ESPECIAIS Nacional

Especial Habitação: As responsabilidades do PS no estado da habitação em Portugal

O descaramento de António Costa parece não ter limites quando, em meio de uma crise brutal na habitação, escreve um artigo de opinião para o jornal Público a reafirmar as políticas de habitação do PS dos últimos 10 anos. Mas se o PS esteve à frente da Câmara de Lisboa durante 14 anos até 2021 e está no Governo nacional há 8 anos, o que nos trouxe até aqui?

O artigo de Costa, publicado no dia 16 de fevereiro como forma de preparar as medidas do Conselho de Ministros que seriam anunciados no final da tarde do mesmo dia, é um elencar de leis e despachos feitos pelo PS a respeito da habitação. A intenção é nítida: defender que as medidas anunciadas pelo Governo não são uma mudança de paradigma, mas sim uma continuidade. Ficam então com um grande problema, se não mudam o paradigma, não servem para nada; se o mudam demonstram toda a responsabilidade do PS pelo estado em que as coisas se encontram…

Um breve diagnóstico

Em janeiro de 2015, o metro quadrado das casas e apartamento em Portugal custava 1056 euros em média, hoje custa 2467 euros (dados da Idealista), um aumento de 134%.

Segundo o INE, cerca de 25% dos residentes em Portugal com 15 e mais anos têm um empréstimo de habitação, sendo que a taxa Euribor tem subido de forma acentuada nos últimos meses, graças à medida anti-inflacionária (!) do BCE, levando a um aumento significativo na taxa de esforço de grande parte das famílias.

Já para os que vivem em casas arrendadas o drama é outro, uma vez que os despejos por não renovação de contrato para o aumento abusivo das rendas têm sido recorrentes. De repente estás sem casa e tens de arrendar uma casa numa cidade em que a opção mais barata é um T0 a 600 euros por mês.

E os salários?

Se viver em Lisboa, numa casa sem quarto, custa no mínimo 600 euros. O salário tem evoluído na mesma proporção de forma a suportar esta subida?

Se o salário mínimo tivesse aumentado 134% como o m2 das casas, hoje estaria no valor de 1181 euros e não 760. Já o salário médio, se tivesse acompanhado este aumento, deveria estar em 2127 euros e não os 1378 euros atuais. De facto, o salário médio aumentou apenas 3% (descontada a inflação) desde 2010 e não os 133% do m2 das casas. O problema é evidente, a cada mês a taxa de esforço de um trabalhador ou trabalhadora para pagar a sua casa aumenta de forma absurda e viver com dignidade nas principais cidades de Portugal vai deixando de ser um direito para quem cá trabalha.

Cidade para inglês ver…

Inglês, Francês, Alemão… até poderias ser de outras nacionalidades, desde que tivesses 500 mil euros para adquirir uma casa, sem cá viver.

No seu artigo para o jornal Público, Costa afirma que assumiu o Governo com apenas 2% de casas públicas no parque habitacional. Caberia perguntar por que resolveu entregar cerca de 15% das casas que foram vendidas em Portugal aos investidores estrangeiros.

Ao contrário do que afirma a direita, o problema não é nem nunca foi a falta de construção de casas, mas sim a lógica capitalista de gestão da habitação onde é mais lucrativo especular com casas do que investir em outros setores. Por isso, com a descida das taxas de juro para valores muito baixos, a habitação passou a ser cada vez mais um ativo de investimento, o que fez com que a procura internacional mais do que duplicasse, tanto por parte de particulares como de fundos imobiliários (dados do Banco de Portugal).

A gestão Costa foi a grande impulsionadora destes resultados, uma vez que atuou para alimentar a especulação, concedendo benefícios fiscais aos fundos de investimento imobiliário, que, como bons investidores, preferem apostar no mercado da habitação de luxo do que em construir casas a preços acessíveis para a maioria das pessoas, e concedeu benefícios fiscais aos residentes não habituais e aos nómadas digitais com rendimentos mais elevados (como é óbvio).

O PS e a câmara municipal de Lisboa

A responsabilidade de Costa não é apenas no Governo nacional, os seus 8 anos à frente da Câmara Municipal de Lisboa contaram muito.

