A 25 de janeiro, celebraram-se os 30 anos da morte de Nahuel Moreno, o principal dirigente que abraçou a causa da construção da Liga Internacional dos Trabalhadores – Quarta Internacional, fundada em Janeiro de 1982, e da qual o Em Luta é a organização simpatizante em Portugal.
Em vários países, as organizações e militantes da LIT não deixarão de associar às comemorações em curso do centenário da Revolução Socialista de 1917 a evocação e estudo da trajetória e legado político e teórico de Nahuel Moreno – prosseguindo e atualizando a luta de Marx, Engels, Lenine, Rosa Luxemburgo, Trotsky e muitos outros revolucionários – para construir à escala internacional um movimento da classe trabalhadora com raízes em partidos fortemente estruturados no seu seio que disputem o poder aos governos capitalistas e à burguesia e abram o caminho à construção do socialismo. Aquele movimento internacional da classe trabalhadora sintetiza-se – e ganha cada vez mais atualidade face à barbárie capitalista – na reconstrução política e programática da IV Internacional, continuadora, em primeiro lugar, da III Internacional, dirigida pela geração de dirigentes bolcheviques antes de serem dizimados pela burocracia estalinista.
Em “Um Breve Esboço da História da LIT-QI”, exposto na página da LIT (QI), é-nos dado um apontamento sobre a visão de Moreno sobre como os militantes e dirigentes trotskistas devem encarar aquela enorme tarefa: “Em janeiro de 1982, quando se fundava a LIT-QI, Nahuel Moreno dizia: “… Os dirigentes do movimento trotskista consideravam-se colossos que não erravam nunca. No entanto, o trotskismo dirigido por eles era lastimável (…) Essa chata experiência de andar sempre entre “génios” levou-nos a fazer propaganda indireta sobre a nossa base para a convencer de que nos equivocamos muito, que devem pensar e pensar por sua própria conta, já que a nossa direção não é garantia de genialidades. Queremos por todos os meios inculcar o espírito autocrítico, marxista, e não uma fé religiosa numa modesta direção, provinciana pela sua formação e bárbara pela sua cultura. Por isso, acreditamos na democracia interna e vemo-la como uma necessidade imprescindível… Avançamos através de erros e golpes e não temos vergonha de dizê-lo…“.
Criando raízes na classe operária
Moreno, cujo nome verdadeiro era Hugo Miguel Bresano Capacete, nasceu em Alberdi, província de Buenos Aires. Após ter participado em tertúlias intelectuais de esquerda e grupos de inspiração trotskista – o “trotskismo boémio” como ele próprio dizia – com outros militantes e ativistas rompeu com aquele meio e fundou com outros camaradas o Grupo Obrero Marxista, que viria a criar fortes raízes num bairro operário, Villa Pobladora. Este passo viria a marcar – desde então e para o futuro e noutros países – a luta permanente do “trotskismo morenista” contra o “trotskismo intelectual” que caraterizou, por exemplo, a direção do Secretariado Unificado da IV, personificada em Ernest Mandel. A outra luta “gémea” foi a procura constante da reconstrução da IV Internacional. Para Nahuel Moreno os partidos revolucionários não poderiam subsistir enquanto tal no marco nacional e seriam sempre uma realidade inferior, mesmo que a sua organização internacional fosse débil organizativamente.
A militância de Nahuel Moreno foi assim marcada por inúmeras batalhas políticas internacionais, que ficaram registadas em vários documentos e trabalhos teóricos, algumas delas surgidas de acontecimentos internacionais: a participação como delegado nos II e III Congressos da IV Internacional nos anos 48 e 50; Revolução Boliviana de 53; queda da oligarquia cubana e Revolução Cubana em 1959, que acabou por instaurar o primeiro estado operário na América Latina; defesa do ‘trotskismo ortodoxo’ perante a adesão à onda guerrilheirista que dizimou política e fisicamente milhares de militantes revolucionários e a claudicação de Mandel perante o que considerava “as novas vanguardas”; a Revolução Portuguesa de 74-75 e a luta dos povos das ex-colónias portuguesas de antes e depois daquele acontecimento, que suscitaram documentos como Revolução e Contrarrevolução em Portugal e Angola: uma revolução em marcha; o ascenso do movimento operário brasileiro no final da década de 70, que o levaria a concluir pela necessidade de um “partido dos trabalhadores” em ruptura com os partidos burgueses da ditadura; insurreição popular nicaraguense de 1978 que levou à queda do ditador Somoza e contou com o apoio direto da brigada Símon Bolívar, formada por trotskistas de vários países latino-americanos.
