No dia 18 de maio, um dia depois da Greve Geral, rodeados por milhares de manifestantes e com paralisações nos transportes públicos, barcos e hospitais, os deputados do Syriza e do seu aliado no Governo (“Gregos Independentes”) votaram no Parlamento grego o novo e brutal pacote de medidas exigido pela Troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e FMI). Desta maneira, o Governo Tsipras poderá receber 7 biliões de euros da segunda fase do terceiro “resgate” grego para reembolsar a dívida que vence no mês de julho. Com certeza, os fundos não irão para nenhum gasto social ou produtivo; pelo contrário, somente servirão para continuar a pagar à Troika uma dívida incobrável e alimentar o ciclo criminoso do saque à Grécia, reduzida a um estatuto de semicolónia alemã.
O pacote inclui um novo golpe contra as reformas (já são 14!), que entrará em vigor em 2019. Este reduzirá a quantia global das reformas gregas a 1% do PIB e eliminará definitivamente o EKAS, um fundo de ajuda de sobrevivência aos 380 mil aposentados com menos rendimentos. O jornal Público narra o caso de Melina Kotsaki, 73 anos, comissária de bordo reformada que, quando se reformou, recebia uma pensão de 2.200 euros e, agora, após os sucessivos cortes, recebe 750 e passará a receber menos 18% com o novo corte. Menciona também o caso de Kostas Kekas, um assistente de enfermagem recém-reformado com uma pensão de 700 euros, que será afetado, como todos os pensionistas, em proporções parecidas.
Uma nova reforma fiscal subirá os impostos ao valor de 1% do PIB a partir de 2020. Rebaixará a isenção fiscal mínima, afetando em cheio os setores com menos rendimentos, e aumentará também as contribuições dos profissionais.
O pacote inclui novos cortes nas prestações sociais. “Economiza” 259 milhões às custas do subsídio de desemprego e da ajuda às famílias mais pobres para pagar o aquecimento ou tratar dos incapacitados. Outros 313 milhões desaparecerão, em dois anos, do sistema de saúde, já gravissimamente golpeado por ter perdido um terço do orçamento em 2009.
Os direitos laborais serão igualmente afetados ao eliminarem-se os entraves legais aos despedimentos coletivos. Os convénios continuarão a não ser reconhecidos. As convocatórias para greve serão mais difíceis, pois ficarão condicionadas ao voto favorável de 50% dos trabalhadores, num contexto marcado pela intimidação patronal e ameaças de demissão. Também será relaxada a proteção jurídica aos representantes sindicais.
A espoliação do país através dos cortes orçamentais é completado pela venda forçada, a preço de liquidação, do património público ao capital estrangeiro, muito particularmente ao alemão. O Governo e o Fundo de Privatização (HRADF) já entregaram vários aeroportos regionais e autoestradas, o metro de Atenas e o porto de Pireu. Agora, com as novas medidas, busca fazer o mesmo com a companhia de águas de Tessalónica e de Atenas, com a petrolífera Hellenic Petroleum ou a principal elétrica, Public Power Corporation PPC. O novo memorando também inclui outro mecanismo de saque: a transferência de créditos em atraso dos bancos gregos (100 biliões) a “fundos oportunistas” estrangeiros, o que lhes permitirá apropriarem-se de um grande número de residências e negócios a preços irrisórios.
A União Europeia (UE) a nu
O novo memorando, outra página trágica na história da infâmia, mostra-nos a verdadeira face da UE: uma máquina de guerra contra a classe trabalhadora e os povos da Europa, um instrumento dos grandes bancos e multinacionais europeias para imporem um retrocesso generalizado aos trabalhadores e submeterem e saquearem países como a Grécia.
A UE é o escudo em que os Governos europeus se apoiam para a sua ofensiva anti-operária e antipopular e para a sua política exterior imperialista. É um chicote antidemocrático, dominado pelo capital financeiro e pelo governo alemão, impossível de ser transformado e colocado ao serviço dos povos.
