como o Economic Policy Institute, dos Estados Unidos: os lucros das empresas. Um estudo tendo como base o setor de bens e serviços desse país revelou que desde o segundo trimestre de 2020 os preços cresceram 6,1% ao ano, um aumento bastante superior ao registado nos negócios pré-pandemia. Mais da metade desse aumento (53,9%) é resultado de margens de lucro mais gordas, enquanto os custos trabalhistas contribuíram com menos de 8% para esse aumento.

Percentagens bem diversas das registadas no passado recente. De 1979 a 2019, de acordo com esse mesmo estudo, os lucros contribuíram com apenas 11% para o aumento de preços, enquanto os custos trabalhista totalizaram 60%. Esse estudo demonstra a brutal mais valia que está a ser arrancada do valor trabalho com a desculpa da pandemia e, agora, da guerra na Ucrânia.

Os lucros em Portugal

No nosso país a situação é semelhante. Os lucros das 13 maiores empresas cotadas em bolsa cresceram 86% entre abril e junho deste ano em comparação com o mesmo período do ano passado. As que mais lucraram foram EDP, Galp Energia e EDP Renováveis. A Galp mais do que duplicou os lucros, um aumento de 153%. Mas não foram só as vinculadas ao setor energético a lucrar com a inflação. A Sonaecom (tecnologia) registou, nos primeiros nove meses do ano, um aumento de 22,7% nos seus lucros, e a Navigator (papel e celulose), 137%. É fácil concluir que o crescimento da inflação deve ser explicado não apenas pelo aumento do custo das matérias-primas, mas, principalmente, pela astronómica taxa de lucro das grandes empresas embutida no preço final.

O que fazer

O mesmo não se pode dizer das contas da classe trabalhadora. A erosão salarial é chocante, principalmente quando se sabe que os reajustes estão muito abaixo da inflação. A Associação Portuguesa das Empresas de Distribuição admite que já se assiste a “decréscimos assinaláveis” no consumo de bens de primeira necessidade de preço mais elevado, como peixe ou carne de vaca. Há retração no consumo e, ainda mais grave, fome.

A guerra na Ucrânia e a justa luta do seu povo para expulsar o invasor russo não podem ser responsabilizados, como querem o governo de António Costa e o estalinismo, pela ganância do grande capital.

Diante da revolta provocada por esta situação, o governo, pelas palavras do seu ministro da Economia e do Mar, António Costa Silva, ainda ironiza: “tratam o lucro como um pecado”. Se é assim, respondemos nós, que os trabalhadores os forcem a uma dura e penosa penitência.

Cristina Portella

Texto originalmente publicado no jornal Em Luta, N.º 38, 11/2023