Quem se lembra quando em abril de 2011 o então presidente da CML mudou o seu gabinete para o Largo do Intendente? Costa defendia que mais do que a presença policial, que garantiu que estivesse presente bem perto do Intendente, o que dá segurança aos territórios é a sua ocupação pelas pessoas, e por isso numa jogada de marketing, como bem Costa faz, mudou o gabinete para a antiga fábrica de cerâmicas Viúva Lamego.

Passados quase 12 anos, vemos que a região foi ocupada não por quem vive e trabalha na cidade, mas sim pela especulação imobiliária e por alojamentos locais. Ajudado em muito pela famosa Lei Cristas (Lei 31/2012) que, recomendada pela Troika, liberalizou o mercado de arrendamento, facilitou os despejos e acabou com o congelamento das rendas. 

Segundo relatório da agência Moodys, a cidade de Lisboa tem mais alojamentos locais por habitante do que Paris, Amesterdão ou Londres, sendo que 20% do total está na Freguesia de Santa Maria Maior, onde se encontra o Largo do Intendente.

Por isso, ocupar o centro histórico de Lisboa é um direito para os turistas…

Não se pode começar pelo telhado…

As medidas anunciadas pelo primeiro-ministro António Costa para resolver o problema da habitação em Portugal contém a mesma lógica da gestão do PS na pandemia: passar para o Estado a responsabilidade de garantir os lucros e os investimentos dos ricos. Costa disponiliza o Estado como garantia de pagamento das rendas para que os senhorios façam contratos mais longos, mas omite que os valores das rendas são os de agora. Os trabalhadores são duplamente prejudicados: diretamente na renda, com os seus ainda baixos salários, e indiretamente através dos seus impostos que são utilizados para subsidiar os senhorios.

Ao não impor um limite ao valor das rendas, que seria a única medida possível para atender às demandas de quem está à beira de ser despejado mesmo recebendo um salário médio português, Costa mantém o problema que faz de viver com dignidade um privilégio.

Por outro lado, demostra que é preciso começar o ponto de viragem, onde depois de um longo período de encarecimento das casas, do abuso dos alojamentos locais e das políticas de atração de investimento estrangeiro (Vistos Gold, residentes não habituais, etc), foi necessário impor limites, pouco ousados no caso das medidas do Governo. 

Argumentar que o caminho que se fez de 2011 até aqui serviu para a regeneração urbana das cidades, não serve. Pois a questão é evidente, regeneração urbana para quem? O PS assumiu a política de regeneração urbana que, já na altura, se mostraram falhadas noutras cidades. Amsterdão, Barcelona, entre outras, depois de um longo período de incentivo ao turismo e especulação tiveram de impor limites, 16 países europeus já limitam o valor das rendas. Mas a jogada de Costa foi consciente e às nossas custas. Em nome de uma cidade “bonita” para o turismo entregou o nosso direito à cidade e à habitação, que agora não será devolvido. De facto, como coloca no título do seu artigo, o PS não começou o problema da habitação pelo telhado, estão envolvidos desde a raiz.

A solução passa por devolver à habitação a sua função social de morar e não de lucrar!

A verdadeira solução para o problema da habitação nem Costa, nem a direita (liberal ou não) pretendem fazer. O único caminho possível é o que vai no sentido de repor a verdadeira função social da casa, onde as casas servem para morar e não para especular e cada pessoa que vive e trabalha em Portugal poderá ter uma habitação digna e adequada às suas necessidades.

É preciso:

  • Reduzir os preços da habitação!
  • Regular o mercado de arrendamento! Proibir os despejos!
  • Proibir a venda de casas a não residentes! Regular o alojamento local!
  • Expropriar as casas vazias e de fundos de investimentos para um plano de habitação pública!
  • Acabar com os fundos de investimento imobiliário! Nacionalizar a banca!

Este artigo é o primeiro de uma série onde pretendemos desenvolver o tema da habitação. No próximo vamos falar sobre a revolução de Abril e as lutas habitacionais. A não perder!

Joana Salay