As mentiras de Tsipras, o executor da Troika
Tsipras defende o novo memorando dizendo que, assim, será desbloqueado o caminho para um “alívio” da dívida grega. Acrescenta também que compensará os cortes com “contramedidas” sociais. Mas, de novo, mente descaradamente, como fez quando convocou o referendo de julho de 2015, convencido de que iria perdê-lo e assim poderia justificar a aceitação das imposições da Troika (como confessou Varoufakis [1] no seu recente livro de memórias, “Adults in the room”).
As declarações de Tsipras sobre o alívio da dívida são puro palavreado, em primeiro lugar porque a Alemanha se opõe categoricamente e, em segundo lugar, porque a proposta do FMI de cancelar uma parte da dívida não passa, na realidade, de um mecanismo para a perpetuar, considerando que a Grécia não pode cumprir com sua dívida atual, próxima de 180% do PIB. Em relação às “contramedidas de alívio” (que, na realidade, não mudariam nada a situação geral), a sua margem de manobra é também inexistente, pois o Eurogrupo condicionou qualquer “medida expansiva” à superação, pelo país, dos objetivos de superávit primário (3,5% do PIB) e um crescimento de 3,5% do PIB nos próximos anos.
Tsipras demonstrou que, se alguém se submete à União Europeia e ao Euro, por muitas promessas e discursos que tenha feito enquanto oposição, converte-se em executor dos planos dessas instituições assim que chega ao Governo.
Durante muito tempo, o grosso da esquerda europeia (Podemos, Izquierda Unida, Bloco de Esquerda, Front de Gauche ou o Die Linke) apresentou Tsipras e o Syriza como os grandes heróis da esquerda e o modelo a seguir perante uma socialdemocracia rendida ao neoliberalismo e em queda livre. Entretanto, alguns meses depois, o Syriza chegou ao Governo e transformou-se no substituto do PASOK e da direita grega, novo pistoleiro da Troika, gestor da política criminosa da UE contra os refugiados, convidado permanente da cúpula da socialdemocracia europeia e sócio e amigo de Israel. Ainda esperamos dos amigos de Tsipras uma crítica e um repúdio ao seu Governo e à sua política.
A resposta da classe trabalhadora grega
A resposta ao último memorando foi a sexta Greve Geral contra Tsipras e a troika. Paralisaram as ferrovias, o transporte urbano e marítimo, os controladores aéreos, os meios de comunicação, os hospitais públicos, os funcionários e, em menor escala, os trabalhadores do setor privado. Saíram às ruas aos milhares, juntamente com os pensionistas, jovens, desempregados, camponeses e setores da classe média arruinada.
A verdade é que não se pode exigir mais de um povo heroico, que sofreu uma devastação económica e social equivalente à de uma guerra; um povo que foi vilmente traído, primeiro pelo PASOK e depois pelo Syriza. Não se pode pedir-lhe mais quando a convocatória dos sindicatos foi de uma greve formal de 24 horas, isolada de uma perspectiva estratégica de repúdio ao pagamento da dívida, de ruptura com a UE e o Euro, de nacionalização dos bancos e de controle da economia pelo povo. Não se pode pedir mais de uma classe trabalhadora que ficou isolada internacionalmente, abandonada pela burocracia sindical, a socialdemocracia e os amigos de Tsipras.
É necessário construir uma resposta internacionalista
É hora de levantar a solidariedade ativa com a classe trabalhadora e o povo grego, construir uma resposta internacionalista à escala europeia. Uma resposta apoiada no sindicalismo combativo e numa esquerda que saiba que não há saída sem o enfrentamento, de forma unificada, com a Europa do Capital e sem abrir uma via de ruptura revolucionária com a UE e o Euro sobre cuja base possamos construir a Europa dos Trabalhadores e dos Povos, os Estados Unidos Socialistas da Europa.
Felipe Alegria
Artigo publicado em http://www.corrienteroja.net/
Nota:
[1] Yánis Varoufákis é um economista, blogger e político grego, membro do partido Syriza. Foi ministro das Finanças do Governo Tsipras em 2015, quando renunciou, sendo sucedido por Euclides Tsakalotos.