A política capituladora da direção do SU face aos sandinistas – que incluiu o apoio à repressão daqueles sobre a brigada – teve como consequência a ruptura definitiva da corrente morenista – agora dirigindo partidos estruturados na vanguarda operária em alguns países latino americanos e denominada Fração Bolchevique (FB).
A Liga Internacional dos Trabalhadores, fundada em janeiro de 1982, seguiu-se à tentativa de construir uma direção internacional com o CORQUI, dirigido por Pierre Lambert, mas que se goraria rapidamente devido à sua capitulação à social-democracia europeia e, em particular, ao governo de Mitterrand.
Por um partido revolucionário mundial
Nahuel Moreno não era um ‘dirigente revolucionário argentino ou latino-americano’. Pese ter participado ao lado de diversos camaradas na construção concreta de importantes partidos trotskistas daquele continente e ter intervindo nas oportunidades que ali se abriram, a sua estratégia visava a construção de um partido revolucionário mundial. Infelizmente, não chegou a viver a queda dos regimes ditatoriais do Leste, por ação das massas, em 1989. A sua experiência e acumulação teórica teriam sido decisivos para a LIT que fundou. No entanto, as revoluções húngara e polaca de 1956 e, particularmente, o levantamento operário de 1981 na Polónia, dirigido pelo Solidariedade de Lech Walesa, não deixaram de suscitar a sua atenção militante e labor teórico. Para os ativistas e militantes que ainda lamentam a destruição do aparelho estalinista falsamente identificado com o comunismo ou socialismo sugerimos a leitura e crítica das suas elaborações e análises. Em 1981, sobre a revolução política na Polónia, reafirmaria um dos eixos da sua análise de 1956: “Ainda que muitos sectores do movimento de massas não compreendam, devido às suas ilusões, que a sua luta [da classe trabalhadora polaca] enfrenta em última instância a contrarrevolução imperialista, esta é a realidade mais profunda do que está sucedendo. Atualmente, a burocracia não é apenas um agente histórico do imperialismo. Na Polónia, é a única garantia do pagamento das dívidas e juros do imperialismo”. E, em janeiro de 1982, sobre o sindicato Solidariedade: “Solidariedade: sindicato das massas revolucionárias, direção pró-burguesa. (…) Comparando-o com as diversas organizações sindicais que surgiram na história do movimento operário, Solidariedade (…) é o oposto: abarca todo o proletariado e é expressão do ascenso revolucionário. Outra caraterística de Solidariedade é a sua direção claramente contrarrevolucionária, que reflete o atraso provocado pela contrarrevolução estalinista na consciência dos trabalhadores (…). O decisivo é que é a única organização nacional do poder das massas revolucionárias, reconhecida tanto por elas como pelos seus inimigos, a burocracia e o imperialismo. (…) A conquista do poder pelo Solidariedade significa a conquista do poder pelas massas revolucionárias.” “Levantemos a consigna ‘Todo o poder ao Solidariedade’ ou outra parecida“.
Estas foram algumas notas sobre a trajetória revolucionária de Nahuel Moreno e da sua luta pelo socialismo e pelo seu partido mundial. Convidamos todos os nossos amigos e militantes a, como dissemos no início, sem fé religiosa e com espírito crítico, estudar os seus documentos e contributos à causa do marxismo. Na página da Liga Internacional dos Trabalhadores (aqui) podes encontrar relatos completos da sua vida e obra teórica.