Somamo-nos àqueles que não vêm com bons olhos o crescimento eleitoral de André Ventura. Porém, vemos que muitos acreditam que há um crescimento exponencial de forças fascistas demonstrado pela votação de André Ventura. Em nossa opinião, o Chega! não é fascista, é um partido da extrema-direita que foca a sua atuação nas instituições parlamentares. Com isso não podemos dizer que o seu crescimento não fortalece as forças fascistas que orbitam ou integram o partido atualmente, ou que o Chega! não possa vir a tornar-se fascista. Mas de momento, o foco do Chega! é a disputa política pela via parlamentar. Sendo de extrema-direita continua a ser uma ameaça que tem que ser combatida veemente, mas acreditamos ser um erro concluir que todos os que votam em Ventura são fascistas; assim como seria errado não ver que o crescimento do Chega fortalece grupos fascistas. São conclusões cruciais para os desafios do futuro.
Os resultados eleitorais são resultados distorcidos do que se passa no concreto. É claro que há eleitores fascistas do Chega! e, provavelmente, todos os fascistas que votaram, votaram no Ventura. Mas a maior parte dos eleitores que votaram no Chega!, não são fascistas. São no geral pessoas descontentes com os anos de PS/PSD, cansados da corrupção sistémica e, principalmente, fartos da degradação das condições de vida no país. Este sentimento atinge trabalhadores pobres de grandes concentrações laborais, como podemos ver pelo perfil de voto em parte da periferia de Lisboa. E atinge também os pequenos empresários que se encontram no interior, afetado pelos anos de abandono dos Governos (não é por acaso que André Ventura obteve o segundo lugar na maior parte dos concelhos do interior).
Ventura consegue votos dos pequenos empresários nas concentrações urbanas das grandes cidades. Esta é a grande base de Ventura. Mas ele é também apoiado por setores ainda minoritários da burguesia portuguesa, que defendem ir ainda mais longe nos ataques aos trabalhadores, como demonstra o programa ultraliberal e antitrabalhadores do Chega!. [1] A votação de 18,3% nas freguesias de Cascais e Estoril e de 15,2% na freguesia da Estrela (ambas na região metropolitana de Lisboa), claramente entre as mais privilegiadas da AML, mas também em zonas muito pobres, como a freguesia de Camarate e Apelação (no município de Loures), mostram que ,por motivos diferentes, este partido tocou os extremos sociais.
Em síntese, para nós, o que permite o crescimento das forças de extrema-direita no país é o descontentamento com as políticas do Governo. André Ventura sabe que o descontentamento e radicalização crescente nas camadas médias portuguesas e de parte dos trabalhadores é um terreno fértil para o seu discurso populista e busca canalizar este sentimento para a construção do seu partido. Este espaço será cada vez maior na medida em que os efeitos da crise social se fazem sentir mais e uma vez que as medidas do Governo perante a pandemia favorecem as grandes empresas e a banca e esquecem os pequenos os trabalhadores e pequenos empresários. Infelizmente, a esquerda parlamentar, ao invés de fazer, no Parlamento e nas ruas, uma forte oposição ao Governo, acaba por legitimar a sua política.
No momento político que vivemos, a solução para combater o crescimento da extrema-direita passa por construir um projeto oposto aos do Governo e do Chega; um projeto que apresente um programa alternativo e construa a mobilização unificada dos trabalhadores e do povo pobre. É preciso mostrar que há perspetivas para o futuro.
Joana Salay
[1] https://emluta.net/2021/01/23/a-extrema-direita-aproxima-se-do-poder/